A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

 

Arte de Lucas Xavier

Por Adriano Prexedes
O ano era 2012, considerado por muitos um dos maiores carnavais da história do Sambódromo do Anhembi. A folia, geralmente, é lembrada pelo grande público por causa da confusão generalizada no final da leitura das notas, no dia 21 de fevereiro daquele ano, mas não se resume apenas a esse fato.
As catorze agremiações que formavam o Grupo Especial na ocasião proporcionaram ao público presente e aos telespectadores que acompanharam a transmissão momentos e imagens memoráveis. Entre estas escolas, estava uma ainda jovem integrante que se preparava para o que oficialmente seria seu sexto (guarde este número) desfile na elite do samba paulistano. Mas, antes de falarmos da apresentação de 2012, precisamos falar um pouco da trajetória da alviverde e de sua matriarca, Dona Norma de Luca. 
Em 1983, como resultado da fusão de três torcidas antigas, surge a Mancha Verde. Entre seus fundadores estavam Cléo Sóstenes e Paulo Rogério de Aquino, o Paulo Serdan. Além de frequentar os estádios, seus integrantes também eram foliões. A torcida chegou a ter uma ala no Águia de Ouro, agremiação oriunda do bairro da Pompéia, que também tem ligação com o futebol por ter surgido a partir de um clube de várzea, o Faísca de Ouro.
 
O grande sonho de Cléo era que a torcida tivesse uma escola de samba própria, e desfilasse um dia no grupo especial junto das principais agremiações da cidade. Infelizmente, meses após o carnaval de 1988, Sóstenes foi assassinado. Apesar da ideia não ter ido pra frente, o sonho não havia acabado. A semente plantada por ele ainda iria germinar.
Cléo Sóstenes (ao centro) e componentes da ala da torcida Mancha Verde nos preparativos do desfile de 1988 do Águia de Ouro. Crédito: acervo GRCES Mancha Verde.
A torcida seguiu crescendo e ganhando notoriedade, até que em 1995, após um conflito com um grupo adversário, a entidade palmeirense teve que ser extinta por força de uma decisão judicial. A torcida foi extinta, mas o espírito de celebração e alma sambística não. Muitos integrantes ainda faziam batuque e desfilavam. E foi em 1995, mais precisamente no dia 18 de outubro, que o sonho de Cléo começou a ganhar forma. Pela união de integrantes da torcida, entre eles Paulo Serdan, nasce o Grêmio Recreativo Cultural Bloco Carnavalesco Mancha Verde. A fundação contou com o apoio de alguns nomes do samba paulistano, como Eduardo e Ernani Basílio, da Rosas de Ouro, que se tornou a escola madrinha da alviverde.
Entre as figuras-chave para se contar a história da Mancha está a de Dona Norma de Luca, mãe do presidente Paulo Serdan. A ligação de Norma com a escola não se resume apenas à relação de parentesco com o comandante da entidade. Ela era uma mãe no sentido amplo da palavra. Muito cuidadosa, foi a grande incentivadora do sonho manchista desde a época da torcida. Quando Serdan foi presidente da torcida, ela esteve lá confeccionando bandeiras e acessórios para os jogos. 
No primeiro carnaval da Mancha, foi ela quem garantiu que o desfile acontecesse. E foi assim nos anos seguintes. Norma cedeu um espaço em seu estabelecimento comercial, que se tornou a sede e ateliê do então bloco. Lá, acompanhada dos “seus meninos”, componentes e voluntários, confeccionava todas as fantasias que seriam usadas nas apresentações. Em 1998, o bloco conseguiu sua primeira quadra, na Avenida Abraão Ribeiro e Dona Norma seguiu no comando da produção das fantasias, virando noites junto de seus meninos e meninas para garantir que tudo ficasse pronto a tempo.
E foi assim até o ano de 2003. Nesse tempo, o amor e a dedicação à agremiação foram se tornando cada vez maiores. A matriarca chegou a enfrentar as autoridades para garantir a segurança dos componentes e da quadra. Ao longo dos anos, ela se tornou a maior referência para a entidade por sua garra, amor, dedicação e perseverança. Dona Norma teve participação em vários setores da agremiação, desde a escolha do samba até a ala das baianas, pela qual tinha um carinho muito grande e se tornou madrinha.
