por Beatriz Freire e Léo Antan.
“Do Setor 1 à apoteose” propõe uma viagem completa por um desfile marcante da história carnavalesca, da concentração à Apoteose, passando dos antecedentes, contextos, histórias de bastidores e análise de todos os quesitos. Um verdadeiro desfile de informações sobre a apresentação escolhida.
Em 2010, ano de virada da década, a escola do Borel levou à Sapucaí o enredo “É Segredo”, disposto a mexer com os olhos, as reações e a imaginação do público. A linha da história a ser contada passou por grandes segredos do mundo e suas respostas – ou a falta delas, além de vestígios do desconhecido, mágicas, chaves e fórmulas secretas, pergaminhos misteriosos, decifração de questionamentos… enfim, tudo que tentamos desvendar. Numa ilusão de ótica, a Unidos da Tijuca instigou as arquibancadas e fez daquele domingo de carnaval mais uma página riquíssima em seu livro e na história da Marquês de Sapucaí. Hoje, o Carnavalize te conta todos os segredos decifrados – ou não – desse desfile marcante do povo do Borel.
Cinzas na poeira da memória…
A azul e amarelo não vinha de um bom resultado do carnaval de 2009. A agremiação amargou um nono lugar após um desfile irregular sobre a relação do homem com o céu. Desde 2006, quando perdeu Paulo Barros, o Pavão conseguiu ficar a frente de seu ex-carnavalesco em 2007 em 2008, com desfiles leves e eficientes assinados por Luiz Carlos Bruno. Barros retornou à escola após uma rápida passagem pela Vila Isabel em 2009, quando se juntou a Alex de Souza já no meio da preparação para o enredo sobre o centenário do Teatro Municipal.
A volta do casamento criou expectativa no mundo do samba, porém a escola foi sorteada como a terceira de domingo, o que diminuía as chances da briga por boas posições, em tese. No pré-carnaval, um enredo sobre o Cirque Du Soleil chegou a ser ventilado na mídia, mas negado para o anúncio da linha sobre os grandes mistérios da humanidade, sugerido a Paulo Barros por um menino em sua rede social.
O seu olhar vou iludir!
Como terceira de domingo, a Unidos da Tijuca entrou sem maiores expectativas do grande público, precedida por um desfile da Imperatriz sobre as religiões brasileiras. Entretanto, tudo mudou quando a comissão de frente já iniciou sua exibição no setor 1. O quê? Como? Nossa! Uau! Surpreendendo os espectadores, a comissão realizava trocas de roupas num piscar de olhos. Coreografado por Priscila Mota e Rodrigo Negri, bailarinos do Municipal que davam expediente no Borel desde 2008, o grupo era dividido em dois, que se revezavam nos truques de mágica. Com o apoio de um grande tripé cenográfico, que trazia a figura de um mágico, foi uma das primeiras comissões a trazer componentes escondidos do público que iam e voltavam conforme o andamento da coreografia. Composto por cerca de 30 pessoas, as mulheres realizavam uma passada inteira dos passos marcados e voltavam ao tripé para se arrumarem novamente, enquanto um novo grupo saia e se exibia. O truque da troca rápida de roupa foi importado de um show americano e era feito através de um figurino em várias camadas, que iam aparecendo e desaparecendo conforme a manipulação das bailarinas.
O espetáculo surpreendeu a todos, marcando um novo período das aberturas das escolas, onde elas se consolidaram como um verdadeiro show de início, abusando dos truques de mágicas e ilusionismo, tendo como missão surpreender o público e deixar o clima lá no alto para o resto da escola.
Após a histórica abertura, bailava o casal de mestre-sala e porta-bandeira, também uma novidade naquele ano. Marquinhos e Giovanna faziam sua estreia na Tijuca, após brilharem mais de uma década na Mangueira. Eles entraram no lugar da porta-bandeira Lucinha Nobre e do Mestre-Sala Ubirajara, que também se despediram após uma passagem vitoriosa por lá, com direito à várias premiações. O bailado do casal garantiu os 30 pontos válidos, não atingindo a nota máxima em apenas um 9,9 descartado.
