Na Tela da TV: A antiga relação de Boni com o carnaval

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ou simplesmente Boni, o “astro iluminado da televisão brasileira”, acabou se tornando uma das figuras mais conhecidas (para o bem ou para o mal) do carnaval carioca nos últimos anos. Apesar de essa associação ser recente, a relação dele com o carnaval não começou e, aparentemente, não terminará no controverso desfile da Beija-Flor em 2014.

Conta Boni em seu livro (“O Livro do Boni”) que sua história de amor com o carnaval começou em 1949, com o desfile do Império Serrano que trazia o famoso samba “Exaltação a Tiradentes”. Ainda que tenha se encantado por outros desfiles depois disso (como, por exemplo, “Chica da Silva”, do Salgueiro), foi só quando teve contato com Arlindo Rodrigues que Boni teve a exata dimensão do que aqueles desfiles significavam para as escolas – até esse momento, ele via o espetáculo apenas como um produto de entretenimento.

Arlindo, Mocidade e LIESA 

Boni estreitou as relações com Arlindo Rodrigues (que trabalhava na Rede Globo) ao fim da década de 60, quando o diretor pediu para o carnavalesco decorar uma cobertura sua. Num certo momento, quando teve que optar entre fazer os cenários e figurinos da novela Os Ossos do Barão e desenvolver o desfile da Mocidade Independente (“A Festa do Divino”, em questão), Arlindo ficou com a segunda opção. Essa escolha fez com que Boni quase o demitisse.

Boni não o fez porque Arlindo o levou ao barracão da Mocidade e mostrou todo o trabalho nos bastidores que vinha desenvolvendo para o desfile, que inclusive contou com a presença do diretor, desfilando com a camisa de Diretoria. O encanto de Boni com os desfiles cresceu: ele começou, então, a participar dos ensaios da escola e das discussões sobre enredos, além de deixar Arlindo livre nos começos e fins de ano para que ele pudesse se dedicar à escola. Com isso, a Globo passou também a transmitir os desfiles, deixando de dar atenção exclusiva aos bailes de carnaval. Boni afirma que Arlindo é o grande responsável por isso. Ao mesmo tempo, a Mocidade ia ganhando cada vez mais destaque no cenário carnavalesco.

Depois disso, veio a construção da Marquês de Sapucaí e um dos clássicos episódios dessa história: a Globo perdendo o direito de transmissão das escolas para a Manchete. Mas isso, que Boni detalha em seu livro, é assunto pra outra coluna. Em resumo, o que precisamos saber agora é que foi uma guerra entre o governo do Rio de Janeiro e a Rede Globo. Para conseguir os direitos de volta, Boni foi pedir ajuda aos presidentes das escolas diretamente: Castor de Andrade, Anísio Abraão David, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond. Eles foram fundamentais para a fundação da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) e posterior volta das transmissões para a Rede Globo.

Boni, depois disso, voltou a frequentar a Mocidade. Recepcionou Renato Lage, a quem chama de ‘gênio’, e diz que o ajudou a pensar no enredo de 1990 (“Vira, virou, a Mocidade chegou”). O diretor foi se afastando da Mocidade com a morte de Castor de Andrade e, com isso, ia se aproximando da Beija-Flor, visto o relacionamento próximo que sempre teve com Anísio Abraão.

E por falar na Beija-Flor… 

Foi a Deusa da Passarela que deu ao diretor responsável pelo Q de Qualidade da Globo a chance de ser homenageado no carnaval como o enredo da escola. Numa entrevista ao O Globo, Boni relata que não teve nem a oportunidade de negar o convite, visto ter sido uma “exigência” de Anísio. O enredo, ficou acordado, não seria biográfico, isto é, não focaria apenas na vida de Boni. Optou-se por fazer um passeio pela história da comunicação até desaguar na história de Boni. Parecia um caminho interessante. Parecia.

Boni, naturalmente animado com o enredo, participou do processo de criação do desfile, dando ideias até quanto à iluminação das alegorias. O desfile em si apresentava uma Beija-Flor diferente, bem distante daquela escola clássica. O estranhamento foi espontâneo. No dia da apuração, um banho de água fria: à medida que iam se abrindo as notas, ficava mais difícil acreditar que a escola sequer voltaria no sábado das campeãs. As críticas, confirmadas pelas baixas notas, foram principalmente ao samba, ao desenvolvimento do enredo e à ideia de unir a comissão de frente com o casal.

Responsável pela nota mais baixa do quesito ‘Enredo’ (9.7), o julgador André Luis Silva Júnior justificou a perda de pontos assim: “Concepção: Um enredo sobre a comunicação ou sobre o comunicador? O título aponta ‘Boni, o astro…’ e a ideia que se imagina é de haver um crescente na história da comunicação que vá culminar na vida/obra do comunicador. Todavia, o enredo se configura de forma fragmentada, com excesso de informações e rompimentos temáticos. Do setor 3 para o 4, as alas que primam pelo desenvolvimento da comunicação são seguidas pelas alas 15/16 sobre as paixões gastronômicas/etílicas de Boni, depois pelas alas 17 a 20 sobre a paixão deste por cinema. A ala 21 fala sobre a origem espanhola do homenageado. Existe uma enorme dificuldade de ‘comunicação’ entre essas alas. Quando a escola parece enveredar para vida e obra de Boni (Ala 33/28) ocorre um ‘ir e vir’ entre esse suposto ‘duplo enredo’.”

Claro, a colocação (foi a única vez neste século que a Beija-Flor não voltou no sábado das campeãs, sendo a pior colocação da escola desde 1992) não agradou à agremiação (que ameaçou não desfilar em 2015, ano seguinte) e ao próprio Boni. Em entrevista à Coluna Gente Boa, do Jornal O Globo, Boni disse que os jurados haviam combinado de dar notas baixas à escola e propôs um novo tipo de julgamento, com mais jurados (ele citou o Oscar como exemplo) e maior interação com as redes sociais. Por ora, isso continuará sem acontecer.

Aliás… 

Boni, desde então, vem dando pitacos na forma como os desfiles das escolas acontecem. Ele defende, por exemplo, que o tempo de desfile tem que ser menor, com diminuição drástica no número de alas, por julgar que as fantasias são repetitivas e cansativas. Também acha que a prioridade do campeonato estraga em partes o espetáculo, pois as escolas não fazem os desfiles para o público, mas sim para os jurados. Cabe discussão.

Fato, no entanto, é que Boni já deixou sua marca não só na história da televisão, que é o local que o fez mais famoso e o consagrou, mas também no carnaval. Passado o trauma nilopolitano de 2014, o que toda essa experiência carnavalesca pode somar à festa só o tempo dirá. Por ora, o consagrado astro da televisão, cuja vida foi feita de inspiração, vai mostrando que babado é esse com samba no pé.

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