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O ano é 2001, início do século XXI. A Imperatriz se consolidava como a maior vitoriosa da era Sambódromo até então, com nada menos que seis títulos. Destes, apenas um não tinha sido conquistado na estadia de Rosa Magalhães, que ia para sua décima primeira apresentação pela verde e branco de Ramos. A conta é simples: eram cinco títulos em dez dos primeiros carnavais do que seria um dos mais duradouros casamentos da folia carioca.
Depois de um polêmico tricampeonato na virada entre os séculos, discutido de modo acalorado até hoje, a Rainha de Ramos se afirmava como dona do estilo dos “desfiles técnicos”. Organização, competência e a briga pelo quesito a quesito eram a joia da coroa, em uma era na qual o carnaval se mostrava mais espetacular do que nunca e lógica empresarial se permeava nas idealizações dos desfiles. Noves fora, eram indiscutíveis o talento e a genialidade de Rosa Magalhães, em meio às posições contestadas por outras agremiações. A artista, revelada pelo grupo de Fernando Pamplona na década de 1970, consolidou-se como uma das principais potências da festa, aliando pesquisa histórica, bom gosto em cada detalhe e seu marcante estilo barroco.
“Campos, terra dos índios Goitacazes”
Algo hoje cada vez mais raro em meio às crises contemporâneas, os patrocínios de quantias milionárias ditavam as regras naqueles início dos anos 2000, por isso, as escolas corriam atrás deles com seus pires na mão. Naquele ano, não foi diferente para a Imperatriz, que arrumou as malas para embarcar em uma viagem pelo nordeste do estado fluminense. A cidade de Campos dos Goitacazes vivia um boom econômico, que motivou um gordo cheque para que a verde e branco contasse a sua história. Enganou-se, porém, quem achou que as belezas da arte, da culinária e da cultura popular do lugar desfilassem em cortejo com um enredo previsível e convencional aos chamados temas CEPs. Afinal, estamos falando da mente brilhante de uma artista lendária brasileira.
Na sua extensa pesquisa para desenvolver o tema, Rosa Magalhães encontrou uma palavra no próprio nome da cidade que levaria a narrativa para lugares inimagináveis. Ao ler uma ata da Câmara Municipal, algo despertou a atenção da carnavalesca. Era uma discussão para lá de acalorada sobre o nome da cidade, alguns vereadores queriam manter o Goitacazes no título, outros preferiam apenas “Campos”. Mas, enfim, quem eram os Goitazacazes?
O nome vinha de uma tribo indígena que habitava a região, só que um pequeno detalhe chamava a atenção: não parecia uma tribo qualquer, o grupo era famosos por ser canibal. Foi daí que Rosa partiu para um rumo inesperado em seu enredo. A antropofagia e a cultura indígena eram temas recorrentes na cultura brasileira através dos séculos. Será que não dariam um bom carnaval?
“Na Europa, a notícia rolava: índio come gente! Quem diria?“
Sempre aguardada, após apresentações memoráveis, a Comissão de Frente da Imperatriz mais uma vez brilhou naquele ano. Incorporando o enredo, o grupo se vestiu de Bicho-Papão e desfilou de maneira irreverente e apetitosa na Sapucaí. Os bichinhos formavam, junto com o abre-alas, uma aposta cromática escura e pouco vista nas aberturas de Rosa Magalhães. Depois de muitos anjinhos barrocos e globos giratórios, a primeira alegoria apostava em um visual propositalmente mal-acabado e repugnante. A história por trás dessa criação era a mais inusitada possível. Um incêndio de pequenas proporções havia acometido o barracão meses antes e equipe de criação se aproveitou dos itens queimados para incorporar na alegoria, dando um resultado que foi mal compreendido à época, apesar de sua ousadia.
Os dois setores seguintes da apresentação seguiriam apostando em bocas abertas, dentes afiados e índios gulosos. A ideia era mostrar a vida dos indígenas goitacás. Depois do negro da abertura, o vermelho e verde deram o tom do segundo setor até chegar ao azul da terceira alegoria, intitulada “A pescaria com os tubarões”. Com enormes animais marítimos ferozes, a alegoria impressionou pelo apuro estético, indicando a assinatura inconfundível da professora.
“Peri beijou Ceci ao som do Guarani, um gesto de brasilidade”
Após o início tribal, Rosa Magalhães expandiria seu enredo para muito além do perímetro urbano da cidade patrocinadora. Mergulhando no romantismo brasileiro, a narrativa prestaria uma homenagem à história do “Guarani”, o clássico livro de José de Alencar, que falava do amor entre um índio e a donzela Ceci. Não por coincidência, o lendário Peri era justamente um índio da tribo goitacá. E apesar do romance não se passar em Campos, o elo entre os setores estava realizado com maestria e genialidade. Para arrematar, a famosa ópera de Carlos Gomes sobre a história romântica seria ilustrada na alegoria daquele setor.
O casal Maria Helena e Chiquinho e pavilhão da Imperatriz (Foto: Wigder Frota) |
Absorvendo a beleza natural brasileira, o icônico casal de mestre-sala e porta-bandeira Maria Helena e Chiquinho brilharam com uma roupa nas cores da bandeira nacional, repletas de folhagens, frutas e estampas de onças. O casal já defendia o pavilhão gresilense há mais de dez anos e se firmava por seu estilo inconfundível. Logo depois, a bateria de mestre Beto inovava ao trazer bossas bem marcadas e criativas ao samba-enredo, como destacou Ivo Meirelles na transmissão da Rede Globo.