Dona Norma de Luca nos preparativos para o desfile de 1998. Crédito: acervo GRCES Mancha Verde.
O primeiro desfile oficial da Mancha Verde foi em 1996, realizado no bairro de Vila Maria pelo grupo de espera de Blocos. O enredo era um chamado em prol da preservação das matas, que rendeu um vice-campeonato. Em 1997, a entidade se apresentou no Grupo 1 de blocos cantando a noite paulistana e conquistou o primeiro campeonato de sua história. É necessário abrir um parêntese aqui, pois, em 1997, ressurgiu oficialmente a torcida organizada, dois anos após a extinção da antiga Mancha Verde em 1995. Com o nome Mancha Alvi-Verde, o coletivo de torcedores não possui ligação jurídica com a agremiação carnavalesca.
Em 1998 se apresentou pela divisão de Blocos especiais, no Sambódromo do Anhembi, com um simpático samba-enredo sobre as palmeiras, que remetem ao nome do time de futebol ao qual a entidade presta reverência. O resultado foi mais um campeonato. No ano seguinte, um vice-campeonato. Tanto em 1998, quanto em 1999, a agremiação contou com a presença ilustre do intérprete Quinho, à época no Salgueiro. A alviverde contou com nomes importantes do carnaval no início de sua trajetória como Mestre Juca, Mestre Sombra, Douglinhas e Agnaldo Amaral.
Time de canto da Mancha Verde em 1998. Crédito: acervo GRCES Mancha Verde| Acervo Pessoal Douglinhas.
Após o carnaval de 1999 era dado um passo importante na história da Mancha: a entidade deixava de ser um bloco e passava a ser Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mancha Verde. Mais uma etapa na realização do sonho de Cléo Sóstenes era concretizada. Em 2000, então, foi realizado o primeiro desfile como escola de samba. No Grupo 3 da UESP (atual Acesso 1 de Bairros), o enredo foi “Brasil, que história é essa?”, que questionava pontos da história oficial do país. Quinho também foi o intérprete oficial, tendo se dividido entre a madrinha Rosas de Ouro e a afilhada. O resultado foi um vice-campeonato e o acesso para o Grupo 2 UESP (atual Especial de Bairros). E foi lá, que em 2001, a escola fez o seu primeiro enredo “afro”: “A busca da paz no axé dos Orixás”, que convocava uma grande gira para saudar os Orixás e pedir paz na Terra no início do novo milênio. E, tendo sido campeã do grupo 2, foi então promovida ao Grupo 1 da UESP (atual Acesso 2).
No Grupo 1 da UESP, mais um campeonato: a exaltação das lutas e conquistas da classe trabalhadora permitiu que a Mancha ficasse cada vez mais perto do seu objetivo de chegar ao Grupo Especial. No ano de 2003, o resultado foi muito positivo: um 3º lugar ao falar da cor verde. Após este carnaval, a confecção das fantasias deixava de estar sob a batuta de Dona Norma, que coordenava a produção das indumentárias na quadra, e passou a ser feita em ateliês externos. No carnaval monotemático dos 450 anos de São Paulo, a Mancha Verde brilhou ao cantar a influência italiana na capital paulista. Campeã do grupo de Acesso, a agremiação conquistou seu lugar entre as grandes.
Em sua estreia na elite do carnaval paulistano, a escola causou um impacto positivo com sua apresentação falando sobre o estado do Mato Grosso. O resultado final foi um 12º lugar que garantiu a permanência na divisão principal. Entretanto, os dois carnavais seguintes reservariam grandes emoções. A humildade e, principalmente, a perseverança, mais do que nunca, se tornaram tônicas na trajetória da agremiação.
