10 vezes que Arlindo Rodrigues foi o gênio barroco do carnaval

Por Leonardo Antan


À margem de outros nomes fundamentais, Arlindo Rodrigues escreveu sua história no carnaval carioca no decorrer das décadas de 60 a 80. Levado para a folia por meio do parceiro de Teatro Municipal Fernando Pamplona, renovou, junto ao amigo, a linguagem das agremiações em desfiles marcantes do Salgueiro. Apesar de atuarem unidos, o cenógrafo e figurinista ficaria associado com a figura do mestre, que acabou se tornando mais conhecido e exaltado.

Depois, Arlindo teve ainda sua importância relegada a segundo plano com a ascensão de seu principal discípulo, Joãosinho Trinta. Se o maranhense levou a fama de barroco, luxuoso e espetacular, tudo só foi possível graças ao terreno antes preparado por Arlindo, quem lançou a linguagem estética contemporânea dos desfiles, associando às escolas elementos teatrais e mudando todo o fazer de uma agremiação. Relembrando a importância desse carnavalesco imprescindível para o que se tornaram as escolas de samba, confira dez inovações e características do gênio barroco.

1 – Histórias que a História não contou

Desfile do Salgueiro em 1960 (Foto: Jornal Extra)
Um dos papéis fundamentais que Arlindo exerceu junto a Pamplona diz respeito aos temas e histórias que ganharam a Avenida. Num processo de valorização da cultura negra, os enredos da dupla mergulharam em figuras poucas conhecidas daquela época pelo grande público, mas que tinham sua importância na história do país. Assim, surgiram em cena Zumbi dos Palmares, Dona Beija, Xica da Sila, Aleijadinho e Chico Rei.

 2 – Um enredo e ponto

Desfile do Salgueiro sobre o descobrimento do Brasil.

Foi assim que, em 1963, a história, até então desconhecida, de Xica da Silva ganhou a Presidente Vargas num trabalho assinado sozinho por Arlindo Rodrigues, já que Pamplona estava na Alemanha. Ao contar a história da negra escrava que ascendeu até a corte, o carnavalesco começa a importar uma linguagem teatral com uma narrativa de enredo linear. O modelo de desenvolvimento amarrado ao famoso “início, meio e fim” se disseminou no carnaval.

3  – Exaltando o negro pro mundo inteiro cantar

Imagem do desfile de 1961 sobre Aleijadinho (Foto: jornal O Globo)

Com sua atuação no cenário artístico, Arlindo Rodrigues também importaria para as escolas elementos que seriam responsáveis por teatralizar ainda mais os desfiles, descolando deles a imagem de simples cortejo folclórico para a grande massa. Com isso, alçando divergentes perspectivas, a classe média, que ainda não enxergava o carnaval com bons olhos por puro preconceito, passaria a se interessar pela folia, garantindo sua disseminação. Vale lembrar que foi exatamente na mesma década da atuação de Arlindo no Salgueiro que surgiram as primeiras gravações de samba nos LPs e o primeiro disco de sambas-enredos das escolas, em um momento de consolidação da popularização ainda maior da folia.

4 – O alvorecer dourava a corte em sua realeza

O minueto da Corte da Xica da Silva, desfile do Salgueiro de 1963.
Na busca por um desfile mais teatralizado e menos “folclórico”, que dialogasse com as classes média e artística, um dos elementos que mais marcaria a assinatura de Arlindo seriam as alas coreografadas de Mercedes Baptista, durante a revolução salgueirense. A histórica bailarina negra, parceira do Municipal, marcou os passos do famoso Minueto da “Corte da Xica da Silva”, em 63. No ano seguinte, quando o personagem foi Chico Rei, coreografou a cena que representava a lavagem do cabelo do escravo, de onde saía o ouro que compraria sua alforria, sintetizando a história do monarca brasileiro.

5 – Figurinos à risca

Isabel Valença como Xica da Silva. 

