Dossiê Carnavalize: uma viagem encantada pelos carnavais de Fernando Pinto no Império Serrano

Muitos foram os carnavais marcantes de Fernando Pinto na Mocidade Independente de Padre Miguel; enredos como “Ziriguidum 2001” e “Tupinicópolis” permanecem no imaginário folião. O artista tropicalista também assinou, entretanto, grandes desfiles do Império Serrano durante quase toda a década de 70. Ao todo, foram oitos desfiles criados para o Reizinho de Madureira, contra seis na Estrela Guia de Padre Miguel. Nessa primeira fase, Fernando apostou em temas mais populares, ligados às manifestações folclóricas, personagens históricos e o único enredo de temática “negra” de sua trajetória. Confira nesse dossiê completo uma retrospectiva de sua carreira na Serrinha.

1971 – Nordeste: seu povo, seu canto, suas glórias





Tudo começou quando Fernando Pinto escreveu uma carta pedindo para ser o carnavalesco do Império. A escola vinha de uma má classificação no ano anterior, e, no texto, o artista prometia resgatar o verdadeiro Império Serrano. A escola verde e branco aceitou o pedido e acabou contratando o jovem de apenas 24 anos que fazia carreira como ator e diretor teatral. Pernambucano, o artista resolveu tratar de suas origens, abordando as festas, manifestações artísticas, hábitos e  a cultura nordestina. A escola foi bem com seu samba e garantiu o terceiro lugar daquele ano.  

1972 – Alô alô, taí Carmen Miranda!








Após o título do Salgueiro em 1971 com o histórico “Festa para um rei negro”,  Fernando Pinto disse ao Jornal do Brasil que tratou de analisar todos os ângulos do desfile campeão para preparar uma apresentação imbatível. E conseguiu. Tratou de escolher uma figura popular e festiva para o tema: a cantora Carmen Miranda. Resgatada como símbolo de brasilidade pelo tropicalismo, Fernando fez jus ao movimento que lhe deu régua e compasso. Optou não por uma narrativa biográfica da pequena notável, mas numa pegada teatral e cinematográfica. 







Foi a primeira vez que uma escola de samba teve como enredo uma figura da cultura de massa e não histórica ou folclórica, o que gerou estranhamento e revolta na agremiação. Mas o carnavalesco bancou a inovação. A história da cantora foi dividida em oitos quadros (setores), cada um deles com uma personalidade representando uma Carmen Miranda diferente. Inspirado nos filmes, os quadros eram: o “Abre-alas”, com Marion; “Um Rosário de ouro, um bolota assim, quem não tem balangandãs não vai ao Bonfim”, com Leila Diniz; “Alô, Alô, Carnaval”, com Wanderléia; “Banana da Terra”, com Miriam Pérsia; “Cassino da Urca”, com Marília Pêra e todo o elenco de “Vida Escrachada”; “Carmen Internacional”, com Vilma Vernont e sua academia de ballet; “Serenata Tropical”, com Olegária e “Copacabana” com Rosemay.







Ao contrário da revolução salgueirense, liderada por Pamplona e Arlindo, que se baseava em elementos da cultura acadêmica e erudita, Fernando Pinto bebeu na cultura de massas e no que era considerado “brega e cafona”, como as chanchadas, os teatros de revista e a era do rádio, sempre abusando de frutas, palmeiras e muita tropicalidade. Diz a lenda que os carros chegaram quase sem nada na concentração e todos acharam que o Império desceria, mas, aos poucos, o carnavalesco foi tirando da cartola diversas decorações tropicais, fazendo tudo ganhar vida.



“Se o carnaval virou empolgação, Carmen Miranda é um tema ideal para isso”, afirmou em entrevista.


Um ponto controverso do desfile foi a escolha de samba. Após o inesquecível “Pega no ganzê” no ano anterior, o artista da Serrinha defendia que a escola necessitava de uma canção empolgante. Para isso, comprou briga na agremiação, desbancando a obra do imortal Silas de Oliveira. O samba-enredo escolhido era curto e viciante, composto por Wilson Diabo, Heitor Rocha e Maneco, sendo um dos primeiros a inserir uma gíria: “que grilo é esse?”. 




