Somos definidos por nossas características individuais e por nossas peculiaridades, que nos tornam únicos no mundo. Com as escolas de samba, não é diferente. Desde a sua criação, trilharam caminhos que as configuraram e deram-nas particularidades que podemos observar atualmente. Por isso, o Carnavalize estreia a série que mostrará a construção da identidade de cada uma de nossas agremiações. Toda essa identidade é construída durante as histórias delas, não é algo fixo e imutável, mas em constante transformação. Afinal, o que constitui uma escola de samba? São seus desfiles, seus componentes – ou tudo isso junto?
Carnavalescos, presidentes, patronos, compositores, baianas, mestres de baterias, intérpretes, cada um dá sua personalidade e ajuda na formação de cada agremiação. Acreditando que nossas escolas de sambas são únicas e produtos da rica cultura nacional, vamos percorrer os caminhos e trilhos que a moldaram, iniciando essa série que propõe um raio x da história de cada agremiação, definindo os fatores decisivos que a fizeram ganhar sua identidade própria. E pra começar, vamos mergulhar na pompa da Rainha de Ramos. Sendo assim, venham pegar esse trem, amor!
O sonho de ser feliz vem do povo de Ramos desde 1959, ano em que a Imperatriz Leopoldinense foi fundada, a partir de uma outra agremiação que acabou enrolando a bandeira: a Recreio de Ramos. Os sambistas que sobraram da co-irmã extinta se juntaram aos colegas do bairro e fundaram, pela figura de Amaury Jório – e participação de Zé Katimba, nome de peso entre os bambas, a escola com o nome da Imperatriz da Independência do Brasil. A Rainha de Ramos, como ficou conhecida, foi pioneira em muitos aspectos, inclusive na fundação, ocorrida na segunda metade da década de 60, de um setor responsável pelos desfiles e para atividades culturais que seriam fornecidas aos integrantes: o Departamento Cultural e de Carnaval, uma espécie de comissão, como conhecemos atualmente, com uma atuação não limitada integralmente à Avenida.
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Desfile da Imperatriz em 1971. |
A escola desenvolveu-se, obtendo bons resultados em seus primeiros anos de vida. Após uma rápida passagem pelo grupo especial em 1967, a permanência definitiva da escola na elite do carnaval se deu a partir de 1969, onde permaneceu até 1977. Dos enredos, chamam atenção o de 1964, em que, contraditoriamente, homenageou a rival histórica da Imperatriz que lhe batiza, a Marquesa de Santos, amante de Pedro I, no enredo “A Favorita do Imperador”. Depois, com a atuação do departamento cultural surgiram enredos literários e nacionalistas, extraídos de livros modernistas como “Macunaíma”. O mais marcantes deles foi o de 1972, “Martim Cererê” da obra de Cassiano Ricardo. Com um samba assinado por Zé Katimba, que se tornou clássico da massa e virou trilha de novela, terminou num honroso quarto lugar, rompendo a barreira das quatro grandes à época (Mangueira, Salgueiro, Portela e Império Serrano), que sempre se revezavam nas primeiras posições. A chegada de Luizinho Drumond, patrono da escola, no fim da década de 70, no entanto, fez com que novos e melhores ares soprassem pelas ruas de Ramos depois do último rebaixamento; em 1978, a escola foi vice-campeã e mais uma vez retornou ao Grupo 1. Em 1979, conquistou um 7º lugar com o desfile de um dos seus mais belos sambas: “Oxumarê, a lenda do arco-íris”.
O carnaval de 1980 marcaria uma virada pra sempre na história da Imperatriz e do carnaval como um todo. Depois dos títulos das irmãs, Beija Flor e Mocidade, a monarca da Leopoldina seria a terceira agremiação “novata” a romper a hegemonia das antigas grandes. Para isso, contou com o talento de Arlindo Rodrigues, que encontrou em Ramos sua parceira perfeita nas avenidas da vida. Após o título de Padre Miguel, o artista do Teatro Municipal desembarcou em Ramos contando o que a Bahia tinha. O desfile mergulhou no estilo barroco e elegante de Arlindo, dando a identidade que a Imperatriz carregava no nome. O título veio, mas com sabor agridoce, já que naquele ano três escolas dividiram o título e mais três, o vice campeonato.
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As marcantes baianas giratórias de 1980. |
No ano seguinte, a aposta foi numa narrativa sobre o compositor Lamartine Babô, com mais um samba inesquecível de Zé Katimba. O desfile reforçou a beleza do ano anterior. Momentos marcantes como as cabeças de palhaços e figuras carnavalescas entraram pro rol das grandes imagens da folia. No ano seguinte, Arlindo revisitou seus enredos “afro” no Salgueiro, promovendo o reencontro de Xica da Silva com o rei da Costa do Marfim, em Diamantina. Mais uma vez, a verde e branco aliou o requinte do carnavalesco mais barroco da nossa festa com um ar soberbo e cheio de pompa.
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Imagem marcante da apresentação de 1981 (Foto: O Globo) |
Anos mais tarde, o terceiro título da escola de Ramos também entraria pra história, firmando no imaginário o ar elegante de enredos históricos na agremiação. Max Lopes fez sua estreia, após brilhar na Mangueira e Vila Isabel, com um enredo inesquecível sobre os 100 anos da proclamação da República. O samba de Jurandir, Niltinho Tristeza, Preto Jóia e Vicentinho se tornou uma lenda e um dos mais conhecidos da festa, ajudando a garantir um campeonato em cima do antológico “Ratos e Urubus”. Na disputa entre o oficial e o oficioso, Imperatriz se deu melhor, firmando sua visão conciliadora e didática da história brasileira. Tudo isso após um 1988 desastroso, em que a agremiação amargou um último lugar num desfile leve e debochado sobre as piadas, assinado pelo rei da crítica carnavalesca, Luiz Fernando Reis, que vinha da Caprichosos de Pilares. A queda e ascensão de uma Isabel “que fingiu nos libertar” para “a heroína, que assinou a lei divina” ajudou a marcar no imaginário a personalidade da Imperatriz do samba.
