7×1 Carnavalize: enredos que “eletrizaram” o carnaval carioca

 

Texto: Leonardo Antan
Revisão: Luise Campos 
As escolas de sambas são fruto de seu tempo. Na Avenida, vemos o reflexo em fantasias e alegorias das questões que atravessam a sociedade e a cultura daquele momento histórico. Deste modo, muitas enredos estiveram muito conectados diretamente ao seu período e sua época. Um dos resultados disso é que nos anos 2000 foram uma tendência os enredos sobre energia e novas formas de combustível.
O início do novo milênio revelou os medos e incertezas sobre o “futuro” prometido por filmes e obras literárias. Uma questão central no desenvolvimento humano estava em pauta: o possível esgotamento dos combustíveis fósseis e o desenvolvimento de novas alternativas ecológicas. Essa preocupação se mostrou na Sapucaí, justamente em um momento em que as escolas surfavam em enredos patrocinados. Do álcool ao biocombustível, as agremiações se transformaram em verdadeiros outdoors ao repensar os rumos do planeta. 
O curioso é que, no geral, o tema se mostrou pouco carnavalesco, já que poucas foram as agremiações que se deram bem na tentativa. O trocadilho é irresistível: nem sempre os enredos sobre energia eletrizaram a Sapucaí. Por isso, reunimos apresentações com aquele gostinho trash que a gente adora. Com todo gás, vem com a gente. Não deixe de ligar as luzes!
Ilha 2001 – “A União faz a força, com muita energia”
A última alegoria do desfile da tricolor insulana em 2001. Foto: LIESA.
O ano era o emblemático 2001, citado em grandes obras futuristas do cinema, TV e até do carnaval. Em se tratando das preocupações com novas formas de energia, a União da Ilha traduziu essa questão, na ocasião, com o seu “A União faz a força, com muita energia”, que passeou pelas formas de energia, partindo do átomo até a iluminação elétrica, para falar da energia solar, eólica, nuclear e biomassa. 
A intenção da abertura da escola era ousada: fazer uma interação entre a Comissão de Frente o abre-alas acendendo juntos. Mas, ironicamente, as alegorias que falaram sobre a energia não passaram iluminadas, já que a agremiação teve problemas com seu profissional técnico do assunto. Ademais, as fantasias também apostaram em tons escuros que não traduziram muito bem plasticamente o desfile. O samba-enredo agradável não ajudou a escola a se manter no grupo, fazendo a tricolor insulana acabar rebaixada e apontando que a relação entre as escolas de samba e enredos “energéticos” não dariam tão certo. 
Salgueiro 2004 – “A cana que aqui se planta, tudo dá… Até energia! Álcool, o combustível do futuro”
O abre-alas vermelho do Salgueiro ganhou detalhes em verde para evitar polêmicas. Foto: LIESA.

O combustível do futuro? Uma das escolas que se colocou na disputa da narrativa pelo valorização de combustíveis sustentáveis foi o Salgueiro. Em 2004, a Academia contou com o patrocínio generoso de usinas que produziam álcool, uma aposta brasileira como fonte de energia sustentável extraída da cana de açúcar. O desfile, assinado pelos carnavalescos Renato e Márcia Lage, teve a pegada futurista e high-tech que é característica da dupla.
O enredo passeou pela história e a importância da cana de açúcar na cultura brasileira, terminando numa visão de futuro idealizada a partir da exploração do biocombustível e propondo a utópica “Alcoópolis”, uma cidade movida tanto pela alegria quanto pela forma de energia divulgada pelo desfile. Uma curiosidade é que o abre-alas, todo em vermelho, precisou ganhar tons de verdes, já que as bombas do álcool têm essa tonalidade. Visualmente, a escola apresentou a assinatura do casal Lage, com alegorias arrojadas e bonitas, mas não empolgou tanto com um samba-enredo abaixo da expectativa. O desfile terminou em sexto lugar.
Mangueira 2005 – “Mangueira energiza a avenida. O carnaval é pura energia e a energia é o nosso desafio”
Um dos raros momentos em verde-e-rosa do desfile da Estação Primeira. Foto: O Globo.
Logo no ano seguinte, até a tradicional verde e rosa se energizou na primeira década de 2000. A Estação Primeira contou com um polpudo patrocínio da Petrobras que versou na casa de três milhões e meio de reais. Um dos slogans na época da empresa – “Energia é nosso desafio” – foi inserido no título do enredo, que passeou pela história da humanidade e das formas de energias a partir dos vários elementos da natureza. Seu desenvolvimento burocrático apostou em alegorias e fantasias luxuosas, mas que pouco exploraram a tradicional combinação verde e rosa da Velha Manga: apostou-se no uso de branco e negro, o que acabou gerando polêmica. Esse fato, somado ao advento do patrocínio escancarado, acabou contribuindo para que muitos vissem o desfile com maus olhos.  
Em contrapartida a isso, a tradição da escola foi lembrada na Comissão de Frente, comandada por Carlinhos de Jesus, que contou com a participação de baluartes da escola num gigantesco surdo 1 sintetizado num elemento alegórico. Ainda sim, uma pena que a abertura acabou não se comunicando com o resto da escola.  Dessa forma, ironicamente, foi mais um desfile sobre energia que não “brilhou” na Avenida e terminou em sexto lugar. 

