Do Setor 1 à Apoteose: No Mundo da Lua – Grande Rio 1993

 
Texto: Beatriz Freire, João Vitor Silveira e Thomas Reis
Revisão: Luise Campos. 
“Do Setor 1 à Apoteose” propõe uma viagem completa por um desfile marcante da história carnavalesca, da concentração à Apoteose, passando por antecedentes, contextos, histórias de bastidores e análise de todos os quesitos. Um verdadeiro cortejo de informações sobre a apresentação escolhida! Durante o mês de setembro, a cada segunda-feira, destrincharemos um desfile escolhido pelo público a partir de enquetes realizadas em nosso Instagram (sigam @igcarnavalize) e também no Twitter (@carnavalize). 
Nossa temporada de retomada da série abarca um processo imprescindível de contribuição dos padrinhos e madrinhas que impulsionam o trabalho do Carnavalize. Nesta primeira semana, Aline Gama, Any Cometti e Raí Chaves indicaram os três desfiles que compuseram a votação popular. Curiosamente, os três concorrentes foram apresentações do carnaval de 1993: Grande Rio (“No mundo da lua”); Salgueiro (“Peguei um Ita no Norte”) e Vila Isabel (“Gbala – Viagem ao templo da criação”). Agradecemos mais uma vez a eles pela luxuosa contribuição e convidamos todos a conhecerem nosso instrumento de apadrinhamento. 
Como conversa de sambista é samba, daremos largada ao desfile escolhido por vocês para marcar nossa reestreia: faremos uma viagem ao lúdico céu da tricolor caxiense para ficar o pavilhão do Carnavalize “No Mundo da Lua”.
“Nessa aquarela, a Grande Rio é a tela”
O carnaval de 1993 marcava o ano de retorno da Grande Rio ao Grupo Especial, a agremiação era até então uma criança em seu sexto ano de existência. Em 1991, a escola já havia passado pelo grupo principal, mas, ante a expressividade e grandiosidade das coirmãs, acabou retornando ao segundo grupo. No carnaval anterior ao desfile a ser relembrado, em 1992, pelo Grupo de Acesso, a caçulinha desfilou belamente o enredo “Águas claras para um rei negro”, uma sagração a Oxalá, desenvolvido pelos carnavalescos Lucas Pinto e Sônia Regina. O desafio desta segunda passagem pela elite das agremiações era mostrar que sua juventude em nada impedia a capacidade de desfilar bem – e permanecer! 
O jovem, mas já experiente carnavalesco, Alexandre Louzada chegou à escola de Caxias trazendo na bagagem o enredo fascinante que versava sobre o tão importante satélite natural da Terra. A narrativa abordava o astro a partir de um olhar encantado, passeando, assim, por entre lendas, mitologias, assombrações e paixões que o envolviam. 
Na pista, prateada pelo brilho lunar, a escola partiu com base nas influências do astro na cultura das antigas civilizações por intermédio das crenças astrológicas que ditavam os arranjos cotidianos daqueles povos, percorrendo assim, Grécia, Egito, China e Índia. Passou, ainda, pela astrologia lunar e pelo destino da vida aquática, falando sobre sua posição preponderante na condução das marés. Mencionou Jaci, a deusa Lua, que personifica no seio das lendas tupi-guarani a fertilidade. Indo para a mitologia cristã, surgiu São Jorge, que fez da lua sua morada, imaginando que nas noites de lua cheia é possível vislumbrar o cavaleiro alçando sua lança no dragão. Isso sem falar dos apaixonados, que fizeram à luz da lua canções e serenatas… e sabe qual foi o resultado? Lua de mel! Louzada soube explorar as mais diversas vertentes do tema para além das tecnicidades científicas. 
Alegoria “Serenata ao luar”. Foto: Memória Grande Rio.
Mas nem só de mito e paixão a lua se vestiu no desfile da Grande Rio. O lado misterioso e sombrio ganhou forma com a lua cheia na sexta-feira treze. A corrida espacial também se fez presente, assim como o flerte crítico com os “lunáticos” que conduziam catastroficamente a política do país nos anos 1990 – nada muito diferente dos dias de hoje. Para não perder todo encantamento e magia envolto no tão sublime satélite, Louzada fez questão de destacar em seu enredo o título inegável atribuído a ela de fada madrinha, que ganhou verso central no samba-enredo com o tão popular “Clareia, Dindinha”. Em meio a tantas narrativas mágicas e encantadoras, o desfecho foi dado de forma fabulística por um grande eclipse total, no qual a lua oculta a luz da Terra ao se impor sobre o Sol. 
