7×1 Carnavalize: Sambas afro nem tão conhecidos assim

por Beatriz Freire

De volta com as listas temáticas, o Carnavalize embarca em mais um 7×1 para mostrar sambas afro pouco conhecidos pelo grande público. O conceito de tempo é relativo e, com certeza, nem todas as obras são totalmente desconhecidas, sobretudo pelos bambas que caminham há mais tempo que nós na estrada da folia. O importante, no entanto, é permitir que conheçamos sambas bonitos e que foram esquecidos, ou talvez nunca lembrados, pelos foliões ao longo de tantos anos. Assim, nossas duas e até três gerações podem sentar juntas e apertar o play para relembrar, descobrir e se apaixonar pelos hinos de escolas que cantaram temáticas negras em nosso carnaval. Apertem os cintos porque nossa viagem ao passado começa agora.
A visita do Oni de Ifé ao Obá de Oyó 
Unidos do Cabuçu (1983)
A Unidos do Cabuçu, do fim da década de 70 até os primeiros anos de 80, ficou conhecida como uma escola extremamente competente por fazer lindos sambas com a temática africana. Como a lista abrange apenas 7 faixas, a prioridade será dada à variedade de escolas. Cabe, no entanto, louvar o samba de 1981 da agremiação, “De Daomé a São Luis, a pureza mina jêje”, que carrega beleza singular e seria facilmente encaixado ao lado do que será apresentado. Fato é que o Cabuçu, em 1983, levou ao público momesco o enredo “A visita do Oni de Ifé ao Obá de Oyó” para o seu desfile, à época pelo grupo 1B. O samba de enredo composto por Grajaú e Jacob é um dos mais bonitos da história da escola e talvez até mesmo do Acesso carioca. Pode ser que não tenha alçado voos mais altos – e conquistado seu lugar num imaginário popular ao lado dos outros hinos antológicos – por conta da pouca visibilidade que se perpetua, principalmente dos antigos carnavais, aos grupos mais baixos das divisões do carnaval. De toda forma, o samba conduzido por Di Miguel, intérprete da agremiação, conquistou o coração de muitos sambistas e torcedores da escola, carregado de muita história a respeito dos reinos iorubás de Ifé e Oyó. Sob o talento dos carnavalescos Gustavo Coutinho e Ronaldo Marins, a escola do Lins conseguiu um confortável 4º lugar – posição que lhe deu estabilidade para o campeonato no carnaval seguinte – naquele ano carregado de axé.

Orun-Ayê 
Boi da Ilha (2001)
O Boi da Ilha pode não ser um conhecido do grande público que acompanha o carnaval quando fevereiro se aproxima. É, porém, uma escola que há alguns anos conta com a simpatia dos sambistas fiéis ao festejo. Sem nunca ter alcançado os holofotes do Grupo Especial, a agremiação teve seus melhores momentos em passagens pelo Grupo A. A primeira delas acontece justamente em 2001, o que torna tudo melhor, ainda mais pelo enredo a ser apresentado naquele ano; “Orun-Ayê” foi a temática escolhida pelo carnavalesco Guilherme Alexandre para o desfile da escola da Freguesia da Ilha do Governador. O enredo contava o mito da criação e a coexistência de Orun, palavra iorubá que se refere ao mundo espiritual, e do Ayê, que está ligado ao mundo físico. A história desenvolvida rendeu um lindo samba, composto por Aloisio Villar, Paulo Travassos, Silvana da Ilha e Clodoaldo Silva. O microfone, por sua vez, foi comandado pela bela voz de Ronaldo Yllê, e o lindo conjunto de letra e melodia rendeu à agremiação a premiação do Estandarte de Ouro de melhor samba. Com ventos mais do que favoráveis, a escola insulana conquistou um satisfatório quinto lugar pelo Grupo A, melhor resultado nesses seus quase 30 anos de vida.

Geledés, o retrato da alma
Arranco (2006)
Contando a história das máscaras e da personalidade humana por meio delas, da África antiga ao momento à época, o Arranco também presenteou o mundo do samba com uma belíssima obra. O ano era 2006 e a escola estava de volta ao Grupo A, após um período de quase 10 anos em uma divisão mais baixa. Jorge Caribé, carnavalesco conhecido pelo seu competente trabalho de enredos afro, foi o profissional que assumiu a agremiação do Engenho de Dentro e teve que driblar os problemas financeiros e a falta de recursos para montar o carnaval daquele ano. Com o papel e o lápis na mão, os consagrados compositores Sylvio Paulo e Juan Espanhol se uniram a Fernando, Bira Só Pagode e Bola para dar ao carnaval um dos sambas mais bonitos de 2006. Zé Paulo Sierra, que fez sua estreia como intérprete oficial, comandou o canto com pouco menos da experiência que era necessária, é verdade, mas conseguiu dar voz ao hino que ganharia prêmios de melhor samba-enredo; Estandarte de Ouro, o troféu S@mba-net, Jorge Lanfond e Tribuna da Imprensa foram as premiações concedidas. O resultado da quarta de cinzas garantiu a permanência no Grupo A para 2007, a partir de um 7º lugar.

