Carnavalizadores de Primeira: O samba de pé de passistas históricas

por Leonardo Antan e Beatriz Freire.

As alas de passistas do carnaval são a representação do verdadeiro samba no pé. O papel dessas componentes vai muito além da imagem vendida de mulatas com biquínis pequenos e corpos bonitos, que movimentam suas pernas e quadris ao longo da melodia. Atrás de sorrisos, requebrados e muito samba, há, sobretudo, histórias de mulheres fortes, independentes, donas de suas próprias escolhas, de diferentes jeitos, que amam suas escolas e são exemplos de força, superação, coragem e pioneirismo.
Hoje, em uma matéria pra lá de especial e no clima do Prêmio Passista Samba no Pé, o Carnavalize convida a conhecer as histórias de dez grandes, inesquecíveis e fortes mulheres que gravaram seus nomes em nossas memórias e corações, riscando o chão da Avenida. 

Maria Lata D’Água

Lá vai Maria! Um das primeiras passistas a fazer sucesso nacional, se tornando símbolo da folia carioca, a Maria Mercedes ficou conhecida por se requebrar equilibrando uma grande lata d’água. Nascida em Diamantina (MG), foi morar no Rio de Janeiro antes de completar 13 anos. Começou a se apresentar em circo e boates, fazendo show com outros artistas. No carnaval, ela começou sua trajetória no Salgueiro, mas não a permitiram sambar equilibrando a lata. O visual característico só encantou a passarela em sua estreia na Portela. Foram 45 anos de desfiles, com passagem por inúmeras escolas, entre elas Salgueiro, Portela, Estácio de Sá, Mocidade e Beija-Flor. A mulata começou a fazer sucesso na década de 1950, quando passou a frequentar o programa do Chacrinha e fazer shows na Rádio Nacional, onde ganhou a marchinha em sua homenagem composta por Luís Antonio e Jota Júnior, imortalizada pela cantora Marlene. Hoje, com 83 anos, a eterna passista se converteu à religião católica e lançou uma autobiografia contando sua história. 

Paula do Salgueiro

Responsável pelo surgimento do termo passista, os requebros sedutores de Paula da Silva Campos conquistaram todo o Brasil de maneira tão avassaladora que se tornou necessário um nome para batizar a dança da mulata salgueirense. A forma de Paula de dançar era tão característica e envolvente, que os jornalistas inicialmente passaram a chamá-la de malabarista. Até surgir o nome “passista”, que daria nome aos dançarinos do samba. Paula desfilou na escola que a batizou para o mundo desde o primeiro ano da vermelho e branco, em 1954. Mas foi em Niterói, na década de 40, que ela iniciou sua carreira na pequena “Combinado do Amor”. Empregada doméstica, Paula encontrou no carnaval uma nova forma de sustento, passou a ser figurante no teatro e virou dançarina de companhias como a de Mercedes Baptista, com quem viajou o mundo. Atravessou a avenida até o final da década de 1980, quando participou da fundação da Tradição.

Pinah

Mineira, Pinah mudou-se de Muriaé para o Rio de Janeiro com os pais aos dois anos de idade. Tempos depois, a modelo e contadora foi apresentada ao mundo do samba. Foi no Salgueiro da década de 70 que Pinah conheceu Joãosinho Trinta, de quem virou amiga. Por lá viu os títulos de 74 e 75 e permaneceu por mais um ano, até 76, sua despedida, quando finalmente aceitou o convite do amigo Joãosinho para ir para a Beija-Flor de Nilópolis. Onde colocou seu nome na história, em 78, quando participava de um festejo com a escola nilopolitana para mais de 400 convidados no Rio de Janeiro e ficou mundialmente conhecida por ter dançado com Príncipe Charles, que estava de visita na cidade; o protocolo não permitia a aproximação ao Príncipe e por isso a Cinderela Negra, como ficou conhecida, jura que apenas no dia seguinte descobriu quem era o homem pela proporção que a cena tomou. Em 1983, foi homenageada ao lado de outros grandes artistas negros pela azul-e-branca de Nilópolis, ganhando versos do samba com seu nome. O ano de 1989 marcou a despedida de Pinah da Avenida, no histórico desfile “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia”. Apesar de morar em São Paulo, até hoje ela desfila pela escola com a camisa da diretoria. Mesmo não tendo sido propriamente uma passista mas, sim, um destaque de chão e posteriormente de alegorias, Pinah marcou seu nome na história do carnaval e em muitos corações através de seu samba no pé.

Narcisa da Salgueiro

Na Academia do Samba, outra bela cabrocha fez história com sua ginga encantadora. Nascida praticamente dentro da quadra do Salgueiro, Narcisa frequentava os ensaios da escola desde nova pois sua mãe tinha uma barraquinha que vendias quitutes no “terreiro”, como se chamava quadra naquela época. Em 1954, primeiro desfile da Academia, a menina não ficava quieta nos braços da mãe, que cansada, a colocou no chão. Com apenas 5 anos, Narcisa mostrou que o samba estava no seu sangue e deu um verdadeiro show. Na década seguinte, estreou aos dez anos no extinto posto de Mascote de bateria, uma prévia do que seria as rainhas de agora. Protagonizou um episódio histórico, em 1969, quando perdeu as sandálias e sambou descalça no asfalto sob o sol quente. Foi no antológico “Bahia de Todos os Deus” e seus pés ficaram em carne viva depois do desfile. Narcisa se apresentou como passista no Salgueiro até a década de 80 e hoje é ela quem tem um quiosque na quadra da Academia. 

