Carnavalizadores de Primeira – Novos talentos: O traço requintado de Leandro Vieira

por Leonardo Antan.

São apenas três carnavais solo no currículo, mas que somam um título e um quarto lugar no Grupo Especial. A carreira meteórica de Leandro Vieira é algo raro na história carnavalesca, e, quiçá, sem precedentes. Em um número tão pequeno de trabalhos, poucos conseguiram alcançar tanto prestígio e premiações como o atual carnavalesco da Mangueira. Para entendermos um pouco mais sobre o requintado traço desse artista “erudito-popular”, confira abaixo os momentos mais importantes dos três desfiles assinados por ele que ajudam a formular um perfil completo de sua carreira até aqui. Vem que vai ter aula!
Leandro posa com detalhes do abre-alas de 2016 com ifás típicos da cultura iorubá.

Formado pela Escolas de Belas Artes, da UFRJ, Leandro começou sua trajetória na folia há mais de dez anos, quando integrou o time de Cahê Rodrigues na Portela para o desfile de 2007. De lá até 2014, atuou como figurinista e, mais tarde, enredista de Cahê, tendo atuação nas passagens do carnavalesco por Portela, Grande Rio e Imperatriz. Além dele, Leandro também já bateu ponto para Fábio Ricardo, em suas passagens na São Clemente e Grande Rio. Antes de ser contratado em 2015 pela Caprichosos de Pilares, Vieira teve grande responsabilidade nos belos trabalhos das escolas de Caixas e da Leopoldina em 2014. que trataram, respectivamente, de Maricá e Zico. Coincidentemente, após a saída de Leandro para Pilares, as duas escolas pecaram nos quesitos plásticos nas apresentações seguintes. 
Caprichosos apresentou o enredo “Na minha mão é + barato” em 2015.

Na sua estreia pela Caprichosos, o artista formado pela EBA soube respeitar o estilo irreverente e crítico da agremiação de Pilares, dado pelo primoroso trabalho de Luiz Fernando Reis. Misturando um lado histórico, informal e descontraído, como pedia o enredo sobre o “comércio popular”, Leandro surpreendeu a todos com a boa qualidade das fantasias e alegorias, apesar da situação financeira complicada da escola. Que após o fim da apuração, conquistou um honroso sétimo lugar na Série A. 
À direita, as máscaras geledés, na esquerdas as alas e alegoria de Leandro.
No segundo setor de “Na minha mão é + barato”, chamou atenção a estética africana proposta por Leandro na representação dos “escravos de ganho”, comuns na época colonial. Além da clara inspiração das gravuras de Debret, reproduzidas na alegoria que fechava o setor, um detalhe curioso era notado na concepção de todas as “cabeças” das fantasias: eram as “máscaras geledés”, que representavam antigos rituais iorubás. Usadas para a invocação de entidades femininas, as tais máscaras puderam ser vistas também no ano seguinte, pois foram reutilizadas no enredo mangueirense sobre Maria Bethânia. No desfile campeão de 2016, elas estavam presentes nas fantasias que representavam os orixás, além de este ano terem aparecido em versão maximizada na última alegoria
da “Velha Manga”, que representava o cultos aos orixás dentro do tema sobre
religiosidade.

Na extrema esquerda, a escultura de Mestre Didi percebida no detalhe multi-colorido da alegoria. E abaixo, as esculturas de Rubens Valetim reproduzidas fielmente em escala maior.

Este último carro, “Luz dos Orixás”, talvez tenha sido um dos mais criticados do belo desfile da Estação Primeira, se comparado ao conjunto. Sua decoração toda em espelhos acabou não dando o resultado esperado na concepção. Entretanto, além da grande máscara geledé puxando a alegoria, estavam lá duas outras referências importantes para o entendimento do universo artístico onde Leandro se posiciona. Invés de optar pelas representações humanas das divindades africanas, o artista preferiu fazer uma homenagem ao artista plástico Rubens Valetim, que através de seu construtivismo afro-brasileiro traduziu os orixás em formas geométricas. Outra referência, essa mais detalhada, estava na decoração do carro contornando todas as suas formas. O estilo tubular e multicolorido trazia consigo a ancestralidade da escultura de mestre Didi, babalorixá brasileiro e artista famoso internacionalmente.
A careca e a pintura corporal que marcaram Squel podem ser vistas também na obra de Verger.
Dos baianos Valetim e Didi, permanecemos nas terras de Salvador para falar de outra clara referência de Vieira para um dos marcos de sua carreira. Falamos de 2016, quando ele colocou sua esposa Squel como protagonista do desfile, junto da homenageada Bethânia. A representação da porta-bandeira através das pinturas corporais branca das iaôs, é referência clara não só a linguagem do candomblé com um todo, mas em especial ao trabalho do franco-brasileiro Pierre Verger, famoso por suas fotografias do rito afro-brasileiro. 
O sincrestismo foi bem traduzido esteticamente na imagem símbolo do desfile de 2017.
Ainda no imaginário baiano, veio de lá uma das imagens símbolos da apresentação deste ano. O Cristo-Oxalá, censurado de voltar nas campeãs, teria tido como inspiração uma similar escultura em menor escala do artista plástico Leandro Barra, conforme comentou Fátima Bernardes na transmissão da Rede Globo. Essa passagem de Verger para Barra, marca outra fundamental característica do trabalho de Leandro, que dialoga com referências ditas “populares” e “eruditas” ao mesmo tempo. 
De sagrado ao profano, muitas são as referências cotidianas presente na estética de Leandro Vieira. 
Nas representações sobre santidades e divindades, este ano e na “Menina de Oyá”, convergiram elementos da arte institucionalizada e popular. Além de Verger, Valetim e Didi, os saquinhos de São Cosme e Damião nas baianas de 2017; os populares “santinhos de papel” e os balangandãs de baianas agigantados nos tripés de 2016; as esculturas de santo de vestir (roca) para procissões junto à bonecos de barro na segunda alegoria de 2017; os altares de “santos” na divulgação dos protótipos deste ano; além da arte urbana de Toz no tripé sobre Zé Pelintra. Um verdadeiro sarapatel, onde as categorias “bem delimitadas” (não para Leandro) da cultura convivem harmoniosamente e niveladas, sem quaisquer outras hierarquias. Uma prova do reconhecimento da dinâmica popular e fluida em que se dá um desfile de escola de samba. 
Parte do conjunto de fantasias criado para 2016: plumas artificias, dobraduras, fitas, vimes, babados.