Apesar de não estar juridicamente ligada à torcida organizada, a escola ainda mantinha e mantém uma ligação com os torcedores e o time. E assim, com o acesso dos Gaviões da Fiel em 2005 (a escola havia sido rebaixada em 2004), entrou em vigor uma regra imposta pela Liga-SP que determinava que as agremiações que tivessem relação com torcidas/clubes de futebol fossem alocadas em uma nova divisão: o Grupo Especial das Escolas de Samba Desportivas. Em teoria, na ocorrência de mais de uma escola de samba “de torcida” no Grupo Especial, todas seriam colocadas nesta divisão e disputariam um título à parte.
Na prática, não foi bem assim que as coisas se desenrolaram. Gaviões da Fiel e Mancha Verde procuraram juntas as vias jurídicas para reverter o efeito desta regra. Porém, apenas uma delas conseguiu. Os Gaviões obtiveram uma liminar, apoiada em uma brecha do regimento, que permitiu sua participação no Grupo Especial de 2006. Já a Mancha acabou não sendo contemplada com a decisão e foi obrigada a disputar sozinha o grupo das desportivas. Isolada, a alviverde ainda teve de lidar com a perda de sua maior incentivadora, Dona Norma de Luca. A matriarca faleceu dias antes da apresentação. Os componentes, baqueados pela perda de sua maior referência, ainda tiveram que lidar com outros problemas: primeiro, uma tentativa de invasão ao ateliê; e depois, um incêndio que destruiu o carro abre-alas que teve de ser reconstruído. Além disso, um dos componentes da comissão de frente teve de ser substituído a poucos dias do desfile.
Carro abre-alas da Mancha Verde em 2006 após o incêndio e durante o desfile, já reconstruído.
Com o enredo “Bem aventurados sejam os perseguidos por causa da justiça dos homens… porque deles é o reino dos céus”, uma clara referência a toda a situação a qual foi submetida, a agremiação foi a campeã do grupo das desportivas, já que era a única integrante. Para 2007, o isolamento se manteve mesmo sem a presença dos Gaviões na primeira divisão (a alvinegra foi rebaixada em 2006). “Decifra-me ou devoro-te! Apocalipse: quatro cavaleiros, três profecias e quatro segredos” foi o enredo que deu para a Mancha mais um título da divisão das desportivas. Caso tivesse disputado o Especial em 2006 e 2007, a escola teria ficado em 7º e 11º lugar, respectivamente.
Após a folia de 2007, o Grupo Especial das Escolas de Samba Desportivas foi dissolvido e, pela primeira vez, teríamos duas escolas “de torcida” desfilando pelo Grupo Especial, já que os Gaviões foram campeões do Acesso. Em 2008, a Mancha fez uma homenagem ao escritor Ariano Suassuna. A escola também enfrentou problemas para colocar o desfile na pista, mas as situações foram controladas e o resultado foi um 7º lugar no carnaval que é considerado por alguns a estreia oficial da agremiação no Grupo Especial. No carnaval de 2009, a Mancha cantou o estado de Pernambuco e ficou em 10º lugar. Consolidando-se na elite, em 2010 veio o primeiro resultado expressivo: com uma homenagem aos mestres e professores obteve um 4º lugar, que garantiu o primeiro desfile das campeãs como integrante do Especial. Em 2011, manteve o bom resultado tendo ficado em 4º lugar mais uma vez. O enredo “Uma ideia de gênio” levou para o Anhembi os pensamentos e ideias de grandes gênios da humanidade.
Entrada da Mancha Verde no carnaval 2011.Crédito:Daigo Oliva|G1
Agora, sem mais delongas, voltemos para o ano de 2012. O enredo da Mancha era “Pelas mãos do mensageiro do Axé a lição de Odu Obará: a humildade”, desenvolvido por uma comissão de carnaval formada a época por Pedro Alexandre “Magoo”, Troy Oliveri, Thiago de Xangô e Paolo Bianchi. Os Odus, traduzidos do Iorubá como “destinos”, são as figuras principais do enredo. São peças utilizadas no oráculo de Ifá, instrumento divinatório de religiões de matriz africana. São 16 os Odus principais e cada um deles possui mensagens (itans) associadas a si de acordo com as possibilidades de leitura.