O enredo foi um dos pontos forte da tricolor de Caxias: apesar de ter dividido uma parecida temática com a Estácio de Sá no mesmo ano, a leitura e o desenvolvimento dados por Louzada foram vistos com bons olhos e iluminaram os caminhos da agremiação. 
“Ô luar, ô luar… vem pratear a nossa rua”
Debaixo de chuva, tendo exatamente a lua de São Jorge como ponto de partida, a comissão de frente trouxe doze homens vestidos como o santo guerreiro e Jussara Pádua, coreógrafa do grupo, representando a lua, sob a guarida de seus defensores. Todos em vestes brancas, eles inseriram à cromática de Louzada o seu hoje reconhecido trabalho com tons brancos, muito pertinente à estética lunar proposta. 
Acompanhando a comissão de frente, o início do desfile é tomado pelos tons de branco e prata. Logo no abre-alas é possível ter uma noção do nível alegórico apresentado pela escola: uma grande espaçonave repleta de turbinas carregava a imponente coroa, símbolo da Grande Rio, dando início a uma grande viagem à lua. O conjunto alegórico composto por 12 carros conseguiu exprimir muito bem a narrativa. Com construções impressionantes para uma escola tão jovem e recém-chegada ao Grupo Especial, a Grande Rio apresentou alegorias imponentes que se mantiveram em nível equilibrado do início ao fim. 
A abertura da apresentação da tricolor em 1993. Foto: Wigder Frota. 
Ainda assim, apesar dos bons efeitos proporcionados por Louzada quanto ao uso de materiais como espelhos e o tom prateado nas alegorias – na busca por imprimir uma estética espacial -, o conjunto não se mostrava exatamente luxuoso ou esteticamente inovador. Além disso, eram visíveis os problemas na execução decorativa. Apesar das adversidades enfrentadas, o talento de Alexandre Louzada para a criação de alegorias já se destacava, o que era exatamente uma árdua tarefa de superação em anos marcados pela competição entre o requinte de Rosa Magalhães e o hightech de Renato Lage.
Um dos carros que mais se destacaram foi “Jaci – Índia Lua”, trabalhado em tons esverdeados e alaranjados, que representava a lenda indígena da deusa lua em uma grande floresta. A utilização das cores cítricas lhe concedeu um impacto vívido. A quinta alegoria “Serenata ao Luar” também merece destaque por sua concepção: revestida por prata e branco, recebeu um sutil toque rosado com as plumas que compunham as fantasias dos destaques, gerando um efeito encantador. Por fim, o carro “A Lua de São Jorge”, que, apesar de ter uma construção aparentemente simples, mostrou soluções interessantes com uma paleta de cores composta por vermelho, dourado e branco, teve em seu centro a representação em esculturas do embate entre São Jorge e o dragão. Ao fundo, lanças douradas fechavam a alegoria. O destaque negativo ficou por conta da alegoria “Lunáticos”, em verde e amarelo, uma construção confusa trazia em sua base políticos aprisionados. O tom crítico condizia com o momento e se fazia até mesmo necessário, mas as soluções estéticas se mostraram muito prejudicadas e pouco criativas. 
A alegoria “Eclipse total”. Foto: Alexandre Graciano.

Do ponto de vista das indumentárias, as cores foram muito bem utilizadas. Com um início em branco, o tapete foi ganhando cores mais quentes no decorrer do desfile até terminar em tons escuros. As fantasias compostas por Louzada se destacaram pela leveza e pouco volume. Sem muita riqueza, mas com ótima execução, conseguiram imprimir muito bem o que o enredo propunha. 
“É lindo ver a tua imagem encantando a multidão”
Naquele carnaval, Rita Freitas foi levada à escola a peso de ouro para defender ao lado de Ronaldinho, conhecido companheiro de dança dos tempos de Salgueiro, o pavilhão da tricolor de Caxias. Grande nome revelado pela coirmã alvirrubra da Tijuca, Rita tornou-se uma das mais competentes e desejadas porta-bandeiras da década de 1990. Para garantir as notas, era preciso apostar alto, o que não era exatamente um problema para a escola, vide a estrutura financeira proporcionada por sua patronagem.