Além das escolhas artísticas, que sozinhas não dariam conta da tradução de tantos signos, as escolhas plásticas, narrativas e estéticas do carnavalesco traduzem suas intenções enquanto artista estabelecido no trânsito entre o erudito e o popular. O colorido leve se junta a materiais de menor custo, mas de efeitos eficientes, valorizando a pintura de arte e as plumas sintéticas de grande proporções, ainda que repetidas excessivamente esse ano e punidas corretamente pela jurada Helenice Nascimento. Além disso, nota-se as golas dos costeiros sempre finalizadas com delicadas dobraduras do tecido, ou ainda a substituição de plumas por hastes de vime (tubinhos de madeiras), que dão aspecto mais rústico. Não por último, mas principalmente, a maquiagem clara de aspecto lúdico que a maioria dos componentes utilizam no vestuário, como bufões que pintam a cara de branco, num processo da anulação da persona e desnudamento da alma, o símbolo da máscara evocada no teatro grego.

O belíssima abre-alas de “A menina dos olhos de oyá”, campeão de 2016.
São fantasias de lindo apelo estético, bem resolvidas e concebidas com apuro que preservam o caráter tradicional barroco fundando no carnaval por artistas como Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta e Rosa Magalhães. Um limiar entre tradição e contemporaneidade. Limiar este que é tão tênue a ponto de quase ter gerado problemas na tradicional Mangueira pelo apagamento da icônica combinação do verde e rosa. Em 2016, Vieira optou por uma abertura em tons terrosos no abre-alas sobre as divindades africanas das quais Bethânia descendia. A alegoria era ornada de bambus feitos de canos de PVC, cores escuras e esculturas femininas que tinham como modelo a cara de Squel, numa romântica homenagem. A combinação pouco usual para a Velha Manga deu problemas no pré-carnaval, fazendo Leandro “enganar” os mais tradicionalistas que visitavam o barracão dizendo que o último carro, onde viria Bethânia, com mais tons de verde e rosa, seria o abre-alas. Apesar do cuidado e da controvérsia, poucas vezes se viu um verde-e-rosa tão bem combinados na avenida, abusando de tons mais claros (quase bebês), Leandro então optou pela inserção de uma terceira cor, para quebrar o choque do rosa com verde, como o azul ou o vermelho em fantasias e alegorias. 
A alegoria que trazia a Betânia, em 2016, e o tripé sobre as cavalhadas, 2017, têm estéticas parecidas.


O já citado imaginário barroco na obra de Leandro, vai além do que se convencionou chamar de “barroco carnavalesco”, indo de encontro ao movimento artístico real dos séculos XVII e XVIII. As igrejas barrocas brasileiras e seus elementos exagerados, como as colunas curvas, os signos sinuosos e curvilíneos estavam na escolha da abertura de “Só com a ajuda do santo”, que trazia em si a própria igreja barroca e seus signos representados: colunas, oratórios, ex-votos, raios, curvas, e afins. Além dela, a segunda alegoria que trazia o Bom Jesus Menino, em 16, e a homenagem a São Jorge, em 17.
No centro, e na extrema esquerda, fotos de igreja barrocas, aproximadas de alegorias que beberam neste estilo artístico.
O barroco, assim como o carnaval, veio importado da Europa, mas foi realizado aqui no Brasil pelas mãos de mestiços e negros, como um de seus maiores símbolos: Aleijadinho. Ou Joãosinho Trinta. Dois ícones fundamentais para a compreensão da arte miscigenada e tropical feita no Brasil através dos séculos. Juntos, barroco e carnaval, são símbolos também para entender o trabalho artístico delicado de Leandro Vieira, que ao traduzir esse barroco em forma e conteúdo se colocou no terreno fluído entre as formas de artes que o carnaval transita, na linhagem de grandes mestres da arte brasileira, os já citados: Arlindo, João, Didi, Valetim, Aleijadinho e Rosa. E agora, Leandro. 

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