Por Leonardo Antan
Nascido em 10/01/1904, Lamartine de Azeredo Babo viu sua vida se cruzar com o carnaval diversas vezes. Foi um maiores músicos brasileiros quando o assunto é a folia e quando virou enredo de escola de samba, deu um título marcante para a Imperatriz Leopoldinense em 1981, com um samba que será reeditado agora em 2020.
“Com serpentinas enrolando foliões, dominós e colombinas envolvendo corações”
Nas primeiras décadas do século XX, o rádio era o principal meio de comunicação e ajudou a definir a cultura nacional, encontrando na música popular um expoente fundamental. Nas ondas do som, surgiram artistas fundamentais da nossa história: Lamartine foi um deles!
Sua atuação no Carnaval foi decisiva no momento em que a folia se definia como a grande festa da identidade nacional. O modernismo fez da festa nosso maior patrimônio. Lamartine transformou essa alegria em músicas que explodiram nos dias comandados por momos. Ao lado de João de Barros, Lalá ajudou a criar o que conhecemos como marcha-carnavalesca, que já tinha expoentes como Sinhô e Eduardo Souto, figura que o introduziu nesse universo. As músicas de carnaval eram vitais no contexto do rádio e se tornavam sucessos de rádio e público!
As letras criadas por Lamartine captaram muito bem as necessidades rítmicas (samba ou marcha carnavalesca), melódicas (simples e fáceis de memorizar) e temáticas (muito humor, paródias, crítica do cotidiano) exigidas pela rede formada pela indústria fonográfica e radiofônica. Uma das mais conhecidas é “O Teu Cabelo Não Nega”, hit da folia de 1932, que após o sucesso de outrora provoca diversas discussões entre o movimento negro. Com frases explicitamente racistas, os versos revelam bem como o preconceito era naturalizado naquela época. O que hoje seria inaceitável.
Mas se de folia vivia Lalá, em 1931, em parceria com Ary Barroso, lançou o samba-canção (ou samba de meio de ano) “No Rancho Fundo”. Após ser por Elisa Coelho e por Sílvio Caldas em 1939, tornou-se um grande clássico da música popular brasileira.
“Eu vou me embora, vou no Trem da alegria, ser feliz um dia”
Um trecho famoso do samba-enredo foi traduzido brilhantemente pelo Arlindo Rodrigues em gigantesca locomotiva colorida que soltava fumaça em plena Avenida. A referência é ao programa Trem da Alegria, programa da rádio Mayrink Veiga, criado por Lamartine nos anos de 1940. Foi neste programa, comandado por Heber de Boscoli, que surgiu um desafio para Lalá: compor um hino por semana para clubes de futebol do Rio. Com isso, no final da década de 1940, todos os 11 times que disputavam o Campeonato Carioca já tinham os seus hinos, em um enorme sucesso!
Sem pretensões extras, ele compôs uma marchinha para o Fla no carnaval de 1945, que acabou virando o hino informal do time, usado até hoje. Assim surgiram os hinos para Vasco, Fluminense, Botafogo, América, Bangu, Madureira, Olaria, Bonsucesso, Canto do Rio e São Cristóvão!
O compositor torcia pelo América, e por isso dizem que o hino do clube é o mais belo de todos os compostos pelo artista. Fato curioso é que em 1960, ele festejou o título do Estadual vestido de diabo, desfilando em carro aberto com a fantasia. Foi a última vez que a equipe venceu o torneio.
“Nossa escola se encanta, o povo se agiganta”
O desfile de 1981 foi o segundo título assinado por Arlindo na Imperatriz e o primeiro solo da escola, quando Arlindo faturou seu tri, iniciado em 79 na Mocidade. Em 80, levou Ramos ao pódio com “O que é que a Bahia tem?”, em um campeonato dividido com Portela e Beija-Flor.
