#SÉRIEDÉCADA: as imagens mais marcantes do carnaval carioca na década

A #SérieDécada traça um panorama de tudo que aconteceu nestes últimos anos A segunda década desse século, iniciada em 2011 e finalizada no carnaval que acabou de terminar em 2020, trouxe muitas reviravoltas e transformações para a folia!
Além disso, vários podcasts especiais surgem de alguns dos textos postados, com nossos comentários em áudio sobre os desfiles, os bastidores das escolhas, e as nossas divergências de opiniões!
Como é impossível fazer uma seleção que agrade não só às leitoras e aos leitores, como também aos integrantes do Carnavalize de forma unânime, cada categoria também contará com menções honrosas que por pouquíssimo não entraram na listagem principal.

Texto: Leonardo Antan.
Revisão: Felipe Tinoco.
Arte e visual: Vítor Melo.

Quem não tem aquela imagem de um desfile que ficou guardada na memória? Como forma de manifestação artística e cultural, o desfile das escolas de samba tem a competência de criar representações visuais que se perpetuam no imaginário popular. Entre tantas alas e alegorias de cada cortejo, alguns símbolos podem ser capazes de sintetizar uma apresentação inteira, estampando várias reportagens e postagens pelas redes sociais. 
Seguindo nosso panorama da última década, separamos algumas imagens que se tornaram símbolo da festa e repercutiram Brasil afora. São marcos que confirmam a pluralidade artística das agremiações e revelam artistas fundamentais que fazem esse espetáculo no suor de barracões e quadras. Tudo isso perpassa uma década marcante não apenas artisticamente; foi nela em que uma enorme reforma na estrutura do Sambódromo foi realizada. O palco da folia perdeu o grande setor de camarotes para ganhar novos setores de arquibancadas do lado par, mudando completamente o espaço cênico da festa, a visualização dos desfiles e influenciando nas criações da década. 
Simbora! A gente só relembra que a lista não é hierárquica. Ela está disposta de forma cronológica.  
Cabeças caindo (Unidos da Tijuca 2011)

Após o antológico desfile de 2010, que sacramentou a parceria entre Paulo Barros e Unidos da Tijuca com um histórico título, a escola buscou reproduzir uma outra abertura de impacto no primeiro ano dessa década. Depois das trocas de roupas mágicas, cabeças literalmente caíram no desfile que falava sobre o medo do cinema. 

Momento em que o efeito era reproduzido na avenida. Foto: AF Rodrigues/Riotur.
Já lembrado aqui na lista de melhores comissões de frente da década, o grupo coreografado por Priscila Mota e Rodrigo Negri, também na nossa lista de personalidades da década, apostou em um truque de fácil execução, mas de grande impacto. Repetindo o sucesso do ano anterior, outra vez o show de abertura se firmou como a imagem mais marcante produzida pela Tijuca e associada a Paulo Barros naquele ano – e no carnaval como um todo. Revela, então, a importância da atuação do carnavalesco das alegorias humanas como um dos grandes criadores da folia nos últimos anos, e da capacidade ímpar de realização do casal (muito mais que) segredo.

Dona Ivone Lara (Império Serrano 2012)

Dama, dona, diva… Figura fundamental do samba e da música brasileira, Dona Ivone Lara ganhou uma justa homenagem da sua escola de coração: o Império Serrano. O desfile revelou uma das apresentações mais marcantes do grupo naquele ano, e na década, como comentamos na lista do Acesso. A primeira compositora mulher a assinar um samba no Grupo Especial desfilou em pleno ano de chegada de suas 90 primaveras na última alegoria da apresentação da verde e branco.

A grande Dona Ivone em um trono especialmente preparado para ela. Foto: Widger Frota.

Sua presença coroou um cortejo para lá de notável da Serrinha, afirmando sua tradição e história por meio de um dos seus nomes fundamentais, tornando tudo ainda mais emocionante. Ao demonstrar como é importante a valorização de nossos artistas ainda em vida, o Império fez o público e os componentes reverenciarem essa verdadeira Rainha do batuque brasileiro. Viva Dona Ivone!