O desconhecido, no tempo perdido
A abertura da escola continuava impactante com o pirotécnico abre-alas criado por Barros para a apresentação. Nele, vinha representada a Biblioteca de Alexandria que se incendiava, queimando muitos segredos e histórias perdidas no tempo. Na frente, grandes esculturas gregas, como a famosa Laocoonte e seus filhos, foram reproduzidas fielmente. Juntos, abre-alas e comissão marcaram uma abertura já apoteótica, que surpreendeu e arrebatou o público, deixando a expectativa e animação nas alturas.
A escola desfilou com 32 alas, 6 alegorias e 4 tripés, divididos em cinco setores, fora a abertura. O primeiro setor batizado de “Conta a lenda” fazia um passeio por segredos de antigas civilizações, antes da era Cristã. Com três elementos cenográficos que representavam a “Arca Sagrada”, as “Minas do Rei Salomão” e o “Cavalo de Troia”, este todo construído com pequenos pedaços de madeira de demolição, resultando um lindo trabalho estético. O setor era encerrado com a marcante alegoria que simbolizava os “Jardins Suspensos da Babilônia”, onde foi usado um enorme número de plantas de verdade.
“Vestígios” era o segundo setor, retratando mistérios perdidos no tempo. Um belo tripé chamado de “Onde Jaz a Rainha?”, trazia um grupo coreografado como se estivessem puxando o túmulo de Cleópatra. Logo depois, o segundo casal representava os náufragos, com um visual inspirado no filme “Piratas do Caribe”. O Egito vinha representado na terceira alegoria, que encerra o setor; “Em busca do tempo perdido” era um grande pergaminho com uma estrutura que girava a partir dos componentes que davam movimento ao carro.
As seis alegorias criadas por Paulo Barros, mais dois tripés. |
Depois dos reinos antigos, “A identidade secreta” era o tema do 3 setor da agremiação, explorando o universo de super heróis e da cultura pop. A bateria vinha vestida de Máfia, além das alas da Liga da Justiça e do Fantasma da Ópera levavam a alegoria “Na calada da noite, sempre alerta”, que trazia uma grande rampa, onde ora subiam homens-aranhas e ora desciam batmans de esquis, numa coreografia que levantava o público. A “Investigação” era a proposta do próximo quadro, que trazia fantasias divertidas como a “Um triângulo de bermudas” e “Tem ET na área?”, a mística Área 51 foi representada no quinta carro da escola tijucana. Com um formato quadrado, a alegoria ficou marcada ao trazer um sósia de Michael Jackson.
A última alegoria da apresentação. |
Para finalizar, a grande apresentação, o setor “A tentação é descobrir” brincava com elementos da natureza. A sexta e última alegoria, “O seu olhar vou iludir”, buscava hipnotizar o público com sombrinhas que giravam em espiral. A grande massa de componentes também formava o pavão, símbolo da escola, na alegoria mais fraca daquele desfile. No mapa de notas, o Borel faturou 50 em fantasias e alegorias, enquanto no quesito enredo foram 4 notas máximas e apenas um 9,9 descartado. As alegorias se destacaram pelo acabamento bem realizado, muito diferentes do que Barros havia apresentado anteriormente. A proximidade com Alex de Souza na Vila, no ano anterior, deu ao carnavalesco pop mais requinte na criação dos adereços.
Unidos da Tijuca, não é segredo eu amar você!
O samba composto Julio Alves, Marcelo e Totonho, foi entoado por Bruno Ribas em seu segundo ano pela escola tijucana, e tinha uma letra fácil, com um verdadeiro “refrão chiclete”. A simplicidade da letra e a melodia básica, porém agradável, conquistou o público e cumpriu seu papel principal de animar as arquibancadas e garantir o canto constante dos desfilantes. Mais embalados pelo alvoroço do que propriamente pela estrutura da composição, o quesito samba-enredo perdeu apenas um décimo no dia de julgamento. O samba de “É Segredo” virou mais um daqueles fáceis e inesquecíveis que todo simpatizante da folia tem na pontinha da língua.
A bateria, por sua vez, ficou sob o comando do Mestre Casagrande. Honrando o apelido, a Pura
Cadência manteve um bom andamento e teve até paradinha especial para que os ritmistas “mafiosos” da bateria, reinada por Adriane Galisteu, pudessem passar junto a um elemento alegórico que simbolizava um carro antigo. A escola perdeu, desconsiderando a nota 9,7 do descarte, um décimo no quesito, resultado bem melhor que o ano interior.