O Odu destacado no enredo era Obará, o sexto na ordem de resposta do jogo, e, portanto, frequentemente associado ao número seis e seus múltiplos. E curiosamente, a escola estava oficialmente indo para o seu sexto desfile no Grupo Especial, além do ano em questão terminar em 12, um múltiplo de seis. Por mais que haja associação de Obará com o número 6, quando se olha para a chamada ordem de chegada na Terra, este Odu é o sétimo. E aí reside outra curiosidade, já que a agremiação foi a 7ª a desfilar.
No itan, Obará era o mais pobre dos 16 irmãos príncipes. Em uma visita anual ao Babalaô (sacerdote do culto de Ifá) os outros 15 irmãos foram presenteados com Morangas (abóboras), das quais desdenharam. Após este encontro, os 15 Odus seguiram para a casa de Obará, que era muito simples. Mesmo com todas as dificuldades, Obará usou todos os seus recursos para alimentar os irmãos, que após passarem a noite em sua casa se foram. Obará acabou ficando sem nenhum alimento, exceto as abóboras deixadas por seus irmãos. Sem ter o que comer, ele pede a esposa que abra as abóboras, e os dois se deparam com muito ouro e pedras preciosas. Obará prosperou. A grande lição é que a generosidade e a humildade devem prevalecer sobre o orgulho, a ganância e a vaidade. A narrativa proposta utiliza o conto para pedir uma mudança da atitude dos seres humanos em relação ao seu entorno, prezando por um convívio mais harmônico e menos destrutivo. Última escola da primeira noite, foi por volta das 7h da manhã já do sábado, 18 de fevereiro de 2012, que a Mancha Verde adentrou a avenida. Porém, antes, um susto: o braço da escultura principal do carro abre-alas se soltou. Entretanto, o problema foi solucionado e não causou maiores contratempos. 
Detalhe da comissão de frente da Mancha Verde em 2012.Crédito: Levi Bianco
Embalado pelo samba-enredo de Freddy Vianna (também o intérprete); Armênio Poesia e Channel, o cortejo se iniciava com a comissão de frente que trazia 14 Orixás (Exu; Ogum; Oxóssi; Obaluaiê; Nanã; Ossain; Xangô; Oxumarê; Oxum; Iansã; Ewa; Obá; Iemanjá e Oxalá), designados pelo Deus supremo e associados às forças da natureza. A performance encabeçada por Exu abria os caminhos para o carro abre-alas “O mundo em destruição” que trazia um cenário de devastação com peixes em decomposição, mar poluído e um grande esqueleto. Na parte traseira, uma figura feminina representava a natureza agonizando em razão do dano causado pela ganância e soberba do homem. A alegoria retratava a passagem inicial do enredo, onde sob uma perspectiva negativa, um babalaô recorre ao tabuleiro de Ifá em busca de respostas. O sacerdote é respondido pelo mensageiro, Exu, que começa a lhe revelar a lição.
“A fé eu fui buscar
Com meu clamor ao mensageiro
Sou babalorixá
A dor de um mundo inteiro”
Traseira do abre-alas da Mancha Verde. Crédito: Reprodução Internet
Exu se encontrava também representado em um tripé e na segunda ala do desfile, após o abre-alas. Na sequência, vinha a bateria comandada por Mestre Moleza e Mestre Caju. Os Ogãs da escola representavam os Ogãs do Candomblé, responsáveis pela condução rítmica e musical nos rituais da religião. Seguindo a bateria, estava a ala de passistas e, logo depois, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Fabiano Dourado e Jéssika Gioz. Ele vinha como um babalorixá, enquanto ela representava um tabuleiro do jogo de ifá com uma saia vazada com plumas e adereços em branco e tons de marrom/palha.