Componentes sem roupa (Unidos de Vila Isabel 2014)

Infelizmente, nem sempre a imagem mais marcante de um carnaval é também a mais feliz. Fato disso é que, apesar de ser um ano com ótimas apresentações, é tarefa difícil falar da folia de 2014 e logo não vir à mente a complexa apresentação da Vila Isabel, um anos após seu título. Com problemas internos, o desfile da azul e branco refletiu todas as dificuldades administrativas que a agremiação passava e trouxe uma imagem triste para o coração dos sambistas: foliões que desfilaram com seus figurinos incompletos. 

Os componentes na concentração da escola, antes do desfile de Vila Isabel: Foto: Saulo Stefano/Agência O Dia/Estadão Conteúdo/VEJA.

Eram os reflexos de conflitos que se arrastavam na produção daquele carnaval desde o ano anterior. Por um período de tempo, o carnavalesco Cid Carvalho chegou a se afastar da preparação do cortejo durante o pré-carnaval. Momentos antes do desfile, a confusão na concentração apontaria para uma apresentação catastrófica. Mesmo após uma longa espera, muitas alas e composições não receberam suas fantasias completas, o que formou alas inteiras que desfilaram de roupas íntimas e macacões de malhas. O mesmo também aconteceu em algumas composições de carros. Apesar de um momento difícil, ficou na memória e até hoje é lembrado. 

Águia redentora (Portela 2015)

A águia vem te abraçar e festejar… Vindo de uma excelente apresentação, diante do seu renascimento após uma complicada fase, a Portela se tornou uma das escolas mais faladas naquele ano de 2015. O segundo ano da azul e branco sob a liderança do vice-presidente Marcos Falcon reafirmou o retorno da Majestade como uma força competitiva na festa e, para isso, foi fundamental a atuação do renomado artista Alexandre Louzada. Adepto do gigantismo e da opulência, o carnavalesco já havia apostado em uma escultura monumental e que encantou a pista no carnaval anterior: “O gigante Acordou”, representando as manifestações populares que ocorreram pelo Brasil em junho de 2013. Com o sucesso da alegoria, Louzada resolveu repetir a fórmula, mas agora no símbolo principal da escola de Madureira. 

Redentora, a águia da década da Portela. Foto: Ricardo Moraes/Reuters.

Para comemorar os 450 anos do Rio de Janeiro, o enredo resolveu contar a história da cidade sob os olhos surreais do artista Salvador Dali. Mergulhando, então, na estética delirante do pintor espanhol, o Dali daqui (Louzada) resolveu misturar o ícone máximo da Portela com o da cidade homenageada e assim surgiu a Águia Redentora. Com 15 metros de altura, a ave de asas abertas ocupou como poucas imagens o novo palco cênico do carnaval, desde 2012 ainda mais agigantado com arquibancadas do dois lados. Para além do valor artístico da escultura, ela ainda comoveu o público ao abaixar sua engrenagem para ultrapassar a antiga torre de TV, em um dos momentos mais emocionantes daquele ano. O sucesso foi tanto que a escultura acabou influenciado na demolição da antiga estrutura de concreto, possibilitando maiores alturas das alegorias. 

Squel careca (Estação Primeira de Mangueira 2016)

Se a Águia Redentora afirmou um gigantismo inevitável, a imagem da folia no ano seguinte precisou de bem menos do que quinze metros para se fixar no imaginário brasileiro. O cortejo, que marcou a estreia de Leandro Vieira como carnavalesco da Mangueira, começou a dar indícios do talento do artista em produzir ícones símbolos de sua apresentação. O enredo falou de Maria Bethânia por meio da sua brasilidade e religiosidade e foi sintetizado por uma grande ousadia no figurino da porta-bandeira Squel Jorgea. 

A deslubrante Squel Jorgea, renascida na Mangueira. Foto: Gabriel Santos/Riotur.

