A #SérieIdentidade vai dominar o site em julho e no início de agosto, com textos novos às segundas e quintas.
Abrindo os trabalhos na #SérieIdentidade, atravessamos a Ponte Rio-Niterói rumo à São Gonçalo, município com mais de um milhão de habitantes que abriga grandes escolas de samba que surgiram no carnaval na década 1990. Inspirada da vizinha Viradouro, que deu adeus ao carnaval de Niterói querendo alçar voos maiores, a Porto da Pedra também cruzou a baía de Guanabara para brincar a folia carioca. Fundada, em 1978, como bloco de enredo, só virou escola de samba no início da década de 1980, disputando os campeonatos na cidade natal.
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Foto: Wigder Frota/Rádio Arquibancada |
Não só permanecendo, mas fazendo um desfile arrebatador na sua estreia na folia principal, a Porto mostrou que ninguém era vermelho e branco impunemente – como brincou o comentarista Fernando Pamplona ao elogiar a apresentação da escola. Contando a história do carnaval pelo mundo, o Tigre se mostrou “endiablado” e garantiu um surpreendente nono lugar. Para o ano seguinte, as expectativas não podiam ser modestas.
Mauro Quintaes ia para seu terceiro carnaval em conjunto com a comunidade de São Gonçalo, imprimindo uma marca moderna e de traços arrojados para agremiação, com enredos leves e animados. E a narrativa sobre a loucura continuou dando à Porto essa personalidade jovial e alegre, que se tornaria característica. O samba-enredo acompanhava essa marca de empolgação e foi muito bem defendido pelo intérprete Wantuir, em início de carreira. “Doida pra ganhar o carnaval”, a escola fez uma das melhores apresentações de sua história, marcando-se definitivamente como grande agremiação do carnaval fluminense. Num desfile leve e empolgante, soube aliar um belo trabalho plástico de Quintaes a uma comunidade comendo o chão da avenida. carregada de euforia. O resultado foi um honroso quinto lugar, que garantiu a volta nas campeãs, sendo a melhor posição da história da escola no grupo especial até hoje.
“Serra acima, rumo à Terra dos Coroados” (2002)
“Serra Acima/ Rumo a terra dos coroados/ Porto da Pedra vem exaltar/ E coroada hoje vai te coroar”
Após os ótimos carnavais de 1996 e 1997, o tigre de São Gonçalo oscilou entre os dois primeiros grupos em idas e vindas. Em 2001, a escola consagrou-se campeã e ascendeu novamente ao especial, desta vez comandada pelo jovem carnavalesco Cahê Rodrigues, que iniciava sua carreira. Em 2002, a escola homenageou Petrópolis com o enredo “Serra acima, rumo à terra dos coroados”, um carnaval definitivo para a permanência da alvirrubra de forma consolidada na elite carioca dali em diante, onde permaneceu por dez anos.
O desfile passou bem plasticamente e a condução do samba escrito por Evaldo Melodia, Ernesto do Cavaco e Beto Grande foi de ninguém mais que Preto Jóia, uma das maiores vozes do carnaval, que naquele ano retornou à Sapucaí depois de uma temporada em São Paulo. O enredo sobre a cidade imperial foi uma verdadeira aula de história, desde os caminhos da mineração, passando por Pedro II, Teresa Cristina e chegando até grandes nomes de sucesso do Brasil que tiveram afinidade com a cidade. A sorte sorriu para a comunidade de São Gonçalo e com apenas uma rebaixada naquele ano, a Porto da Pedra, enfim, buscaria um suado 11º lugar, mas que garantiu a permanência no grupo definitivamente.
“Carnaval – Festa Profana” (2005)
“Eu vou tomar um porre de felicidade/ Vou sacudir, eu vou zoar/ Toda a cidade”
Foi em 2005, porém, que a Porto da Pedra fez a Sapucaí vibrar com um samba pra lá de empolgado e velho conhecido dos sambistas: Festa Profana, enredo de 1989 da União da Ilha, sua escola madrinha, que havia sido desenvolvido por Ney Ayan, naquele ano passaria então nas cores do tigre de São Gonçalo, sob o comando de Alexandre Louzada. O enredo era uma metalinguagem: a história do próprio carnaval era contada num passeio por outras festividades clássicas, passando pelas orgias do deus Baco, as comemorações no Egito à Deusa Íris, os bailes em Veneza e chegando até o carnaval de rua de outrora, com o famoso entrudo.
Escola e arquibancadas tinham o samba na ponta da língua, de forma muito vibrante, sem espaço para o desânimo na noite daquela segunda-feira. As cores da escola estiveram bem presentes no cortejo, e alguns pontos do desenvolvimento do enredo se mostraram diferentes do desfile original, mas nada disso prejudicou a escola, que cruzou a linha final da Avenida com boas esperanças de um retorno no sábado das campeãs. A quarta-feira de cinzas trouxe o presente dos deuses momescos: um sétimo e confortável lugar foi o resultado final. Se a Ilha tinha motivos de sobra para guardar com carinho o inesquecível samba, a Porto da Pedra passou a compartilhar do mesmo sentimento.
