Por Leonardo Antan
Depois de tanto tempo, os tamborins ecoaram de novo na Sapucaí. A rua é nossa! O palco da maior festa se ilumina, em breve, as alegorias saem da Cidade do Samba e ganham a Cidade do Carnaval. O que esperar de 2018? Em meio a tempos difíceis, podemos sonhar com dias melhores ou piores?
Não dá pra começar a falar de 2018 sem lembrar de tudo que passamos no último carnaval. Possivelmente, o ano mais trágico na história da nossa folia. Trágico, triste, mas previsível diante de tantas dificuldades e “jeitinhos” que o carnaval carioca sempre viveu. Será que estamos fazendo o suficiente pra mudar?
No meio da transmissão da Unidos da Tijuca, o apoteótico Milton Cunha branda em alto e bom som: “é o fim de era”. Será? Queiramos que sim. Em meia a tanta adversidade, é uma chance de ouro de reinvenção. É na dificuldade que podemos dar um ponto de virada, de um carnaval mais moderno, mais pungente, mais folião, mais emocionante. Sem perder de vista a organização e a estrutura da festa.
Em meio aos únicos ensaios técnicos de 2018, problemas velhos e conhecidos se repetiram. Atrasos, falha de som, excesso de gente na pista, problemas no entorno no Sambódromo. Será que um ano não foi o suficiente para pensar em alguma solução? Será que querem os dirigentes essas soluções?
É melhor que queiram. Em meio a essa crise, a liga organizadora lava as mãos e diz que está tudo ótimo, que ingressos não estão encalhados e tudo será lindo. Mas nós sabemos que não. É preciso quebrar algumas caixas pretas que regem a folia, e o momento é esse. Do jeito como está, caminhamos para o fim derradeiro.
É preciso novas formas de promoção e financiamento da festa. As escolas sabem outras maneiras de se gerir? Como achar um meio termo entre o empresarial e o cultural? Como defender nossa raça, nossa emoção, mas sem perder a capricho e o cuidado com os componentes e o público?
Se enchemos a boca pra dizer que somos o maior espetáculo do mundo que os façamos e justifiquemos o porquê. Reunamos turistas e cariocas, gregos e troianos, foliões e não foliões, todos em estado de graça na mesma folia. Trazer todos pra cá, pra Sapucaí. Trazer o Rio de Janeiro que se apartou das escolas de samba, que não fazem mais parte do cotidiano de boa parte dos cariocas.
As escolas precisam estar no cotidiano, ocupar a cidade, fazer as pazes com seus foliões. Tomar a rua como a arte que é. Não segregar as pessoas, não ser palco de tantas situações absurdas. Quem vive o dia a dia das escolas sabe algumas situações irreais. Os mais apaixonados resistem e outros nem tanto. E assim, o publico vai se esvaindo. Gestão, profissionalismo e respeito ao sambista é fundamental.
O público precisa se reconectar com a festa, entender seus saberes, viver seu processo o ano todo. São laços identitários ancestrais, simbolismos, uma linguagem de mais de 80 anos redefinida e redesenhada, que alia tradição e modernidade, negociação e renovação. O romantismo tem outrora se perdeu. É preciso encarar nossas dificuldades de frente. Discursos apaziguadores não funcionam mais. Os desfiles estão cansados. Urgem por reinvenção. E se, por hora, os dirigentes ainda não perceberam que logo perderão suas galinhas de ouro quando virem será tarde demais, que a festa se reinvente por ela mesmo.
Está na mão dos artistas como sempre esteve. Como esteve na mão de Paulos da Portela, de Pamplonas, de Mestres Andrés, de Fernandos Pinto. Agora está na mãos de outros, do visual ao musical. É na arte que a escola de samba é mais escola de samba, é mais Brasil e se faz o grande divã dessa nação.
E assim, reafirma seu papel. Além das questões estruturais são os enredos críticos que trazem o frescor para o grito de novos tempos. Esperamos que sejam legitimados e chancelados pelo julgamento como nunca foram em seus áureos tempos. Que o samba se reconecte com sua sociedade e não só de reis, negros e reinos distantes, mas falem do hoje, das nossas urgências, nossa gente, de nossos saberes.
Está na mão dos artistas desenharem a revolução estética e narrativa. Um sopro de novidade num modelo que precisa ser reinterpretado, reavaliado, ressignificado. E que não haja apenas um tipo de desfile, mas vários. Que haja pluralidade, que haja Leandros, Jorges, Rosas, Renatos, Paulos… E que haja o luxo, a crítica, a simplicidade, a alegria, a pompa, o cosmopolita, o brasileiro, o urbano, o natural, tudo ao mesmo tempo. Plural como deve ser.
Uma festa que nos deu algumas das maiores obras da história da arte brasileira como Tupinicópolis, Ratos e Urubus e Xica da Silva, ainda pode nos oferecer mais. Que carnaval seja reconectado com sua essência negra, ancestral e brasileira. E vire essa nova página.
Se no modernismo foi do nosso samba e da nossa gente que veio nossa identidade nacional, que em tempos de crise política o carnaval seja mais uma vez nosso espelho e fonte de energia e celebração de um novo país. Da festa que faz o Brasil mais Brasil a gente se refaça, recrie e reafirme que carnaval é manifestação e arte. É Brasil, é samba, é carnaval. E tudo se confirme nesse 2018!