O casamento com Arlindo consagrou a Imperatriz como uma das penetras que invadiu a hegemonia entre Império, Portela, Manga e Sal, as 4 grandes. Um dos trunfos da escola era a apadrinhamento de bicheiros. Na Gresil, entrou em cena Luizinho Pacheco Drummond, até hoje na agremiação.
A boa fase financeira foi benéfica para a chega de Arlindo Rodrigues, que se consagrava com um dos maiores artistas dos desfiles, marcando seu legado em meios às transformações que aconteciam no visual do carnaval. O casamento marcou a escola como barroca, requintada e histórica. Arlindo tinha um estilo barroco e propunha uma estética opulenta e grandiosa. Mas, em 81, com leveza e cores alegres, mostrou que sabia adaptar seu estilo ao enredo proposto. Ícones do carnaval exaltados por Lalá, pierrôs, arlequins e colombinas desfilaram em marcantes tripés.
Arlindo dividiu o enredo com placas e tripés com escritos relativos à trajetória de Lamartine. Isso reforçou a coerência com a qual o enredo era montado e ainda equilibrou uma divisão cromática que variava do verde e branco da escola ao colorido presente na vida do compositor. Também não faltaram as citações ao futebol e aos hinos dos clubes do Rio de Janeiro, outras famosas composições de Lamartine. Uma enorme ala com bandeiras de América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco deu o tom da alegria.
A arquibancada cantou o tempo todo com a Imperatriz, até porque o samba-enredo era curto e empolgante. Composição de Gibi, Serjão e Zé Katimba, um dos maiores compositores do carnaval carioca. Em 1972, sua obra Martin Cererê já havia sido sucesso nacional na novela Bandeira 2.
Umas das presenças ilustres do desfile foi de As Frenéticas. As rainhas da discoteca brasileiro tinham lançado no ano anterior o álbum Babando Lamartine, em homenagem ao compositor. O grupo desfilou em uma das alegorias da escola.
A bateria da Rainha de Ramos, como já vinha sendo hábito, sustentou com categoria o ritmo e num andamento impecável. A Imperatriz deixou a pista favorita ao bicampeonato, com gritos de “já ganhou” vindos do público, que não arredava pé mesmo com o sol fortíssimo. A escola recebeu o principal prêmio do Estandarte de Ouro de “Comunicação com o público”, já que na época ainda não havia a categoria de Melhor Escola.
Quem dera que a vida fosse assim… Canta, sambar e nunca mais ter fim…
Em 2000, Lalá e Imperatriz se reencontraram no enredo de Rosa Magalhães sobre o Descobrimento do Brasil, nomeado com uma marchinha do compositor: “Quem descobriu o Brasil, foi seu Cabral, no dia 22 de abril, dois meses depois do carnaval”. Ele virou uma escultura no último carro!
Para 2020, a Imperatriz Leopoldinense irá reeditar o samba-enredo em homenagem ao artista. O desfile será assinado por Leandro Vieira, bicampeão do carnaval carioca pela Mangueira e um dos artistas mais badalados dos últimos anos. A apresentação promete resgatar o orgulho e a força do torcedor gresilense que irá desfilar na Série A, colocando fim a uma sequência de quarenta anos da verde e branco no Grupo Especial. O seu último rebaixamento havia sido em 1977.
A escolha pela reedição de uma apresentação assinada por Arlindo não foi à toa. Em debate promovido pelo Carnavalize em homenagem a Arlindo, Leandro Vieira esteve presente e falou de como o estilo do artista é uma das referências do seu trabalho. A proposta de Leandro Vieira é misturar seu estilo a um carnaval leve e colorido, mas sem perder o rigor estético que é marca do seu trabalho. Um dos grandes momentos do desfile promete ser o último setor, que trará os times de futebol, com fantasias que já repercutiram na internet.
A Rainha de Ramos será a quinta a se apresentar no sábado de Carnaval! “Quem dera, que a vida fosse assim… Cantar, sambar, e nunca mais ter fim!”