Processos da criação: Marcus Ferreira – A recriação e as dificuldades da criação na Série A

Por Leonardo Antan, Felipe de Souza e Beatriz Freire

A contagem regressiva para a folia vai nos deixando mais ansiosos e, então, é tempo de desvendar barracões, descobrir os segredos e saber um pouco do que as escolas preparam. Por isso, mas também por pura curiosidade nossa (confessamos), preparamos uma série de entrevistas com carnavalescos focada em seus processos de criação. Queremos saber de tudo, desde os primeiros riscos até a materialização do projeto. 

Depois da estreia com o carnavalesco Jorge Silveira, seguimos rumo à Série A. Campeão do grupo em 2017, com um desfile no Império Serrano sobre o poeta Manoel de Barros, o jovem Marcus Ferreira tem trajetória experiente no grupo de acesso, passando por diversas escolas. Após o título, o trabalho do artista ganhou um novo patamar e encara o desafio de assumir a Acadêmicos da Rocinha, que também vem de uma apresentação elogiada, assinada por João Vitor Araújo. Conversamos sobre os preparativos para este ano, as dificuldades da criação com a crise financeira e os momentos mais marcantes da sua carreira. Vem conferir.

CARNAVALIZE: O barracão é o seu espaço de produção de alegorias e fantasias, tudo é confeccionado aqui dentro ou ainda há algo que venha de fora? 
MARCUS: As únicas alas que não são feitas aqui são as alas comerciais; a escola tem quatro delas. O restante é produzido aqui dentro com o apoio da quadra também. Eu sempre mando algumas peças do carnaval que eles estão reproduzindo lá e já vem pronto.
CARNAVALIZE: E você fiscaliza todo o processo de produção, de adaptação dos protótipos, substituição de materiais para que qualquer contratempo que haja seja resolvido da melhor forma…
MARCUS: É um facilitador esse ano porque está tudo aqui, então até que não estou tendo problemas com substituição, mas, às vezes, sobra um pouquinho de uma ala, aí a gente joga pra cá… faz pequenos recortes e remaneja os materiais.
CARNAVALIZE: Como foi o processo de construção das alegorias? Foi focado num projeto de execução original ou houve um pensamento nas peças que você já tinha disponíveis para reaproveitar? 
MARCUS: Eu acho que o carnaval da Série A é um processo criativo que já vislumbra o que a gente ganha do Especial, acredito que praticamente 100% do grupo faça o reaproveitamento. Aqui, na Rocinha, eu queria trazer um carnaval maior esse ano, carros com mais volume, mais peças, já tendo em vista que a escola veio de um grande carnaval no último ano e que eu vim de um campeonato com o Império Serrano. Desde maio a gente está nesse processo de construção do carnaval, visando fazer um desfile com uma qualidade melhor.

Marcus Ferreira em meio a uma das alegorias para 2018 (Fonte: Reprodução/Acadêmicos da Rocinha)

CARNAVALIZE: O enredo de 2018 é sobre a xilogravura e você já havia desenvolvido um enredo na União do Parque Curicica, intitulado “Corações Mamulengos”. A relação com linguagens mais populares tem sido uma característica dos seus últimos trabalhos. Como isso tem se tornado exatamente um traço da sua personalidade como carnavalesco? 

MARCUS: Eu procuro sempre pensar em temas diferentes para o carnaval, eu acho que um bom carnaval parte de uma temática apropriada, de um tema bem escolhido. Quando eu fiz o carnaval da Curicica, conversando com a diretoria, na época, eles me pediram um enredo que tivesse uma linguagem diferente e que possivelmente focasse no Nordeste. Na época, eu tinha teatro dos mamulengos e foi um dos carnavais que mais me diverti fazendo. Dentro de todas as limitações da escola, mas que gostei muito de realizar

E ano passado, no Império Serrano, a gente tinha um contato com a Secretaria de Cultura do Mato Grosso do Sul e eles sugeriram que fizéssemos um carnaval sobre o Manoel de Barros, já que é um grande ícone do estado, e aí tentei dar aquele viés de brasilidade. Era um enredo pautado em cima do quintal dele mas com um olhar sobre tudo que ele via no meio natural do Pantanal sul-matogrossense; então, eu também dei um olhar mais, digamos, regionalista.