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A proclamação da República e a história brasileira em cena em 1989. |
Pulando algumas páginas desse livro, a chegada de uma Rosa transformaria pra sempre a trajetória da verde e branco. Então carnavalesca em ascensão, Rosa Magalhães, apesar do título em 82, oscilava entre bons e medianos resultados. Mas sua chegada na Imperatriz em 92 marcaria toda uma geração de torcedores e a formação de um novo legado da escola. Herdeira de Arlindo e Pamplona, a deusa da folia mostrou sua cara entre índios, nobres, jegues e marqueses.
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A abertura imponente da apresentação de 1994 (Foto Tantos Carnavais) |
Aliando seu estilo de fábula com uma pitada de História e causos curiosos, ela aliou seu bom gosto a uma narrativa visual apurada, marcando de vez uma identidade Leopoldinense. Foram cinco títulos do frutífero casamento entre Rosa e Imperatriz, o maior da história da folia até hoje, tanto em títulos quanto em duração; foram 18 desfiles onde Emílias dançaram com canibais e Cabrais, entre Marias e João. É verdade que bacalhaus e mosqueteiros existiram, mas ficaram na memória, também, encontros de Tupinambás e tabajaras e jegues esquecidos na história. Uma verdade aula de monarquia, brasilidade e samba da professora.
“Mais cinco vezes o ‘É o campeão!’ na Leopoldina ecoou”
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Zé Katimba é um dos mais importantes baluartes da escola. |
Não só pelos grandes artistas e desfilas que passaram por Ramos, a escola também possui sambas, que também fizeram história ao narrar a nossa História. Com autores gabaritados como Zé Katimba, Jurandir, Marquinhos Lessa, Me leva, entre outros; a verde e branco é dona de uma das discografias mais ricas e queridas da história carnavalesca. Sambas que souberam traduzir com lirismo e requinte as narrativas contadas na avenida. Dona de seis estandartes de ouro no quesito musical, a voz de intérpretes como Dominguinhos do Estácio, Preto Jóia e Paulinho Mocidade ajudaram a eternizar clássicos. No batuque da bateria, a característica marcante de seus tambores veio do talento da batuta de Mestre Beto, que permaneceu mais de vinte e cinco anos a frente dos ritmistas. Posteriormente, Marcone, Noca e, atualmente, Lolo dão o tom na Swing da Leopoldina. Na frente dos ritmistas, Luiza Brunet com seu carisma reafirmou seu estilo elegante ao sabor da agremiação em duas passagens marcantes.
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Maria Helena e Chiquinho reinaram 20 anos na Imperatriz. |
Batizada como a “Certinha de Ramos”, outros fatores foram decisivos para moldar a personalidade da Imperatriz Leopoldinense. Personalidades marcantes que encantaram o público com seus talentos e O inesquecível bailado de Maria Helena, porta-bandeira da Imperatriz desde 1983, junto a seu filho, Chiquinho, que juntou-se à mãe a partir de 1985 foram alguns desses. Os dois – Maria e seu filho – encantaram a Sapucaí por 20 anos como o primeira casal que conduzia o pavilhão da agremiação, relação eterna, mas que foi encerrada no carnaval de 2005. Os dois viraram música de Jorge Ben Jor e foram considerados por muitos um dos melhores casais que já passaram pela Marquês de Sapucaí.
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As comissões assinadas por Fábio de Mello fizeram história. |
No quesito Comissão de Frente, a Rainha de Ramos fez história com a figura de Fábio de Mello, coreógrafo da escola de 1992 a 2007, com retorno em 2015, que marcou o nosso imaginário com os carnavais campeões (e mesmo com os que não foram) de Rosa Magalhães. Não há quem não se lembre dos leques do carnaval de 1994 ou dos guarda-sóis do desfile campeão de 1995. Ainda na memória, estão o piano do enredo de 1997, sobre Chiquinha Gonzaga, as caravelas do título de 2000 e o bicho-papão da Comissão de Frente do ano de 2002. Verdadeiros colírios e delírios para os nossos olhos de foliões.
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O enredo sobre Zico em 2014 marcou uma tentativa de ser mais popular. |
Com a ajuda de seu patrono, a Imperatriz se firmou como uma escola organizada. Figuras como Wagner de Araújo ajudaram a moldar a fama de “certinho” com apresentações que seguiam a risco as exigências dos jurados, em desfile que não prezavam pela emoção mas pela boa execução dos quesitos. A harmonia de Ricardo Fernandes ajudou a estabelecer as tendências de fileiras nas alas da escola e um ritmo constante numa evolução impecável. Modelo de gestão e excelência técnica que moldou, e molda, os carnavais seguintes. Mas não deixou de gerar protestos e controvérsias em resultados contestados até hoje.
“O meu sonho de ser feliz… Vem de lá, sou Imperatriz”
Com o nome da Imperatriz austríaca Leopoldina, a coroa como símbolo e o branco, verde e ouro de sua bandeira, a agremiação da zona norte se tornou a mais monarca e pomposa das escolas cariocas. Aliando narrativas históricas com os estilos barrocos de Arlindo e Rosa com a supremacia de seus quesitos, fez da GRESIL um das mais importantes das nossas escolas.
Leia mais da coluna “Minha Identidade”, saiba mais sobre a história que formou a personalidade da Beija-Flor e da Mocidade.