Em harmonia, conjunto e evolução, o Pavão também faturou ótimas notas, iniciando um processo de profissionalização da agremiação, que a transformaria numa escola técnica e defensora de quesitos, bem no modelo que a Imperatriz e, logo depois, a Beija-Flor consagrariam. Vale destacar, nesse sentindo, o trabalho sempre competente de Ricardo Fernandes, que foi um dos responsáveis pela organização desses quesitos na Imperatriz e repetiu a fórmula no Borel.
Cuidado, o que se vê pode não ser… Será?
Mesmo depois de mais nove escolas desfilarem, a Unidos da Tijuca se fixou no imaginário do público. Depois do show de animação, era grande a expectativa por uma boa colocação entre as seis melhores. A quarta de cinzas trouxe, então, momentos de muita felicidade. Gabaritou quesitos como samba-enredo, harmonia, conjunto, evolução, mestre-sala e porta-bandeira, fantasias, comissão de frente, alegorias e adereços e enredo; para resumo: com os descartes, a escola do Borel perdeu apenas um décimo no quesito bateria, justamente o que lhe separou de fazer o tão sonhado desfile “tecnicamente perfeito”, mas não lhe separou do tão sonhado campeonato. Após 76 anos sem vencer, a escola tijucana conquista seu segundo título da história, quebrando o enorme jejum e ressurgindo com força, ocupando sempre o papel de uma das protagonistas da folia.
Nas premiações, a agremiação faturou dois Estandartes de Ouro, um de melhor escola e outro de comissão de frente. Ganhou ainda diferentes troféus de desfile, comissão, carnavalesco e intérprete, em diferentes premiações, como Estrela do Carnaval, Tupi Carnaval Total, S@mba-Net, Tamborim de Ouro e Plumas e Paetês. Consolidando um desfile histórico da nossa folia, vivo até hoje na memória e responsável pela aproximação de várias gerações ao carnaval.
A tentação é descobrir!
Além de uma análise completa da apresentação, o Carnavalize busca pessoas que viveram e presenciaram o desfile abordado para narrar sua experiência vivida. Convidamos uma integrante da icônica comissão daquele ano para contar como foi fazer parte desse momento histórico. Alessandra do Valle é bailarina do Municipal e realizou as rápidas trocas de roupas diante do público. Confira:
Alessandra do Valle fantasiada pra participar do desfile de 2010. |
“Eu já tinha desfilado antes em carros coreografados então pra mim a sensação de pisar na avenida como comissão de frente seria mais ou menos a mesma. Só que não rs foi bem diferente! Primeiro porque tinha toda aquela tensão da troca dos vestidos. A gente ensaiou muito, mas na hora é tudo bem diferente, né. Quando eu cheguei na avenida e me deparei com aquela multidão de gente eu fiquei meio que em choque. Que energia boa que vem daquele lugar!
Alessandra descreveu a sensação de ver o público reagir às coreografias:
Quando fizemos nossa apresentação no setor 1 foi uma das sensações mais incríveis que eu já vivi. As pessoas estavam perplexas querendo saber como a gente tinha feito aquilo. Saímos do setor 1 com os gritos de é campeã! Eu ria e chorava de emoção ao mesmo tempo! Depois do desfile a sensação de de ver cumprido foi mais maravilhosa ainda. Ganhamos todos os prêmios naquele ano, tivemos nota 10 de todos os jurados e continuamos fazendo apresentações durante o ano todo. Participar dessa comissão de frente foi uma das maiores emoções que eu já vivi. É sempre muito bom trabalhar com pessoas alto astral e tão queridas como a Pri e o Rodri. Amo todos os amigos que fiz lá. Foi muito maravilhoso fazer parte dessa família!
Sou Tijuca, vou além…
“É Segredo!” marca o principal trabalho de Paulo Barros na Sapucaí, ao articular truques de mágica e figuras do imaginário pop, o carnavalesco estabeleceu uma relação direta com o público, com surpresas e truques inesperados. A Comissão de Frente se tornou uma das mais emblemáticas da folia, sendo ponto de virada para um novo momento do gênero dos desfiles atualmente, para o bem e para o mal. Apaixonando um público amplo, a agremiação Tijuca se tornou uma escola jovem e de novos torcedores, abrindo terreno para seus próximos títulos e fixando como uma das principais agremiações do século XXI.