5x Salgueiro: a negritude em vermelho e branco

Poucas escolas estão tão ligadas a uma linha temática como o Salgueiro e o imaginário negro brasileiro. A conhecida transformação de Pamplona e seu grupo nos anos de 1960 adicionou o “negro” como terceira cor da Academia do Samba. Enredos que abordavam a diáspora africana, que traziam ao público personagens desconhecidos da nossa história e, mais recentemente, sambas-enredos com louvações aos orixás, construíram no público a imagem do morro salgueirense como um verdadeiro Orum em terras cariocas. A construção é tão forte que, mesmo antes da década de transformações, a agremiação já cantava temas ligados a negritude. 

Para exaltar essa união, separamos grandes desfiles salgueirenses de temáticas africanas durantes as mais diferentes décadas. Vem pegar no ganzê com a gente! 
1 – Salgueiro 1957: “Navio Negreiro”
“Acabou-se o navio negreiro, 
não há mais cativeiro…”
Antes da chegada de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, o Salgueiro já era uma escola preocupada em cantar a negritude em seus enredos, bem mais que outras agremiações. Inspirada no clássico poema de Castro Alves, citado no samba, a obra musical retratava as dores e dificuldades da diáspora africana nos fúnebres navios escravocratas. O desfile ainda não tinha uma unidade narrativa entre o samba e o desfile, e apresentava uma versão mais pacificadora da história negra do que contestadora. 

2 – Salgueiro 1960: “Quilombo dos Palmares



“Surgiu nessa história um protetor, 



Zumbi, o divino imperador…”




A dita revolução que colocara o negro em pauta na festa aconteceria três anos mais tarde, quando Fernando Pamplona junto de Arlindo Rodrigues e outros profissionais do Teatro Municipal e da Escola de Belas Artes chegariam, de fato, ao carnaval questionando a história oficial e trazendo à tona personagens poucos conhecidos do grande público, como Zumbi dos Palmares. Com uma estética negra, deixando a capa e a espada de lado, vieram as estampas geométricas inspiradas em filmes de Hollywood da época. A partir daí, Salgueiro e Negritude viraram sinônimos oficialmente.

3 – Salgueiro 1971: “Festa para um Rei Negro”



Nos anais da nossa História, 
Vamos relembrar
 Personagens de outrora 
Que iremos recordar…”

O último grande suspiro da revolução salgueirense do grupo de Pamplona aconteceu onze anos depois. De lá pra cá, chegaram profissionais que mudariam a estética da festa nos anos seguintes. Joãosinho era o rei das alegorias, manejando isopor como ninguém. O inusitado enredo da visita de um rei africano à corte de Maurício de Nassau em Pernambuco era fruto da pesquisa acadêmica de Maria Augusta. E Rosa Magalhães chegava sem nem saber o que era um porta-bandeira e espetando bolinhas de isopor em fornos de fogão alheio (entenda aqui). O icônico desfile contou ainda com uma revolução no samba-enredo, com o lendário “Pega no ganzê”, deixando de lado os “sambas-lençóis” e apostando num ritmo contagiante e refrões “chiclete”.

4 – Salgueiro 1989: “Templo Negro em tempo de Consciência Negra”

“Livre ecoa o grito dessa raça 



E traz na carta 



A chama ardente da abolição…”




Vão-se os grandes carnavalescos, os patronos, o dinheiro e, durante a década de 1980, o Salgueiro patinou com desfiles complicados e enredos que nada lembravam o sopro de revolução de vinte anos atrás. A escola da negritude deixou os 100 anos da abolição passarem em branco e se redimiu um ano depois, com a volta da temática “afro” e de uma posição melhor. Depois de desfiles irreverentes na Caprichosos de Pilares, Luiz Fernando Reis mostrou sua versatilidade ao misturar crítica social e uma homenagem aos grandes desfiles da Academia. O enredo “Templo Negro em tempo de Consciência Negra” atualizou a estética de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues num desfile empolgante com uma bela obra musical. O excelente desfile acabou ofuscado por apresentações antológicas de Beija-Flor e Imperatriz.

5 – Salgueiro 2007: “Candaces”
“Candaces mulheres, guerreiras 
Na luta… justiça e liberdade 
Rainhas soberanas 
Florescendo pra eternidade”

Novamente, após quase duas décadas, a Academia do Samba retornaria com louvor e propriedade aos enredos ligados à africanidade, desta vez na Era Lage. Os carnavalescos, juntamente com o departamento cultural da escola, resgataram a incrível história de uma dinastia africana de rainhas guerreiras, as Candaces. Conhecido pelo estilo modernoso, o casal de carnavalescos mergulhou no barroco e rococó mais ancestral de Arlindo Rodrigues, apresentando um desfile arrebatador e com a força de um samba-enredo antológico e inspirado. Infelizmente, os jurados não viram tantas qualidades assim e a vermelho e branco terminou num incompreensível sétimo lugar, numa das maiores injustiças carnavalescas do século, até então.

“É negritude, Salgueiro”
O imaginário africano é parte de identidade da formação de uma escola que mudou para sempre os desfiles da festa momesca. A convergência entre o “erudito” e o “popular”, a valorização negra e as dores da diáspora africana formam o Salgueiro como uma agremiação histórica. Seja com Xicas da Silvas, exaltando as Bahias, ressoando tambores e louvando sua própria história, a Academia do Samba não recebeu tal alcunha à toa. Nos ensinou muito mais sobre a verdadeira história brasileira e negra do que nossos livros da escola. Axé! 

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