Rita e Ronaldinho ensaiavam com empenho. Ela foi a porta-bandeira pioneira dos ensaios na Marquês de Sapucaí por muitas e muitas noites que antecediam os desfiles oficiais, fator importante para estruturar a preparação dos guardiões da bandeira e que, certamente, contribuiria por mais um ano de sucesso no trabalho dos dois. Com Laíla como diretor da escola, um entusiasta declarado da repetição em busca da quase-perfeição, o que não faltou foi incentivo. Mesmo assim, não bastou experiência que fosse para lidar com os imprevistos durante a passagem do casal na Avenida. Logo no início, ao curvar-se para reverenciar a primeira cabine de jurados, a fantasia da porta-bandeira se soltou, sendo necessário improvisar até o fim. A chuva não deu trégua numa apresentação que impediu o casal de mostrar todo seu talento. 
O gabaritado primeiro casal da escola: Rita e Ronaldinho. Foto: Wigder Frota.

“Clareia, dindinha!”
O desfile da Grande Rio foi embalado por um samba primoroso, que fez sucesso no pré-carnaval, sendo elogiado inclusive por intérpretes de outras agremiações. A obra foi cantada com fervor pelos componentes da escola e conduzida com perfeição por Nêgo, que acabava de chegar na Grande Rio oriundo da Unidos da Tijuca. Sua interpretação, sem sombra de dúvidas, foi um dos grandes fatores para que o samba crescesse e fosse considerado um dos melhores daquele ano. 
A obra contava com dez compositores, entre eles o próprio Nêgo, um número incomum para a época. Mas isso se explica pelo fato de que o samba entoado na Avenida era resultado da junção de três obras diferentes. O presidente da Grande Rio à época deu a seguinte explicação para a iniciativa em entrevista: “Este ano fizemos o ideal: juntamos as melhores partes dos três concorrentes da final”. Ainda que junções sejam muitas vezes complicadas – ainda mais envolvendo três sambas! – o resultado final para a Grande Rio foi bem proveitoso. Tanto que, por muito tempo, foi considerado o maior samba-enredo da história da escola, posto colocado em disputa pelo samba que norteou o vice campeonato da agremiação no ano de 2020. 
É fato também que o samba-enredo de 1993 foi bastante auxiliado pela bateria da escola de Caxias, comandada à época pelo Mestre Maurício. O ritmo cadenciado foi bem conduzido pelos ritmistas ao longo do desfile, tendo como principal destaque os desenhos de tamborim bem ensaiados, que tiveram o papel principal de abrilhantar a obra durante a passagem da escola. Para além disso, a virada de três na cabeça do samba: Ao sair do refrão principal, para entrar na cabeça do samba, os surdos de primeira e segunda realizam uma breve conversa entre si, antes de voltarem para o ritmo padrão, com uma coordenação bem interessante com os tamborins, que foi também um ponto alto da bateria naquele ano.
Mas, apesar de embalada uma execução musical fora de série, a Grande Rio não encontrou no colo da lua a oportunidade de sorrir e ser feliz. O já mencionado samba (que, aliás, foi composto por figurinhas carimbadas como Jacy Inspiração e Dicró, entre outros) foi o único quesito da escola a garantir a nota máxima na Quarta-Feira de Cinzas. A escola contou ainda com um desempenho positivo nos quesitos Fantasia, Comissão de Frente e Harmonia. Entretanto, os decréscimos em diversos quesitos – a agremiação não conquistou nenhuma nota dez em Evolução, Enredo e Alegorias e Adereços -, fez com que a tricolor amargasse uma nona colocação. 
Nota a nota, ainda que o cenário não tenha sido o ideal para toda escola que sonha com as altas posições, a Grande Rio garantiu uma permanência tranquila na primeira divisão, feito que lhe conferiu o mérito de, desde então, nunca ter sido rebaixada. “No Mundo da Lua”, para que justiça seja feita, foi um dos passos iniciais para o surgimento de uma escola que estabeleceu, ainda em seus primeiros anos de existência, uma ótima relação com a comunidade e apresentou enredos para lá de pertinentes. 
Não percam nossos próximos textos da série “Do Setor 1 à Apoteose”! Se você quiser participar da votação que definirá o desfile-tema da semana que vem, basta acompanhar os stories no Instagram do Carnavalize e nossa enquete no Twitter até quarta-feira, dia 09/09. Carnavalize conosco!

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