Texto: Juliana Yamamoto e Beatriz Freire
Revisão: Luise Campos
A série “Giro Ancestral” está na sua segunda temporada, na qual toda segunda-feira do mês de novembro mergulhamos no universo dos nossos mestres-salas e porta-bandeiras, compreendendo a magia que envolve sua arte. Iniciamos conhecendo algumas porta-bandeiras e mestre-salas históricos do Carnaval carioca e paulistano, esmiuçamos sobre um instrumento de trabalho essencial para as damas e, no último texto, superamos todas as imprevisibilidades de um desfile para traçar o caminho para a nota 10 dos casais. Hoje, iremos conhecer um pouco mais os ateliês que cuidam dos mínimos detalhes para a feitura de fantasias dos casais, dignos das melhores vestimentas.
Para vestir um casal de mestre-sala e porta-bandeira, há de se cuidar mais do que apenas da aparência, que também tem grande importância. A prioridade, na verdade, é que eles estejam seguros e confortáveis para que possam evoluir e executar seus movimentos. É impensável haver uma boa apresentação se a capa do mestre-sala o atrapalha, ou ainda se a porta-bandeira não tem a liberdade de que precisa para fazer os movimentos de braços com a amplitude necessária. Por isso, uma sábia equipe está envolvida nos bastidores desses verdadeiros figurinos de luxo. Tudo importa, desde uma boa modelagem até a colocação de pedras e penas, já que é perfeitamente possível que os jurados descontem pontos do casal pela impressão visual da fantasia e, principalmente, pela queda de alguma de suas partes.
No Rio de Janeiro, o Ateliê Aquarela Carioca é grife mais do que badalada do universo dos casais. Há quase vinte anos no mercado, Leonardo Leonel e Pedro dos Santos, responsáveis pelo ateliê, iniciaram os trabalhos em uma oficina de artes da Herdeiros da Vila, escola mirim da Unidos de Vila Isabel, onde começaram a confeccionar peças aqui e acolá até alcançarem bom desempenho. A realização do trabalho envolve muitas conversas com os carnavalescos, mestre-salas e porta-bandeiras, tendo como objetivo final sempre a reprodução material mais fiel ao desenho que chega às mãos dos profissionais do ateliê. A relação entre casais e profissionais dessas oficinas traz a lealdade de anos de parceria, com a plena confiança da possibilidade mútua de excelentes trabalhos de ambos os lados. Tanto é assim que nem só para brilhar no dia do desfile oficial os casais são vestidos pelas indumentárias de Leozinho e Pedrão. Na divisão das temporadas, em eventos nas quadras e apresentações de grande importância, o voto de confiança é dado mais uma vez para que estejam trajados com vestidos e ternos sem a opulência das fantasias, mas igualmente bem alinhados e apropriados à situação.
Os trabalhos começam até oito meses antes do grande dia e chegam a demandar noites de sono perdidas para que as fantasias fiquem prontas, garantindo tempo, beleza e conforto para os mestres-salas e porta-bandeiras que as vestirão. Uma fantasia considerada leve não pesará menos que 10 kg ou 20 kg, o que exige, em virtude de um peso que já compõe um elemento a ser sustentado, funcionalidade para a dança.
Não é só no Rio de Janeiro que os ateliês de fantasias vêm se profissionalizando e crescendo cada vez mais. Em terras paulistanas, a quantidade de oficinas envolvidas com os casais de mestre-sala e porta-bandeira só aumenta com o decorrer dos anos. Um dos mais conhecidos e consolidados ateliês paulistanos é do Bruno Oliveira, que além de confeccionar indumentárias dos casais, também tem um grandioso trabalho com destaques, musas e rainhas de bateria. Bruno sempre foi um grande admirador da arte de mestre-sala e porta-bandeira: chegou até fazer cursos e exercer essa função. Começou a trabalhar com fantasias de casais a partir do Carnaval de 2009, quando recebeu o convite do carnavalesco Tito Arantes, da Águia de Ouro, que estava no Grupo de Acesso. A partir daí, Bruno não parou mais, firmando-se como um dos maiores nomes no segmento e sendo referência quando o assunto é figurino.