“O sonho sempre vem pra quem sonhar…” (2011)
“No tablado consagrando a criação/ É a arte, vida em transformação/ Meu tigre chegou, aplausos no ar/ É Clara que me faz sonhar!”
Após patinar numa série de carnavais medianos, o Tigre voltou a mostrar que é uma escola grande quando deixou enredos históricos e mais densos de lado, apostando na leveza e jovialidade que são suas características mais marcantes. O enredo “O sonho sempre vem pra quem sonhar…” prestou uma homenagem à dramaturga Maria Clara Machado, grande nome do teatro infantil no Brasil e criadora do Tablado.
Paulo Menezes ia para seu segundo carnaval na alvirrubra e repetia o tributo à escritora, tema que já havia realizado na União da Ilha em 2003, no grupo de Acesso. Embalado por um lindo samba, dos mais bonitos daquele ano, o intérprete Luizinho Andanças soube dar ainda mais beleza a obra melódica que fazia um bela passagem pelas principais obras da autora, sendo muito bem cantado pela escola na pista.
Desfilando no dia de seu aniversário, 8 de março, a escola apostou em um carnaval colorido e leve, como pedia o tema. Ficam marcadas no imaginário momesco imagens singelas do cortejo, como o belo “Pluft, o fantasminha” sobrevoando a bateria em um balão de lua. A escola resgatou o estilo jovial e animado, que não vinha a alguns carnavais. Elogiada, a apresentação chegou em oitavo lugar na apuração, melhor resultado da escola em cinco apresentações, mas que sem dúvida poderia render uma volta nas campeãs com folga.
“Palhaço Carequinha, paixão e orgulho de São Gonçalo. Tá certo ou não tá?!” (2016)
“Paixão e orgulho… do meu lugar/ tá certo ou não tá? Vem com a gente brincar/ sou Porto da Pedra, sou pura emoção/ com essa trupe conquistei seu coração”
Após o indigesto rebaixamento de 2012, a Porto da Pedra demorou a se recuperar após o infeliz desfile patrocinado sobre o iogurte. Uma polêmica eterna do carnaval carioca. Com problemas de administração e trocas de carnavalesco, a escola batalhou para se apresentar em 2013, no Acesso. Apesar de uma boa apresentação no ano seguinte, com uma homenagem aos casais de mestre sala e porta-bandeira, a vermelho e branco fez um difícil carnaval sobre a energia no ano de 2015. A escola só conseguiu se restabelecer totalmente e voltar a brigar pelo acesso ao grupo principal em 2016, quando Jaime Cezário fez o primeiro de uma sequência de desfiles leves e muito bem relacionados com o público e com a própria comunidade de São Gonçalo, resgatando a personalidade da escola.
O enredo “Palhaço Carequinha, paixão e orgulho de São Gonçalo. Tá certo ou não tá?!” fez uma homenagem a um dos maiores palhaços brasileiros, famoso no picadeiro, na TV e nas rádios que alavancaram tantos de seus sucessos, relacionando ainda com o fato de ele ter sido ilustre morador de São Gonçalo, lugar onde viveu e morreu aos 90 anos. Muitos foram os bordões de sucesso, como “hoje tem marmelada? Tem, sim, senhor!” e as músicas que embalaram a infância da criançada, e a proposta era justamente fazer com que o público se reconhecesse na nostalgia do desfile. As referências musicais estavam representadas nas alegorias e a comissão de frente logo abriu o desfile com acrobatas, bailarinos e os palhaços que ficaram famosos no país, usando um picadeira inflável que gerou um belo efeito. A escola saiu da Avenida com o conforto de uma boa posição na parte de cima da tabela, certeza confirmada com um 5º lugar na classificação final, um marco de um novo momento que traria bons ares e outros ótimos carnavais nos anos seguintes.
Vivendo uma boa fase, a Porto da Pedra vem de uma trilogia de enredos que resgataram sua identidade leve e jovial, como a que a fez brilhar nos meados dos anos 90. A escola dá sequência ao feliz casamento com o carnavalesco Jaime Cezário e renderá tributo ao ator Antônio Pitanga para o ano que vem. Apesar de oscilar entre as posições e os grupos, nos seus mais de vinte anos desfilando em solo carioca, a Porto da Pedra se mostrou uma das grandes novas agremiações surgidas nas últimas décadas. Marcada pela leveza, a escola criou com seu Tigre um dos grandes símbolos da folia brasileira e que merece voltar a brilhar com seus carnavais, como vem fazendo.
*Texto dedicado a Rodrigo Cardoso, um dos membros iniciais do site e colaborador em diversas áreas, que escolheu a Porto da Pedra como escola do coração, mesmo morando no Rio Grande do Sul.
2 respostas
Este comentário foi removido pelo autor.
Parabéns aos profissionais do sitepela belíssima reportagem!