As três mulheres do rei 
Império da Tijuca (1979)

Não é de hoje que o primeiro Império da corte do samba faz enredos africanos que trazem novos e bons ventos. Desde os anos 50, a escola já mostrava como contar uma boa história vinda lá da Mãe África. Nos anos 70, fez uma aposta firme na temática e especificamente para o ano de 1979 apresentou o enredo “As três mulheres do rei”, desenvolvido pelo carnavalesco Mário Barcelos. A história girava em torno de Xangô e suas três esposas: Obá, Oxum e Oyá. O samba que embalou o desfile do Imperinho foi composto e cantado por Marinho da Muda, figura do bairro e da própria escola. A beleza, além da letra singela, objetiva e bem costurada, fica justamente pelo tom melódico do samba e da própria voz de Marinho. O resultado foi um campeonato que coroou mais uma vez a comunidade do Morro da Formiga.



Ganga Zumba, raiz da liberdade 

Engenho da Rainha (1986)

Tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, o Engenho da Rainha também entrou na nossa lista, e com muito louvor. A escola apresentou, em 1986, um lindo samba que cantava o enredo de Elson Mendes sobre Ganga Zumba, o primeiro líder de Palmares, e a passagem da opressão, do sofrimento e da dor ao anseio e luta por liberdade, através da simbólica resistência do Quilombo dos Palmares. Ciganerey, que ainda era conhecido como Paulinho Poesia, cantou os lindos e melodiosos versos escritos pelas mãos de Jacy Inspiração, Bizil, De Minas e Guará. Felizmente reconhecido, o samba faturou o prêmio do Estandarte de Ouro e, injustamente, a escola amargou um satisfatório 4º lugar, que garantiria pelo menos a permanência da escola no Grupo 1B.
Catopês do Milho Verde, de escravo a rei da festa 
Colorado do Brás (1988)
O Colorado de Brás, no centenário da Lei Áurea, levou a afrobrasilidade para o público e nos presenteou com um dos sambas mais bonitos da folia paulista. O enredo “Catopês do Milho verde, de escravo a rei da festa” fazia referência a Chico Rei e ao catopê, tipo de dança do congado, uma tradição encontrada em Minas Gerais a partir da figura do príncipe-escravo que conseguiu sua liberdade. O festejo tem ligações religiosas com Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, exatamente o que foi cantado pela escola num samba escrito por Dom Marcos, Edinho, Xixa, Minho e Roná Gonzaguinha. Apesar da fama na Terra da Garoa, as novas gerações pouco conhecem o hino que foi cantado pelo próprio Dom Marcos e, mais tarde, por Freddy Vianna em uma reedição da própria escola. Chico Rei coroou, assim, o Colorado com o 9º lugar do Grupo Especial de SP.

Do Iorubá ao Reino de Oyó 
Cabeções da Vila Prudente (1981)

Finalizando nosso 7×1, a escola da Vila Prudente pede passagem para seu maior samba. Como dito anteriormente, não é totalmente desconhecido – é, na verdade, bem elogiado pelos bambas e cantado até em rodas do Rio de Janeiro – mas ainda é um samba desconhecido por muitos. O microfone foi assumido por Dom Marcos, também compositor, e mais tarde regravado por Leandro Lehart, quando ganhou maior destaque. Fez, também, uma ponte aérea RJ-SP e foi parar na Sapucaí com a Unidos de Padre Miguel, em 2013, sendo usado como esquenta da escola da Zona Oeste. Aos apaixonados de pouca idade ou aos que por alguma razão desconhecem o samba, fica a oportunidade de escutar e aprender uma das maiores joias do querido carnaval paulista, que, apesar da beleza, embalou um desfile que garantiu um 10º lugar no Grupo Especial naquele ano.
A temática africana no carnaval não é novidade para ninguém; apesar disso, a lista mostra como o assunto rende histórias muitas vezes não contadas e sambas lindos, que nem sempre permanecem na memória do grande público. Mais uma vez, repetimos que há uma lista interminável de faixas que poderíamos citar, como o belíssimo samba de 1979 da Imperadores do Samba (ouça abaixo), escola de Porto Alegre. De toda forma, a dica de quem vos escreve é que se deliciem e aprendam muito com estes verdadeiros hinos e que busquem outros novos para que possamos dividir e repassar às novas gerações aquilo que formou o nosso carnaval atual. Até a próxima!

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