Na Avenida, o samba foi defendido por Malene, Rainha do Rádio. E, apesar da polêmica dos mais conservadores, o desfile foi um sucesso e empolgou a todos, fazendo a obra musical permanecer no imaginário popular, sendo regravado até mesmo por Elis Regina. O título foi incontestável e a escola ganhou vários prêmios do Estandarte de Ouro, que foi realizado pela primeira vez aquele ano. A Pequena Notável ajudou a faturar três categorias: Enredo, Comunicação com o Público e Fantasias, estes dois extintos atualmente. 


1973 – Viagem encantada Pindorama a dentro








Após o título, o Império entrou na avenida com uma grande expectativa. Fernando Pinto assinou seu terceiro carnaval apostando numa temática diferente dos últimos anos. Em “Viagem encantada Pindorama a dentro”, o artista tropicalista misturou história e fantasia para contar como era o Brasil antes da chegada dos portugueses. 








Um ano antes de “Rei de França na Ilha da Assombração”, de Joãosinho Trinta (dito como o primeiro enredo onírico), Fernando já havia apostado no tal olhar onírico para fatos históricos, tendo como destaque o luxo e o gigantismo. Abusando de adereços de mãos e muito prateado, a apresentação contou o enredo em quatro quadros. A narrativa começava em Pindorama – primeira etapa; passava pela Ilha de Vera Cruz – segunda etapa, chegando à Terra de Santa Cruz, terceira etapa; e, finalmente, o Reino Encantado do Upabuçu, quarta e última fase, onde morava o amor de Iara, personagem principal do enredo. 




Nas materiais da época, Fernando disse que apostou pela primeira vez no uso do isopor, em vez do papel machê, então usado, e do poliéster de fibra de vidro nas esculturas, inserindo, portanto, materiais usados até hoje na confecção das esculturas carnavalescas. Outros destaques estéticos foram o grande arco-íris que anunciava a chegada ao reino encantado e as Iaras com lindas caudas prateadas que reluziram durante o dia.





O samba-enredo teve bons momentos, mas não tinha o mesmo apelo popular do ano anterior. A escola fez um grande desfile e chegou a ser apontada pelos jornalistas da época como grande favorita, mas acabou ficando com o vice-campeonato, perdendo para a Mangueira. 



1974 – Dona Santa, Rainha do Maracatu







Para o cortejo de 74, Fernando Pinto voltou às suas raízes pernambucanas, assim como em seu ano de estreia. Para louvar umas das expressões populares mais famosas da região, o maracatu, o carnavalesco homenageou uma figura lendária e que fez parte de seu imaginário desde a infância: Dona Santa, rainha do maracatu na Nação Elefante durante mais de dezesseis anos. 






Para tentar repetir o sucesso da Iaras prateadas do ano anterior, o carnavalesco apostou numa apresentação toda branca e prata, diminuindo um pouco do verde que dava cor à agremiação. A escolha fez os tradicionalistas virarem o nariz e não encheu os olhos do jurados. O efeito esperado dos figurinos e alegorias para um desfile à noite não foram alcançados, já que a escola desfilou de manhã. A apresentação foi tida como morna pelas reportagens da época, o samba era pouco empolgante e não funcionou. Apesar disso, o Reizinho de Madureira terminou numa ótima terceira posição. 




1975 – Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira










Após ao desfile nem tão bem sucedido do ano anterior, o artista imperiano voltou a apostar numa temática popular e kitsch para 75. Após a cantora do rádio e abacaxis, veio uma homenagem a uma personagem do bairro sede da agremiação verde e branca: Zaquia Jorge foi uma vedete que construiu um teatro de revista em Madureira e acabou morrendo de maneira trágica. 