Outro marco desse processo de teatralização foi o novo significado que o artista deu às fantasias. Se antes eram apenas aparatos visuais, que pouco dialogavam com o enredo, elas começaram a simbolizar personagens dos desfiles pautados por uma representação fiel de sua época. Como diz uma máxima famosa no meio teatral, quem data é o figurino, e Arlindo sabia muito bem disso. As vestimentas requintadas do mestre ajudariam a criar personagens dos seus desfiles em meio a corpo de figurantes, com Isabel Valença, destaque histórica do Salgueiro.

6 – Novos materiais

Abertura do desfile de 1981 da Imperatriz apostou nos materiais metálicos. 
Outro marco importante da atuação de Arlindo seria a introdução de materiais alternativos no fazer carnavalesco. Em suas fantasias requintadas, surgiriam novos elementos na festa, dando mais brilho e suntuosidade. Na lista de inovações, estão elementos imprescindíveis hoje em dia como as ráfias, as brilhantes fitas de metaloide e as famosas placas de acetato, usadas aos montes até hoje em qualquer agremiação.

7 – Profissão: carnavalesco

Arlindo no barracão da Imperatriz.
Após fazer história na Academia, Arlindo decidiu seguir no carnaval e, diferentemente de seu amigo Pamplona, que jamais assinou em outra escola, o mestre barroco escreveu seu nome na história de outras agremiações, ajudando muitas delas a crescer. Nesse sentido, ele foi o responsável pelo início da profissionalização da função de carnavalesco. Se no Salgueiro ambos faziam tudo por amor, Arlindo passou a cobrar por sua atuação, tornando-se o carnavalesco mais caro e disputado da década de 70.

8 – Unificação da ala

A barroca Comissão de Frente de 1979 na Mocidade. (Foto: O Globo)
Com um processo de padronização e amarração do desfile, outra inovação pautada por Arlindo foi a unificação das alas. Primeiro, com a criação da ideia de protótipo a ser reproduzido, ou seja, de fantasias-pilotos apresentadas a comunidade e depois replicadas de acordo com seus modelos. Criou-se, assim, uma unidade visual ainda maior e um cuidado direcionado para todos figurinos, proporcionando mais harmonia estética para as alas, que alçaram uma relevância mais profunda na narrativa do desfile.

9 – A paisagem do desfile

Os cabeções carnavalescos de 1981, na Imperatriz. 
Na mesma década de 70, houve um aumento significativo do público do desfile e um projeto de crescimento da festa em muitos sentidos. As grandes arquibancadas metálicas da presidente Antônio Carlos presenciaram a verticalização das escolas de samba. Arlindo foi um dos artistas que mais soube ocupar a nova passagem da Avenida. Diferentes das invenciones espetaculares de João Trinta, Arlindo investia numa ocupação cênica e singela, como os grandes “cabeções” carnavalescos de 81 ou as baianas quituteiras de 80. 

10 – Arabescos, anjinhos e manequins

Alegoria do desfile da Imperatriz de 82 com manequins.
Nessa composição de cena, brilhavam as coloridas decorações de rua, que muita vezes foram assinadas pelo próprio Arlindo. Arabescos brancos, formas redondas tipicamente barrocas, sublimes anjinhos e arlequins também foram elementos comuns aos carros e tripés de Arlindo. Outro dado curioso recorrente na obra do artista é a preferência pelo uso de manequins em suas alegorias, sempre muito bem vestidos e trajados, agregando ao tom solene e requintado de seu cortejo teatralizado.

Arlindo no barracão da Imperatriz em 87.
Por essas e outras que Arlindo Rodrigues pode ser considerado o grande criador da estética contemporânea dos desfiles das escolas de samba, linguagem em uso até hoje e agora retrabalhada e ressignificada por outros relevantes artistas que sucederam-no. O atual carnaval deve, porém, ter sempre como Arlindo seu pioneiro.

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