A composição de Marquinhos Lessa, Guga e Toninho Professor foi interpretada por Paulinho Mocidade em seu terceiro ano consecutivo na agremiação e logo após ter recebido o Estandarte de Ouro na sua categoria no ano anterior. Depois de disputada acirrada, como é tradição na Imperatriz, o samba mais descritivo, e que dava conta do complexo enredo, tinha grandes momentos em sua letra. O refrão para cima e valente tentava aproximar o público da escola, até então mal vista pelos torcedores concorrentes diante das vitórias consecutivas. Se a arquibancada não empolgou, a comunidade da Zona da Leopoldina mostrou sua força técnica, com uma boa apresentação de canto. Na evolução, entretanto, a agremiação não foi tão perfeita assim e abriu pequenos clarões na pista, com um problema em uma das alegorias.
A bateria incorporava a onça do livro “Guarani” (Foto: Wigder Frota) |
Buscando se aproximar do público, a direção da I distribuiu a letra do samba e bandeirinhas verdes e brancas ao Setor 1, mas o tiro acabou saindo pela culatra. Os objetos foram “devolvidos” pela arquibancada, em um episódio controverso de falta de educação.
“E deu tupy or not tupy, eis a visão do artista”
Após a história indianista em letra e música, Rosa mergulhou ainda mais na História da Arte Brasileira. Depois da antropofagia física e real, a filosofia modernista deu o tom do desfile. Baseada no texto de Oswald de Andrade de 1928, o setor mostrou toda a antropofagia como método poético brasileiro. Para materializar essa filosofia, a obra plástica de Tarsila do Amaral foi escolhida.
Das telas da famosa pintora brasileira, Rosa Magalhães e seu figurinista Mauro Leite tiraram a inspiração para criar fantasias que bebiam da fonte de quadros famosos como “A cuca” e “Mamoeiro”. O tom verde vibrante e o traço geométrico da artista paulista foram representados com vigor em alas e na alegoria que encerrou aquele quadro. O quadro “Antropofagia”, que mistura as célebres figuras de “A negra” e “O Abaporu”, foi materializado de maneira impecável.
Seguindo uma narrativa propositalmente fragmentada. Depois do modernismo, foi a vez do Tropicalismo invadir a Sapucaí. O movimento cultural iniciado na música por Gil e Caetano foi lembrado por resgatar a antropofagia modernista e dar a ela novo significado. Cafona, exagerada e festiva, a Tropicália celebrava um Brasil profundo e sem preconceitos, unindo o brega e o internacional. Alguns marcos do movimento foram lembrados em alas e a montagem teatral de “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, foi escolhida para ilustrar a sexta alegoria, em que o cenário de Hélio Eichbauer, da montagem do Teatro Oficina, foi usado como referência.
O carro “Rei da Vela” encerra o primeiro setor tropicalista do desfile (Foto: Wigder Frota) |
O tom alegre da Tropicália seguiu no setor que homenageou Carmem Miranda, a cantora luso-brasileira, que internacionalizou a figura da baiana e foi resgatada como ícone cultural pelo movimento brasileiro ao dissipar toda sua brasilidade em fantasias coloridas e cheias de frutas. Partindo do imaginário dos índios canibais, Rosa mergulhou em um caldeirão vibrante da nossa cultura na qual revelou todo seu repertório e apresentou um enredo tanto quanto inusitado para a folia.
“Hoje o couro vai comer, auê!”
Não acertou quem achou que o belo olé que a professora havia dado no tema patrocinado passaria em branco. A prefeitura de Campos não ficaria nada satisfeita com o enredo pouco tradicional sobre os costumes do lugar e acabaria processando a escola de Ramos por quebra de contrato. Problema judiciais à parte, a beleza e a técnica da apresentação da verde e branco também não repercutiriam bem na imprensa da época.
Os jurados, semelhantemente, não pouparam críticas ao desfile, guardando comentários negativos para o abre-alas e a última alegoria, acusando a carnavalesca de não atingir o “nível máximo de requinte e criatividade de anos anteriores”. Mesmo com alguns 9,8 e 9,7 no caminho, a Imperatriz não saiu muito atrás no resultado final em uma apuração para lá de acirrada e, apesar de não conseguir um sonhado tetracampeonato, conquistou um honroso terceiro lugar, atrás apenas da campeã Mangueira e da vice Beija-Flor.
Mesmo não lembrado em grandes coletâneas sobre as maiores apresentações do século XXI, o desfile de 2002 seria uma verdadeira aula de Artes de Rosa Magalhães. Ao dar uma volta no tema patrocinado de forma tão singular, a artista afirmou sua genialidade por meio de uma narrativa complexa e bem estruturada em fragmentos nos quais constavam a história indígena brasileira de modo alegórico e festivo. Na pista, a Imperatriz fez, mais uma vez, um cortejo técnico e defendeu bem seus quesitos, mostrando o porquê de ter firmado seu nome na história do carnaval carioca.
Rosa Magalhães no desfile. (Foto: Wigder Frota)
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