Com o enredo, Fernando voltou a beber numa estética tipicamente popular e multicolorida. Apostou no verde e amarelo da bandeira brasileira, reforçando a brasilidade das revistas da época da homenageada. A narrativa, mais uma vez, fugia de uma simples biografia, sendo apresentada como uma viagem de trem da Central do Brasil até o subúrbio de Madureira. O abre-alas representava uma locomotiva partindo da estação terminal e o desfile seguiu pelos quadros que representavam as próximas paradas da viagem ferroviária, passando por Mangueira e Méier. 





Todos os carros tinham uma estética muito próxima do teatro de revista, abusando das escadarias onde as vedetes faziam suas apresentações, com seus imensos leques de pena. Segundo uma reportagem do jornal O Globo, outro destaque foi o uso de elementos decorativos de grandes estrelas que uniam os diferentes quadros do enredos dando um aspecto onírico e de um grande teatro popular.






Fora a plástica, outra história importante daquele ano aconteceu na disputa de samba. A obra escolhida foi o belo samba de Alvarese, defendido pelo carnavalesco, pois apresentava melhor o enredo proposto. Mas (muitos) outros preferiam a obra de Acyr Pimentel & Cardoso, gravada depois por Roberto Ribeiro, e que acabou se tornando mais conhecido do que a obra vencedora. Apesar da polêmica, o samba-enredo empolgou e fez a escola conquistar mais um terceiro lugar.


1976 – A lenda das sereias, rainhas do mar









O carnaval de 76 seria o único na trajetória de Fernando Pinto a tratar de um tema ligado a temática africana. O enredo sobre “sereias” passeava por diversas divindades ligadas à água na tradição yorubá-nagô, como Yemanjá, Oguntê, Oloxum, Inaê e outras citadas no antológico refrão do samba-enredo. 





Assim como em 73 e 74, o artista voltaria a apostar no prata como cor predominante da apresentação. Os adereços de mão, sempre presentes nos desfiles de Fernando, e as fantasias remetiam aos elementos do mar e animais como peixes, polvos, camarões e cavalos marinhos. A reportagem após o desfile, do jornal O Globo da época, criticou o gigantismo da escola e uso repetitivo das sereias e dos elementos marítimos. Em suma, um trabalho estético que não se destacou, fazendo a escola amargar uma sexta posição, péssima para aqueles tempos. Já o samba composto por Dionel, Arlindo Velloso e Vicente Mattos, entretanto, brilhou na avenida e se tornou um dos mais conhecidos da trajetória imperiana, regravado por ícones musicais como Marisa Monte, sendo reeditado em 2009 pela própria Serrinha. 








1978 – Oscarito, carnaval e samba – Uma chanchada no asfalto




Após o resultado nada satisfatório em 1976, Fernando Pinto se afastou por um ano do carnaval, dedicando-se a sua carreira no teatro e seu trabalho como figurinista e diretor do grupo “As Frenéticas”, que explodiu nesse período. Em 78, o carnavalesco dos cabelos cacheados voltaria ao Império Serrano para assinar seu último desfile na agremiação. Após Carmen e Zaquia, criou uma narrativa que homenageava outro personagem popular, o humorista Oscarito. Depois do Rádio e do teatro de revista, ele exaltava, através do eterno parceiro do Grande Otelo, a chanchada, um estilo cinematográfico famoso na primeira metade do século XX no Brasil e depois desprezado pela intelectualidade. 







O enredo apostava numa narrativa alegre e começava homenageando o Circo, onde Oscarito cresceu e teve seu primeiro contato com a arte. Os três quadros faziam um panorama da carreira do ator, começavam exatamente nos “Circos Spinelli e Democrata”, depois iam para os famosos teatros da “Praça Tiradentes” e terminavam nos filmes lendários da produtora “Atlântida”. As alegorias e tripés apresentavam peças e filmes da trajetória de Oscarito, apostando num multicolorido. Na Avenida, o desfile desandou e o samba pouco inspirado não animou nem componentes, nem a arquibancada. A escola passou arrastada e acabou tendo que correr no final da apresentação; confusão essa que gerou um sétimo lugar e um rebaixamento para o segundo grupo. 



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