O enredo do legado a da atemporalidade de Carolina Maria de Jesus

 

por Talitha Dejesus
“Assim como as palavras, as pessoas que as escrevem não podem ser apagadas.” 
(Carolina Maria de Jesus, 1960)
Dia 14 de março é o dia do nascimento da escritora Carolina Maria de Jesus e nada mais justo do que celebrar sua vida e seu legado. Você pode estar se perguntando: ‘’Qual a ligação da escritora com o Carnaval ou com o samba?’’, mas ao longo desse texto você vai compreender…
Antes de fazer esse paralelo da história da escritora com o universo do Carnaval, precisamos entender quem foi essa mulher e a importância dela para a cultura brasileira. A intenção aqui não é contar sua biografia, mas sim exaltar sua contribuição para a literatura brasileira e levantar reflexões sobre a vida e o legado dessa figura multifacetada que foi escritora, poetisa, compositora, sambista e muito mais. 
Vinte e seis anos após a Abolição da Escravatura, nasce Carolina na cidade de Sacramento, em Minas Gerais. Neta de escravizados e filha de lavadeira, frequentou a escola por apenas dois anos, onde pegou o gosto pela leitura e escrita. Ela chegou a São Paulo quando a cidade estava em processo de modernização e viu as primeiras favelas aparecendo. Construiu o seu barraco e, em 1947, se alojou na favela do Canindé. Lá, trabalhou como catadora de papel para sustentar a si e a seus três filhos que criava sozinha.
Carolina ficou mundialmente conhecida por seu livro ‘’Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada’’. O best-seller, publicado em 1960, relata suas vivências na favela e sobre como sobreviveu à fome. Nele, ela descreve a dor, o sofrimento e as angústias dos favelados de forma única, retratando a realidade assim como ela é, o que até hoje segue sendo um relato atual da condição de vida das favelas brasileiras. Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e vendas em mais de 40 países.
 

Carolina em 1961, antes de embarcar para o Uruguai para lançar o best-seller Quarto de Despejo.(Foto: Acervo Estadão)

Sabemos que a história dos negros e das mulheres sofre tentativas de apagamento diante de uma sociedade racista e machista. Carolina também foi vítima desse processo de invisibilidade, de forma dupla, por ser mulher e negra. 
O que poucos sabem é que Carolina, para além do Quarto de Despejo, publicou ainda em vida mais três livros e deixou guardadas mais de cinco mil páginas manuscritas, totalizando 58 cadernos que contêm sete romances, mais de sessenta textos com características de crônicas, fábulas, autobiografia e contos, além de mais de cem poemas, quatro peças de teatro, doze marchinhas de Carnaval e, em 1961, chegou a gravar um disco com canções compostas por ela mesma.
Apesar de silenciada, depois do estrondoso sucesso, ela se mantém como uma importante representante da literatura brasileira, tendo sua escrita como ferramenta de denúncia, protesto e desabafo. 
A autora também anuncia os dilemas de ser mulher: quando criança, desejou mudar de gênero e sonhou em se tornar homem. Isso não aconteceu porque queria mudar seu corpo, mas por conhecer as barreiras que lhe trariam sua condição feminina. Em seus escritos, também podemos encontrar muitas marcas de oralidade, que entendemos como uma herança africana. Ao relatar as suas próprias histórias cotidianas, ela reverencia os griôs – em alguns povos da África, eles são contadores de histórias que têm o compromisso de preservar e transmitir conhecimento e cultura. 
 