O abre-alas do desfile campeão de 2017 (Fonte: O Globo)

E esse ano, vindo pra Rocinha, eu apresentei três temas para a escola, um de temática nordestina e outros dois não. Por ser uma comunidade também de nordestinos, o presidente Ronaldo falou de imediato: “esse é o enredo da Rocinha”. Dentre os três, era mesmo o que eu tinha em mente fazer e ele também optou pelo “Madeira Matriz”. Os outros dois também eram ideias bacanas, mas acho que por desejo, esse ano queremos mostrar uma estampa diferente. Apesar de nordestino, o carnaval da Rocinha não tem uma cara de Nordeste, ele fala sobre artes plásticas. Então, eu queria muito realizar esse carnaval.

CARNAVALIZE: O enredo da Curicica em 2016, os Mamulengos, retrata o nordeste, mas é um Nordeste completamente diferente da xilogravura. Os dois propõem temas parecidos mas com possibilidade de soluções muito diferentes. Como é o processo de construção dessa estética? E como aliar esse processo de busca de referências a uma estética apurada e menos tradicional?
MARCUS: A minha ideia era fazer um carnaval diferente, eu acho que é dever do artista do carnaval motivar o carnaval carioca, trazer uma estética diferente, ou um enredo diferente. Então o pensamento de construção do desfile da Rocinha foi em cima disso. Ano passado eu até fiz um carnaval muito tradicional no Império Serrano, de fantasias e alegorias mais tradicionais. Pra esse ano, pensando pra 2018, eu queria trazer inovações em termos da fantasia, indumentária, corte de figurino, de modelagem e de estampa também, porque as fantasias da Rocinha são super simples em termos de material, mas eu queria dar esse requinte. São fantasias que mostram o enredo principalmente através da estamparia, da cor, da base do carnaval preto e branco, como é xilogravura. Meu processo criativo foi em cima disso, de pensar o novo.

CARNAVALIZE: Então basicamente a gente tem o preto e branco como base e você vai brincar em cima dessa paleta de cores durante o desfile?!
MARCUS: A minha ideia inicial era trazer a escola toda preta e branca, eu imaginava que a xilogravura se baseava nessas cores, então faria a escola toda nesse tom. Mas conversando como o J. Borges, ele me falou uma frase que eu achei emblemática: ele passou a fazer a xilogravura preta e branca, mas as mulheres sempre pediam um toque colorido. Como, por exemplo, um cortador de cana onde o desenho em si mantinha o preto e branco, mas a cana era verde. Ou o vendedor de bola, onde só a bola é colorida. Então assim nasceu o conceito do enredo da Rocinha.

Detalhes das alegorias para o desfile da Rocinha em 2018 (Fonte: Facebook)

CARNAVALIZE: Partindo pra uma segunda parte da entrevista, vamos focar mais em diferentes partes da sua carreira. Você iniciou a carreira na Mocidade de Vicente de Carvalho, na Intendente Magalhães, e pra 2018 você também assina a Curicica, na série B. Qual a principal diferença do processo criativo pra Intendente, que é um carnaval com mais dificuldades ainda que a Série A, e como esses problemas moldam seu trabalho?

MARCUS: Eu acho que a visibilidade da Série A traz uma maior cobrança, mas a luta na Intendente é maior. Esse ano o carnaval da Curicica é planejado com cara de série A, então acho que é basicamente isso. O carnaval da Série A é maior, o recurso na Intendente é mais escasso, com a ajuda de parceiros a gente tá conseguindo viabilizar. 
CARNAVALIZE: E o atraso da verba prejudicou bastante o processo?
MARCUS: Assim, se a verba já tivesse saído, o carnaval da Rocinha já estaria pronto. Mas a gente conseguiu caminhar bem sem ela.

CARNAVALIZE: Você inicia sua carreia na Estácio,  com dois carnavais, 2011 e 2012. Como foi essa estreia na escola e na Sapucaí? Quais as dificuldades e facilidades daqueles processos?
MARCUS: Quando eu assumi a Estácio, foi meio que no susto. Porque eu estava vindo de uma série C na época, subi pra B e fiz lá a Mocidade de Vicente de Carvalho, abrimos o grupo. Estava fazendo um curso na Argentina antes do presidente Marquinhos chegar com a proposta. E eu pensei “caramba, vou pular pra Série A”, pois até então eu havia feito séries B e C. Aí aceitei e fiz, foi bom na época, a escola estava com bastante dificuldade, mas houve muito empenho. Eles me pediram um enredo que tivesse esse viés de religiosidade, um pouco de romantismo.

Abre-alas da Estácio de Sá em 2011, do desfile “Rosas” assinado por Marcus.

