Selminha e Claudinho, primeiro casal icônico da Deusa da Passarela, desfilam em 2018. Foto: Wigder Frota.
por Bernardo Pilotto
É comum que na época do natal os preparativos para o carnaval já estejam a pleno vapor, com escolas ensaiando, sambas escolhidos, alegorias em pleno trabalho de sair do papel e virar realidade. Para muitos amantes do carnaval, o coração pulsa forte nessa época do ano muito mais por Momo do que pelo Papai Noel.
E tudo indica que no longínquo ano de 1948, em Nilópolis, cidade da Baixada Fluminense fundada 1 ano antes, também era assim. No natal desse ano, há 72 anos, alguns sambistas da cidade resolveram fundar o Bloco Associação Carnavalesca Beija-Flor, que pouco tempo depois, em 1953, transformou-se na G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis.
“É ela
Maravilhosa e soberana
De fato nilopolitana
Enamorada deste meu país”
(“A Deusa da Passarela” – Neguinho da Beija-Flor)
Campeã do carnaval carioca em 14 ocasiões, a Beija-Flor é hoje uma das grandes potências da festa, tendo sido um dos pilares fundamentais dos desfiles pelo menos nos últimos 45 anos. Ao longo desse tempo, a escola conseguiu dois tricampeonatos (1976/77/78 e 2003/04/05) e atualmente é a maior campeã da Era Sambódromo – a Passarela do Samba foi inaugurada para o carnaval de 1984.
Nada disso parecia ser possível nem mesmo para o mais otimista do grupo que fundou a agremiação. Liderada inicialmente pelo compositor Cabana, a Beija-Flor alternou altos e baixos e desfiles entre as 3 divisões que existiam no carnaval nos seus primeiros 20 anos. Mas, a partir dos anos 1970, tudo começou a mudar.
Após a chegada da família Abraão David à presidência, a escola começou a apresentar grandes desfiles. Com uma injeção de dinheiro oriunda do Jogo do Bicho, a Beija-Flor foi atrás de talentos que haviam garantido o bicampeonato para o Salgueiro em 1974/75. Entre os novos contratados, estavam Joãosinho Trinta e Laíla.
A partir daí e ao longo dos anos, a escola trouxe grandes inovações para o carnaval carioca, como a presença do onírico nos enredos, o crescimento vertical dos carros alegóricos (para dialogar com as novas e maiores arquibancadas que então eram montadas para os desfiles), uma maior profissionalização da preparação das apresentações, a criação de uma comissão de carnaval e o fortalecimento das alas de comunidade (quando a maioria das escolas priorizava alas comerciais).
Em todo esse período de glórias da escola, a sua voz foi a mesma: Neguinho da Beija-Flor, o intérprete que atualmente está há mais tempo em atividade.
Outro destaque da escola é sua ala de compositores, responsável por grandes obras do gênero, como Dia do Fico (de 1962), Sonhar Com Rei Dá Leão (de 1976), A Criação do Mundo na Tradição Nagô (de 1978), Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia (de 1989), O Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu (de 1998), Áfricas – Do Berço Real à Corte Brasiliana (de 2007) e A Virgem dos Lábios de Mel – Iracema (de 2017).
Para o próximo carnaval, a escola vai trazer o enredo “Empretecer o Pensamento É Ouvir a Voz da Beija-Flor”, sobre a importância dos intelectuais negros brasileiros, reafirmando seu compromisso com a pauta antirracista.