Carolina às margens do rio Tietê. (Foto: Reprodução)

A escritora era moradora da favela do Canindé, próxima ao rio, e era ali onde ela lavava suas roupas e pegava água para seu consumo e de seus filhos. Alguns trechos de seu best seller relatam a relação da autora com o Tietê. 
A ascensão da literatura negra e da literatura feminina foi fundamental para sua retomada ao cenário literário e acadêmico. Seus livros passaram a ser tema de teses e dissertações nas universidades e se tornaram leituras obrigatórias em escolas e vestibulares.
Como forma de manter seu legado, podemos encontrar muitas homenagens à autora em documentários, peças de teatro, pinturas, grafites, poemas, reportagens, feiras literárias, nomes de ruas e bibliotecas e muito mais…
Levando em consideração as origens da festa carnavalesca, é muito comum sermos presenteados com enredos sobre ancestralidade, religiões de matrizes africana e homenagens a personalidades negras, como é o caso de Carolina Maria de Jesus, que já foi homenageada no Sambódromo do Anhembi e na Marquês de Sapucaí. 
Como forma de reverenciar essa figura gigante, fã da folia e reforçar seu legado cultural e social, vamos relembrar desfiles em que a escritora foi homenageada: 
Desfile da Renascer em 2017. Foto: Ana Cristina Victória

Em 2017, pelo grupo de Acesso A, a escola de samba Renascer de Jacarepaguá desfilou com o enredo ‘’O Papel e o Mar’’, baseado num curta-metragem com o mesmo nome que narra um encontro imaginário entre a escritora e o almirante negro João Cândido, líder da Revolta da Chibata.
Foto: O Globo.

No Carnaval de 2018, Carolina foi homenageada pelo Salgueiro, dentro do enredo ‘’Senhoras do Ventre do Mundo’’, que fazia um tributo à mulher negra, representando desde rainhas guerreiras a figuras contemporâneas da força feminina. O carro que encerrou o desfile trazia uma releitura da obra Pietá, de Michelangelo, que em sua versão original representa Jesus Cristo morto nos braços de Virgem Maria e, no desfile da agremiação, era uma mulher negra vestida com textos da escritora retirados do livro “Quarto de Despejo”.

Levando o campeonato do Carnaval carioca em 2019, com ‘’História pra ninar gente grande’’ a Estação Primeira de Mangueira também prestou homenagem à Carolina. A ala “São Verde e Rosa as Multidões” representou as multidões de moradores de comunidades espalhadas pelo Brasil, com homens e mulheres carregando bandeiras de grandes personalidades, como por exemplo, o da escritora. 
Foto: Riotour.

“Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder!” foi o enredo da União da Ilha no Carnaval de 2020. Apesar do rebaixamento, o desfile tratou o tema importante da exclusão e invisibilidade social e mostrou que o caminho para vencer as mazelas é a educação. Com isso, a escola trouxe um elemento cenográfico no início do desfile homenageando a escritora em sua comissão de frente. 
Também em 2020, mas dessa vez no Sambódromo do Anhembi, Carolina foi reverenciada dentro do desfile da escola de samba Tom Maior. Com o enredo ‘’É Coisa de Preto’’, a escola teve como proposta enaltecer a negritude e lembrar como o povo negro contribuiu com o desenvolvimento da sociedade. Enaltecendo figuras negras que o racismo estrutural tentou ofuscar, Carolina foi uma das homenageadas em uma ala, que tinha como figurino páginas de um livro e, no chapéu, reprodução dos barracos da favela do Canindé. 
‘’Salve o povo da rua. 
Abre caminhos pro destino abençoar
Sou eu, Carolina de Jesus 
A voz da pele preta a ecoar.’’

 

Esse é o trecho do samba enredo da Colorado do Brás para o próximo Carnaval. A escola levará para a avenida o enredo “Carolina – A Cinderela Negra do Canindé”, que será desenvolvido pelo carnavalesco André Machado, em sua estreia na agremiação. 

Carolina nunca parou de escrever e nunca parou de dizer. Suas obras se tornaram a impressão da voz negra e feminina e daqueles que, por muito tempo, foram invisibilizados. Seu legado se perpetuou através do tempo para que nunca se esqueçam de que ela foi uma mulher negra resistente e representante da cultura brasileira, dentro e fora do nosso país. 
A vivência de Carolina é um grito de socorro que precisa ser ouvido, afinal, quantas Carolinas não existem por esse nosso Brasil? 

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