Eu já estava na primeira semana de agosto, então já fiquei na Argentina pensando o que eu poderia fazer pro carnaval da Estácio, até que surgiu o enredo “Rosas”, que é um carnaval que eu guardo com bastante carinho. Tanto da escola, tanto do que pudemos realizar aquele ano. E aí, em 2012, eu continuei a pedido da diretoria e fizemos Luma de Oliveira. Foi um carnaval um pouco dificultoso, mas que eu conquistei todas as notas máximas em enredo, que era bastante contestado. Consegui chegar a uma leitura pra fugir do óbvio de uma biografia clássica, através de um poema do João Bosco, que, na época, deu um caminho ao enredo.  


CARNAVALIZE: E aí veio Jacarezinho em 2013, Renascer em 2014. Passou um ano na Intendente em 2015 novamente e aí você chega na Curicica em 2016, nessa carnaval que já comentamos, que é também um ponto de virada da sua carreira. É um desfile onde você conquista uma maturidade artística do processo, do comando de uma escola, que você consegue colocar mais a sua cara? Como você enxerga esse desfile na sua carreira?
MARCUS: Foi um desfile que também foi uma virada pra Curicica, né!? A escola tinha vindo de um carnaval muito traumático no ano anterior, por falta de fantasia. Então foi um carnaval bem planejado, o único empecilho foi um carro que não desfilou, quebrou dentro do barracão. Então a gente acabou ficando em décimo lugar por conta disso, porque senão chegaríamos muito mais a frente. Mas foi um carnaval que eu guardo com bastante carinho por tudo que eu pude realizar nesse processo – também de muita reciclagem.

Eu ouvi uma frase do Chico Spinoza que, pra ele, tinha sido o melhor carnaval da Série A daquele ano. Eu perdi vários prêmios aquele ano é por conta da falta da alegoria, é um quadro que conta muito. Mas depois eu fiquei sabendo através dos premiadores que era o enredo mais votado, mas pela falta do carro acabou não ganhando. Foi algo que assim me desmotivou muito, eu cheguei cedo na concentração e me disseram que a alegoria teve um problema mecânico. E era o carro mais bonito da escola, era todo feito de fuxico. Quando as pessoas entravam no barracão, ele era o que mais chamava atenção.

Abertura da elogiada apresentação de 2016 (Fonte: O Globo)

CARNAVALIZE: Você acha que essa foi a maior dificuldade da sua carreira, entre tantos que você já viveu na Série A? Essa foi a mais marcante? 
MARCUS: Acho que da minha carreira, as maiores dificuldade foram duas, foi quando eu fui carnavalesco da Renascer de Jacarepaguá, onde eu tive muita dificuldade de tentar finalizar o carnaval da escola e ano passado no Império Serrano também, pela cobrança que existia do público no entorno da escola, além das dificuldades históricas que todo mundo sabe que o Império passa. E havia também uma cobrança de título. Talvez o carnaval do ano passado tenha sido um dos mais baratos da minha carreira em termos de equivalência, com o tempo eu fui adquirindo essa manobra de fazer um carnaval vistoso com pouco recurso. 
CARNAVALIZE: Como pra esse ano, né…!? Vendo o seu trabalho nas redes sociais, como as fantasias têm volume, há um requinte mesmo não sendo materiais caros. É um conjunto que pode dar muito resultado na avenida…
MARCUS: As pessoas me perguntam “A Rocinha tá linda, vai dar para reproduzir?”. E estamos conseguindo, sim, fielmente. Às vezes falta um tecido ou outro, aí a gente muda pela mesma qualidade, faltou um amarelo eu coloco verde pois já tem na fantasia. Todos os meus amigos também então partindo pra isso, mas em termos de qualidade e volume, tem sido uma surpresa pra mim. A gente está conseguindo até em alegorias fazer um carnaval com carinho. Estamos caminhando bem. A minha parte de decoração e aplicação nos carros está com 90% pronto. É um trabalho que eu faço sempre, já deixo tudo adiantado pra esperar a madeira e o ferragem.
CARNAVALIZE: Pra finalizar, você conseguiu mexer muito na estrutura das alegorias? Você gosta de mexer? 
MARCUS: Esse ano eu estou mexendo em dois carros, o abre-alas e o segundo carro. Os outros, resolvi crescer, porque não se tem dinheiro nem tempo, pelo atraso e diminuição de verba. É melhor você finalizar um carnaval do que cortar, ainda mais sendo até a realidade das escolas do Especial.

Uma das fantasias da Rocinha para 2018, intitulada “Plantio da cana”.

Agradecemos demais a disponibilidade e simpatia de Marcus por ter nos recebido no barracão e trazer pra vocês mais sobre a visão desse artista da festa e seus processos de criação. Até o carnaval, toda sexta traremos mais entrevistas com outros carnavalescos. Até breve! 

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