Inspirado na agressão sofrida por uma filha de santo em ato de in’ância religiosa, Leandro escolheu trazer uma bela imagem contra o preconceito na guardiã do pavilhão verde e rosa e se baseou esteticamente na obra do fotógrafo Pierre Verger. A caracterização da dançarina simbolizou uma iaô iniciada no candomblé, com os cabelos raspados e a pintura corporal característica. Apesar da representação convincente que gerou debates durante e após o desfile, descobriu-se que Squel não havia realmente raspado a cabeça, mas feito uma excelente caracterização. O mistério deu ainda mais força ao figurino que se tornou símbolo da homenagem à Bethânia e de um Brasil tolerante. Na transmissão dos desfiles, a frase “Olha a Squel careca!”, seguida de uma série de elogios, repercutiu pelo mundo do samba sob a voz de Milton Cunha. Uma pena que não tenho sido a imagem escolhida para estampar o álbum dos sambas-enredos de 2017.

Vinicius segurando a bandeira da UPM após a queda de Jéssica
(Unidos de Padre Miguel 2017)

Assim como a falta de fantasias da Vila Isabel em 2014, outro momento triste e que se fixou no imaginário carnavalesco está na nossa lista. Na Série A, ocorreu um belo gesto logo após uma das grandes tragédias da folia na década. Vinda de ótimas apresentações na Série A e sempre se firmando na disputa pelo título, a Unidos de Padre Miguel mostrou mais uma vez a força de sua comunidade aliada ao excelente trabalho estético de Edson Pereira no enredo sobre o orixá Ossain. O samba empolgava seus componentes e a escola pulsava, enquanto se via um arrebatador espetáculo visual. Após alguns minutos de desfile, no entanto, a porta-bandeira Jéssica, durante sua apresentação, tropeçou e torceu o joelho. Rapidamente auxiliada pelo apoio da escola e pelo seu mestre-sala, Vinícius, a porta-bandeira se viu fisicamente impedida de continuar o desfile. 

A emocionante atitude do mestre-sala Vinicíus durante a apoteótica apresentação da UPM. Foto: Gabriel Montiero/Riotur.

Em um clima de tensão, Cássia, segunda porta-bandeira da escola, foi levada à frente das alas para se apresentar ao lado de Vinícius. A espera do mestre-sala pela substituição rendeu uma das imagens mais fortes daquele carnaval: sozinho, portou e protegeu seu pavilhão em posição de reverência, sem sua porta-bandeira. À época, o historiador Luiz Antônio Simas lembrou que, em alguns poemas de Ifá, Ossain é o orixá que tem apenas uma perna. Coincidência?

Aladdin voador 
(Mocidade Independente de Padre Miguel 2017)

Assinalando a importância das comissões de frente nessa década, outro momento memorável também surgiu de um dos grupos de abertura. Dessa vez, na apresentação campeã de páscoa da Mocidade Independente de Padre Miguel. Os bailarinos coreografados por Saulo Finelon e Jorge Teixeira trouxeram uma interessante proposta ao evocar o imaginário das mil e uma noites propostas pelo enredo de Alexandre Louzada sobre o Marrocos. 

O Aladdin voando diante da arquibancada e dos estandes do Bob’s. Foto Cezar Loureiro.

A comissão trouxe uma bem executada coreografia que evocou encantadores de serpentes e dançarinas do ventre. A encenação contou com vários momentos distintos. O mais marcantes deles, porém, foi a fuga de Aladdin em meios aos beduínos que protegiam tesouros escondidos. Após deslizar na pista com um skate elétrico personalizado, ele entrava no elemento cenográfico, que simulava uma tenda, e de lá saia um aeromodelo com a personagem em seu tapete voador, dando a impressão que o Aladdin sobrevoava a Avenida. O efeito deixou todo mundo de boca aberta e ajudou a verde e branco no retorno aos seus momentos gloriosos.

Vampirão (Paraíso do Tuiuti 2018)

Saindo do início marcante para um final apoteótico, é da última alegoria que surge o icônico símbolo que coroou o desfile do Paraíso da Tuitui em 2018, no enredo sobre a escravidão. Apesar de uma comissão de frente também emblemática, foi um destaque representando o então presidente Michel Temer que se fixou no imaginário da apresentação. Ela foi recheada de uma pegada crítica que repercutiu mundialmente. 