Caprichosos de Pilares 2007 – “Com todo o gás, a Caprichosos acende a chama do carnaval”
A abertura da escola de Pilares com entregadores de gás e um enorme gasoduto. Foto: Wigder Frota.
Nem só o Grupo Especial viu surgir enredos sobre formas de energias. A Caprichosos de Pilares havia sido rebaixada no carnaval anterior, após uma longa estadia no grupo principal. A aposta da azul e branco para voltar a “elite” foi um enredo sobre o gás, na  busca de um patrocínio que diminuísse a crise financeira da escola. Segundo o presidente da agremiação, em entrevista ao jornal Extra, a narrativa tentava mostrar uma nova visão: “já que havia feito tanto enredo sobre petróleo, que nós resolvemos sair do lugar-comum e mostrar a importância que o gás já tem nos dias de hoje”. 
O abre-alas representou um grande gasoduto. Depois o enredo fez um passeio pela história brasileira, exaltando Barão de Mauá, o criador da primeira companhia de gás do nosso país. Isso representou uma revolução para o Rio de Janeiro, que passou a ter as suas ruas iluminadas. O encerramento da apresentação abordou o gás natural como forma de combustível para automóveis, se posicionando na briga entre Brasil e Bolívia pela fixação do preço do produto. Mais uma vez, um enredo sobre energia não se traduziu muito bem plasticamente, fazendo a Caprichosos amargar um décimo lugar no Grupo de Acesso daquele ano. 
Grande Rio 2008 – “Do verde de Coari, vem meu gás, Sapucaí!”
O abre-alas da tricolor trouxe a “Grande Explosão”. Foto: Wigder Frota. 
A tricolor de Caxias vinha embalada por dois vice-campeonatos sob a assinatura de Roberto Szaniecki. Na busca de seguir com as boas posições, a escola recebeu um apoio da prefeitura do município Coari, no Amazonas. A narrativa devia divulgar pro mundo o exemplo ecologicamente correto da Refinaria de Urucu, localizada no município amazonense que dá nome ao enredo, para falar assim sobre o gás natural.
Em mais um passeio pela história da humanidade, o enredou saiu da grande explosão e até a extinção dos dinossauros, que originariam os combustíveis fósseis. O passeio por antigas civilizações garantiu um visual luxuoso, como a alegoria que lembrava a iluminação a gás na Europa. Finalmente, a parte conclusiva do desfile chegou a lendas amazônicas e as pesquisas realizadas na localidade que estava no título do enredo. Um dos pontos de contatos com outros desfiles é que Coari também era apontada como uma “cidade do futuro”, reafirmando o despertar do século XXI. Com bons momentos visuais e a garra do município de Caxias, a tricolor acabou acabou conquistando um terceiro lugar na ocasião. 
Viradouro 2009 – “Vira Bahia, pura energia”
A comissão de frente sintetizou o enredo ao trazer uma batalha entre os combustíveis fósseis e ecológicos. Foto: Wigder Frota.
Um pequena confusão marcou o pré-carnaval da Viradouro em 2009. A vermelha e branca vinha de dois carnavais assinados pelo badalado Paulo Barros, que ainda em junho chegou a anunciar um enredo que versaria sobre a Bahia. Mas alguns desentendimentos entre a escola e o artista fizeram romper a parceria num período já posterior à tradicional dança das cadeiras. A escola contratou, então, Milton Cunha, que em tempo recorde desenvolveu “Vira Bahia, pura energia”.
O narrativa se baseou em narrativas afro-brasileiras, abrindo alas com o encontro entre Orun e Ayê. Depois, passeou por imagens clássicas da capital soteropolitana, como o Pelourinho e uma baiana preparando uma caldeirada de dendê. Mas mesmo com o fundo CEP, o enredo deixaria bem claro suas intenções nos versos dedicados ao biocombustível. A nova forma de energia gerada através da cana e de restos de material natural era uma aposta do governo brasileiro como resposta ao recurso fóssil. Não à toa, a questão ecológica foi mais uma vez debatida nas alegorias e fantasias. O cortejo foi embalado por um samba simpático e uma assinatura visual de altos e baixos, que fizeram com que a escola chegasse num singelo oitavo lugar.  
Porto da Pedra 2015 – “Há uma luz que nunca se apaga”
O abre-alas da escola de São Gonçalo em 2015, na Série A. Foto: Alexandre Macieira.
Para quem achou que os enredos sobre energia haviam ficado apenas na primeira década deste século, a Porto da Pedra resolveu resgatar essas narrativas em 2015, quando estava na Série A. Concebido pelo carnavalesco Wagner Gonçalves, o enredo “Há uma luz que nunca se apaga” falou em cinco setores sobre a energia e a luz, viajando pela história, literatura, filosofia, ciências, fé e devoção. 
Assim como outras apresentações, o passeio mencionou ainda as novas formas de produção de energia, o desperdício e o consumo consciente, numa plástica abaixo do esperado, muito claramente pela falta da uma promessa de patrocínio que chegaria e acabou não chegando. A apresentação terminou num grande lugar comum, com o samba-enredo versando clichês sobre energizar e animar a Avenida. A agremiação amargou um décimo primeiro lugar naquele ano. 

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