O croqui da fantasia do casal oficial da Nenê de Vila Matilde para o Carnaval 2015.(Foto: Bruno Oliveira – Instagram) |
Jeff e Janny, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira na concentração para o desfile da Nenê de Vila Matilde em 2015. (Foto: Bruno Oliveira – Facebook) |
O início da confecção da fantasia de um casal varia de escola para escola e a tendência é começar faltando 4 meses para o Carnaval, ficando pronta em 1 mês ou até 3 meses. No caso do ateliê do Bruno Oliveira, há agremiações que pedem para que ele e sua equipe desenvolvam o figurino, passando apenas o tema. Outras já dão o figurino, mas são flexíveis para alterações e, por fim, em algumas a indumentária é trabalhada em cima do croqui do carnavalesco. Sempre quando começam a produção é feito um “laboratório da roupa”: uma pesquisa inicial de materiais e de possibilidades que aquele figurino poderá oferecer. Após o início da elaboração das fantasias, há as provas com os casais, que acontecem de 2 a 3 vezes para ajustes em costuras e estruturação e de 3 a 4 quando já está em fase de acabamento e montagem. Por fim, há a prova final, na qual a indumentária já está finalizada e os casais se preparam como no dia do desfile. Os dançarinos são maquiados e realizam uma apresentação para a diretoria da escola. A entrega do figurino é realizada até a quarta-feira da semana dos desfiles e no dia oficial, o ateliê possui um “espaço” próximo à concentração do Anhembi, onde ajudam na montagem da fantasia com o casal.
A estrutura da roupa se dá através de um tecido rígido, que não tenha elastano. Muitas das vezes são escolhidos tecidos mais resistentes, porém não muito pesados. Além disso, também há a presença de fitas de gorgurão para dar estrutura ao tecido e a fita de aço que arma o saiote da porta-bandeira. Há outros materiais que complementam os figurinos, como as famosas “bóias de piscina” que facilitam na montagem dos faisões e de outras penas e o velcro. O ateliê se preocupa muito com o conforto da roupa para a dupla e que ela não atrapalhe ou dificulte os movimentos na Avenida, por conta disso, o debate entre os dois lados acontece constantemente e é necessário para que se entre em um acordo. A relação do Bruno com os casais é a melhor possível, uma vez que sua equipe compreende as peculiaridades que envolvem cada dupla e suas necessidades.
Detalhes da preparação e montagem da fantasia no dia do desfile oficial. (Foto: Bruno Oliveira – Facebook) |
Hoje, o ateliê Bruno Oliveira conta com 17 a 25 funcionários, mas é um número que varia de ano para ano. Há uma equipe que trabalha com os casais de mestre-sala e porta-bandeira, outra que cuida dos destaques centrais e uma terceira que trabalha com musas e rainhas, tudo isso para que consigam se dedicar integralmente e realizar os trabalhos com tranquilidade e qualidade. Isso apenas evidencia a geração de empregos nesse segmento e a quantidade de profissionais talentosos que surgem. Além do Bruno Oliveira, há outros ateliês paulistanos que também estão crescendo exponencialmente e fazendo grandes trabalhos, como o Ateliê Ribas de Azevedo, Atelier Rodrigo Andrett – que foi responsável pela confecção de uma das fantasias mais comentadas do Carnaval paulistano em 2020, a do primeiro casal da Colorado do Brás -, o Studio Art Diego Motta, que também é o terceiro mestre-sala da Mocidade Alegre e, ainda, o Hermann Atelier. Além das fantasias para os desfiles oficiais, muitos destes ateliês também produzem roupas para ensaios e eventos especiais para os casais, sempre entregando excelentes figurinos.
Legenda: Bruno e sua equipe na concentração para o desfile da X9 Paulistana em 2018 com Daniel e Lyssandra. (Foto: Bruno Oliveira – Facebook) |
Com o sucesso dos ateliês, muitos casais estão fazendo a famosa “ponte aérea” e tendo figurinos produzidos por equipes de outras cidades, como o caso do primeiro casal do Vai-Vai, Pingo e Paulinha, que, no Carnaval 2020, foram vestidos pelo Aquarela Carioca, famoso ateliê já citado acima. Mesmo com a distância, isso não impediu a produção da fantasia e também as provas para o grande dia. O resultado foi muito positivo e ajudou a dupla a garantir a nota máxima. A tendência é que aumente nos próximos anos esse “intercâmbio” entre os profissionais do segmento.
A responsabilidade de um ateliê que veste um casal de mestre-sala e porta-bandeira é proporcional aos inúmeros ensaios que a dupla faz, já que a indumentária também é parte do julgamento do quesito. Eles são os responsáveis por dar vida a figurinos luxuosos e encantadores e contribuir para um bom desempenho do casal na Avenida, sendo parte do caminho para a nota 10. Muitas vezes, são desconhecidos do grande público, mas são peças fundamentais para a arte. Num trabalho que levam meses, a equipe que compõe os ateliês acompanha os casais até o momento que iniciam suas apresentações, dando o suporte e apoio necessário para o sucesso no desfile. Semana que vem é o último texto da segunda temporada da série Giro Ancestral. Não percam!