O vampirão do Tuiuti com o esplendor em notas de dinheiro. Foto: Mídia Ninja.
A fantasia, usada por Leonardo Morais, assistente do carnavalesco Jack Vasconcelos, representava um vampiro com uma faixa presidencial brasileira. Era o destaque principal da alegoria “Neotumbeiro”, que mostrava formas de explorações de trabalhos atuais, balizadas pelo governo neoliberal do então presidente. A imagem se tornou marco absoluto, estampando jornais e postagens na internet, sendo ainda recriada até internacionalmente. A repercussão gerou tanta polêmica que o adereço verde e amarelo da fantasia (a faixa) não foi utilizada no glorioso retorno da vice azul e amarela no desfiles do Sábado das Campeãs. O tiro saiu pela culatra e a ausência da faixa causou ainda mais repercussão, firmando o figurino como o marco do retorno dos enredos críticos ao carnaval. 
Bandeira do Brasil (Estação Primeira de Mangueira 2019)

Afirmado sua capacidade de criar imagens símbolos para suas apresentações, Leandro Vieira seguiu produzindo momentos emblemáticos nos anos seguintes, afirmando que a força da “Squel Careca” não tinha sido fruto do acaso. Em 2017, veio a segunda porta-bandeira da escola como Nossa Senhora Aparecida e o tripé Cristo-Oxalá. No ano seguinte, um Crivella vestido de Judas cantando “Pega no ganzê”. Após tantas criações e embalado por uma obra musical rara na história das escolas de sambas, a missão parecia difícil no enredo que falava da história de heróis que os livros clássicos apagaram. Leandro, entretanto, conseguiu superar sua capacidade artística.

Índios, negros e pobres no monumental campeonato mangueirense de 2019. Foto: Richard Santos/Riotur.

Diante de um momento em que a bandeira nacional é cooptada narrativamente por grupos definidos como “patriotas” e moralistas, símbolo de uma história oficial e sangrenta, o carnavalesco reimaginou nossa maior símbolo pátrio. Saiu o amarelo na clássica combinação e entrou o rosa mangueirense. O espaço da frase positivista “ordem e progresso” foi preenchido com uma homenagem a “negros, pobres e índios”. Símbolo de um Brasil possível, da voz dos excluídos, o enorme bandeirão foi desfraldado ao final do cortejo por políticos e figuras públicas da maior importância, ajudando essa imagem a se tornar símbolo do histórico campeonato mangueirense daquele ano. Repercutindo por todo mundo, pode-se afirmar que a criação se tornou uma das mais importantes expressões artísticas realizadas no último ano pelo Brasil inteiro e não só no carnaval. 

Baianas sem roupa (Império Serrano 2020)

Para encerrar a lista, outro episódio fruto de intensa tristeza para a memória dos sambistas. Vindo de apresentações já problemáticas e que escancaravam fortes problemas de gestão, o Império Serrano viveu mais um dos tristes capítulos da sua história nesse ano. Em um enredo sobre a força feminina, as grandes matriarcas da verde e branca desfilaram sem as saias características de um ala das baianas, logo no início da apresentação.

As aguerridas baianas sem saia desfilando pelo Império Serrano. Foto: Diego Martins/AF O Globo.

Mesmo sem o figurino completo, as senhoras rodopiaram na Avenida emocionando o público. Mostraram que os problemas administrativos não diminuem o tamanho do glorioso Reizinho de Madureira, personificado na vida de seus torcedores e componentes mais ilustres. Viva elas!

Menções honrosas
Na difícil missão de listar apenas dez itens, sempre sobram algumas opções que por pouco não figuraram entre o Top 10. Por isso, deixamos as tradicionais menções honrosas da série, com outras imagens que se fixaram no inconsciente coletivo de quem acompanha os desfiles nos últimos dez anos. 
Roberto Carlos na Sapucaí (Beija-Flor 2011)

A escultura do Índio batendo na torre (Estação Primeira de Mangueira 2014)

O tripé de Cristo-Oxalá (Estação Primeira de Mangueira 2017)

Cacique Raoni na Sapucaí (Imperatriz Leopoldinense 2017)

Alegoria de Mariana (Portela 2017)

Paulo Barros com a faixa de “gratidão” (Unidos do Viradouro 2019)

Alegoria do Cristo Negro (Estação Primeira de Mangueira 2020)

E aí, o que achou da lista? Mudaria alguma coisa, incluiria ou tiraria algum samba? E qual seria a sua lista dos sambas mais marcantes da década no carnaval de São Paulo? Conte pra gente!

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