SINOPSE: Inocentes de Belford Roxo | “O frasco do bandoleiro”

GRES Inocentes de Belford Roxo
Carnavalesco: Marcus Ferreira

O FRASCO DO BANDOLEIRO
(Baseado num causo com a boca na botija)
Glossário de cousas dos lajedos e areais:
Frasco (v.t.nordestina).1. Recipiente de barro, fibra de palha, madeira ou vidro. 2. De lata, que guarda o cultivo. 3. Balangandã de galhadas, prenúncio de vida local (povoado rural). 4. Amuleto das chuvas; aparador de águas. 5. Refratário itinerante do Cangaço. 6. Botija – cofre de finanças, tesouro que se enterra. 7. Ferramenta de artistas mambembes. 8. Ou, o famoso se vira na vida (aperreio), como já é de costume do nosso bravo povaréu nordestino.
ESSA ESTÓRIA DAVA UM CORDEL PARA CORRER O MUNDO:
(Ou estórias que o povo diz)
Lunário perpétuo. Frascaria que reflete o azul celeste. Olhar desenhado por linhas e varais de existência. Gambiarras são pontos de luz no coração de mais uma cidadezinha dos sertões da vida. Horizonte desvendado por um caminhar aberto por jegues pintados de zebras, carroças e passadas chegantes.
Palhaços tocam rabecas, malabares de cabaças cruzam o pouco ar que resta, equilibristas manejam garrafas. Guardeados por Bastiões em dia de Reis que portam ganzás de porongas. Na boca de cena, fantoches feitos de coco, entoados por um estridente xaxado, encenam o cangaço. Cangaço que parte para mais um alvoroço nas fazendas e vilarejos adiantes – como de costume. Além de chefe bandoleiro, Virgulino Ferreira da Silva foi modelista, repentista, cinéfilo e financiador de poetas e artistas itinerantes.
Pouco pra Deus muito; muito para o bando, pouco. Cena de filme de faroeste brasileiro ou Bang-Bang. Lenços cobriam a face dos bandoleiros. Pelas mãos, inúmeros anéis dos quinhões de mercadores, coronéis e fazendeiros. Seguem os alazões repletos de frascos vazios desbravando o terror nas terras do sol eminente. Arruaça feita, abastecidos: cuias de farinhais, cumbucas de grãos-cereais, balaios de caprinos, gaiolas repletas de penosas, bilhas da boa manteiga, pimenta-seca e o famoso perfume francês do Capitão. Seguem ao desconhecido repletos de feitorias – fisco temporário do viver.
Frascos cheios, pé na poeira. Nas grutas e cavernas a procura do esconderijo perfeito, onde a vida não alcançou. Ecoa na voz dos ribeirinhos do ´”Velho Chico” estórias de tesouros perdidos. Contam as rendeiras das proximidades do Vale do Raso da Catarina – Bahia, que Lampião em sua hospedagem, teria enterrado em frascos vazios de aguardente moedas de ouro e prata, joias e parte de sua ´´pila“. Até hoje, lá pelas bandas, ouve-se um cavalgar embalado por “mulher rendeira”, hino ao cangaço. Difícil imaginar quem ali se aventuraria a desenterrar tais botijas. Habitam o Raso, a lenda da Catarina (Xamã que se perdeu da tribo), homens-lobos, cruéis suçuaranas e a serpente encantada dos olhos de fogo.
Fora dali a vida é hostil, terrosa. Sina coiteira comparsa ao cangaço. Vento seco, ar que falta no balançar dos penduricalhos – prenúncio de vida rural. Frascos da lida de um povo solitário nos sertões bravios que guardam a seiva do viver – botijas, talvez. Cercados por limites naturais, fibras de murundus entrelaçadas, que pousam o secar de cabaças e porongas. Mãos de acalanto ao barro denso que moldam moringas, balaios, cestos do sacolejar até os açudes que nos restam – santidades a Padim Ciço nas romarias – o pedido das caatingas. Bens únicos ofertados pela natureza.
“Quem manda em nós é o destino” e o destino quis que fosse assim. Passos seguidos pela Volante na Grota do Angico-Sergipe, após atravessar o São Francisco, uma possível calmaria. Noite financiada por garrafas de vinho, meio ao cenário adornado de frascarias, fiéis companheiras do bando. Cantis se apoiam nos xique-xiques e facheiros; cestarias guardam cobertas e punhais; botijas-baús de joias; purrões resumidos a um fio; na fogueira, a chaleira aquecia a água. Amanhece com eles, testemunhos do fim. Alvejados sem piedade, degolados a mando, saqueados como nós de costume. Cabeças rumaram por meses; cidades como troféus erguidos em altares. Poucos foram os que restaram para o findar dessa estória.
Oitenta anos após o desaparecimento de Lampião e Maria Bonita, segue nosso inocente povaréu em “pane seca”, a buscar mesmos tesouros: nas caixas de feiras livres e mercados populares, em romaria empunhando frascos – combustíveis do viver. Só que dessa vez, pouco bandoleiros.
Os bandoleiros são outros.
(Conceito, Desenvolvimento, Texto)
Marcus Ferreira, Maio de 2018.
Bibliografia Dirigida:
Imagens do imaginário de Euclides da Cunha em Os Sertões (1902); Recortes fotográficos de Carlos Coimbra em Lampião, o Rei do Cangaço (1963); A Luneta do Tempo (2016) de Alceu Valença. O testemunho do Libanês Benjamin Abrahão pelo documentário Baile Perfumado (1997) e/ou a memória fotográfica de um viajante por esse Nordeste de nosso Deus.
Revisão Textual: Henrique Pessoa.
Colaboração: Cláudio Russo.

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