Gigi da Mangueira

Regina Helena Esberard, carinhosamente apelidada de Gigi, sempre foi moradora de Ipanema, era a menina dos olhos verdes e da pele branca; o típico retrato da Zona Sul carioca. Mas Gigi trocava Ipanema pela Estação Primeira de Mangueira em ensaios e desfiles. Ganhava outro formato com o fervoroso requebro de seus quadris e, assim, estreou na escola aos 16 anos incompletos em 1961. Sua dedicação e amor à Mangueira fez com que ela não desfilasse apenas no ano de 1968, pelo nascimento de seu segundo filho. Mesmo no ano anterior, em seu primeiro parto, desfilou 15 dias após o nascimento do filho Rubem. Em 1983, Gigi despediu-se dos desfiles antes mesmo de pisar na Sapucaí, que seria construída no ano seguinte, mas eternizou seu nome no chão sagrado da verde-e-rosa e seguiu a vida para cuidar de uma linha de confecções. 

Adele Fátima

Adele, filha de um alemão com uma carioca, nasceu e foi criada na Urca, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Conhecida como garota-propaganda da Sardinha 88 na década de 70, Adele também participou do histórico show de mulatas de Oswaldo Sargentelli e fez sucesso. Adele ficou conhecida no mundo do samba na Mocidade Independente de Padre Miguel, onde começou, em 1974. Sete anos depois, foi ela a mulata que inspirou Oscar Niemeyer com suas curvas desfilando à frente da bateria Independente. Foi considerada por muitos a primeira rainha de bateria da Sapucaí, contrariando algumas versões que conferem o título à Monique Evans, sua sucessora. A mulata continuou na escola ainda em 1982, quando desfilou grávida de 6 meses, em 1983 e se despediu em 1984.

Nega Pelé

Marisa Marcelino de Almeida é cria de Olaria, na zona da Leopoldina, chegou a sair na Lins Imperial, mas foi em Oswaldo Cruz e Madureira que ela ficou famosa pelo seu gingado. No final dos anos 60, ela já seduzia malandros na histórica festa de Nossa Senhora da Penha. Com um jeito de sambar único, que envolviam muitos truques e piruetas, ela ganhou o apelido em referência ao rei do futebol pelo desenho com as pernas parecido que ela fazia com o jogador na hora de sambar. Na década de 70, quando Marisa se tornou Nega Pelé, sua fama a levou para Europa. Atualmente, o grande passista Valci Pelé, coordenador da aula da Majestade do Samba, carrega o apelido em homenagem a Marisa, por ter sido descoberto por ela anos atrás. 

Nãnãna da Mangueira

Nãnãna é nome conhecido no mundo do samba. Mãe de Vânia, Rose e Ivo Meirelles, é representante feminina nos microfones das rodas de samba e shows; o gosto pela música sempre existiu e está presente até hoje em uma brilhante carreira. Seus pés que já riscaram a Avenida mostram, porém, o outro lado da sambista: uma passista de mão cheia. O “da Mangueira” é, claramente, adquirido do lugar de onde veio; em 1958, estreou como passista pela verde-e-rosa e em 1973 reinou à frente da bateria da Mocidade Alegre, em São Paulo, lançando moda ao desfilar sambando e tocando tamborim ao mesmo tempo. Nãnãna mostrou e ainda mostra, felizmente, as várias faces de uma mulher de sucesso e que faz jus ao carinhoso apelido de “Dama do Samba”, seja cantando, compondo, ou dizendo no pé com seu gingado. 

Soninha Capeta

Cria da Beija-Flor , Sônia Maria Regina da Silva ganhou o Capeta no nome pela forma acelerada que sambava. Mexendo os quadris de formas tão rápida que pareciam um verdadeiro liquidificador. Moradora de Nilópolis, a mulata reinou a frente da bateria da Beija-Flor por quase duas décadas e agradece a tudo que conquistou graças a grande “família” que é a escola de Nilópolis. Dona de uma história forte de superação, Soninha já passou dificuldades e chegou a morar na rua durante um tempo. Perdeu o filho cedo, quando ela tinha 21 anos. Deixou o posto de Rainha de Bateria em 2003, após uma longa trajetória para dar lugar a Raíssa, mas segue desfilando na Deusa da Passarela como destaque. 

Nilce Fran

Falar em samba no pé é falar em passistas. E falar em passistas, principalmente nos últimos anos, é falar em Nilce Fran. Portelense desde os 10 anos de idade, já foi porta-bandeira mirim, passista mirim e chegou ao almejado posto de rainha de bateria. Hoje, 36 anos após sua chegada, ela é desde 2005 coordenadora de uma das mais elogiadas e premiadas alas de passistas do carnaval, revelando também novos talentos. Bianca Monteiro, atual rainha de bateria da Portela, passou pelas mãos de Nilce e seu parceiro de trabalho, Valci, até reinar à frente da Tabajara do Samba. Consagrada e renomada pela sua habilidade e elegância, Nilce se tornou referência e em 2018 estará pronta pra assumir, além da Portela, mais um desafio ao lado do amigo: a ala de passistas da Viradouro.



Exemplos de força e superação, as passistas carregam consigo os fundamentos que fazem do samba não só um ritmo musical, mas um ritmo de dança. Sempre jogadas a segundo plano ou tratadas como meros símbolos sexuais, a ginga dessas bailarinas da nossa folia deve ser valorizada e não viver escondida atrás do carros de shows, servindo apenas para tapar buraco quando a bateria entra no recuo. A força e dedicação de meninas e meninos que ainda hoje fazem do samba sua vida e sua escola. E ganharam um prêmio em reconhecimento à ela. Verdadeiras “Passistas Samba no Pé”. 




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