1º casal da Mancha Verde em 2012.Crédito:José Cordeiro|SPTuris
“A resposta que vem dos búzios” era o nome da segunda alegoria, que ilustrava justamente o jogo do Ifá e a leitura das respostas. Chama-se atenção para as representações trazidas nas esculturas principais do carro: sentado, aparece um babalaô fazendo a leitura dos búzios. A frente, aguardando as respostas, uma figura feminina, clara referência à Dona Norma de Luca. Já foi comentado anteriormente sobre a relação maternal de Norma com a escola e sua comunidade: Mas talvez poucos saibam sobre a vida religiosa da grande dama da Mancha, que era praticante do Candomblé, iniciada em Oxumarê. Atrás da segunda alegoria vinham as baianas, xodós de dona Norma, que estavam vestidas como “Ayê, a mais bela criação de Olorum”, que representava a criação da Terra pelo Deus supremo. A indumentária em verde com a barra da saia em azul era adereçada com muitas flores.
Segunda alegoria da Mancha Verde. Crédito: Reprodução| Palmeiras Online
“Tenho a sede do saber
E ainda muito o que aprender
Se Olorum é o pai da criação
eu sou mais um dos filhos desse chão”
As alas, na sequência, falavam da criação do mundo e dos elementos da natureza, também representados pelo segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Leandro e Luana. A mensagem começava a ser revelada para o babalaô. Olorum ao criar o universo, designou a vida e também os Orixás. Ao perceber que o ser humano seria falho e entraria num ciclo de degradação e perdição, o Deus supremo designa Orunmilá, senhor dos destinos. Com o dom da eternidade, Orunmilá acumula experiência e sabedoria a ser passada aos seres humanos. E, para que essas mensagens fossem transmitidas, o Orixá dos destinos designa os Odus, aqui representados por príncipes, que tinham a missão de revelar as verdades e ensinar suas lições aos homens.
“Orunmilá
Criou senhores do destino
A cada irmão deu seu ensino
E o dom em conhecer as direções”
Na história contada pela Mancha, a revelação era a lição de Odu Obará, representada na terceira alegoria, “A recompensa de Odu Obará”. O carro trazia no centro a morada de Obará, uma casa simples de palha e madeira. A casa era rodeada por grandes abóboras, aquelas deixadas por seus irmãos, onde composições vinham vestidas como as joias contidas nos frutos. Na parte traseira, aparecem referências à Xangô, Orixá justiceiro que junto de Oxóssi é associado ao Odu Obará.
“Obá! Obá!
O olhar de cobiça vai perceber
Babalaô! Faz a justiça vencer, meu pai Xangô
A simplicidade vai determinar a riqueza na lição de Obará”

Exu ainda mostra ao babalaô o presente de Olorum ao Universo na forma dos Orixás, regentes das forças da natureza, para que assim se tomasse consciência de toda a riqueza e exuberância dada ao homem, da qual o mesmo não soube usufruir. O setor era aberto com uma ala em referência a Ogum, sucedida pela ala de Oxóssi, senhor das matas. O terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira representava o senhor das folhas, Ossain. O poder de cura e regeneração vinha na potência de Obaluaiê, representada na ala seguinte. Oxumarê vinha como o símbolo do renascimento e renovação. Em seguida temos Nanã, da lama, dos pântanos e da sabedoria. Oxum, senhora das águas doces e símbolo de beleza e riqueza era representada na ala que sucedia a de Nanã e dava lugar ao quarto carro alegórico, “Orixás: os presentes do criador”. O cenário era encabeçado por Iemanjá, divindade das águas salgadas associada à maternidade e à vida, e trazia também representações de outros Orixás do panteão Iorubá. 

“Que os ventos de Iansã
Levem Oxum, Obá, Nanã
No encontro com o mar, a vida é linda, salve Oxalá
Sementes vão trazer às folhas o poder
É o fim de uma era que se regenera em Obaluaiê”
Depois de absorver e compreender as mensagens reveladas, o babalaô cai aos prantos e clama por perdão pelos erros do homem. Ele pede que lhe seja mostrado o caminho para mudança, que lhe seja dada a devida punição, o devido castigo por suas falhas e pelas falhas da humanidade.
“Ó, senhor
Perdoai a humanidade
Iluminai a consciência
Pra guiar essa mudança”
Exu transmite a mensagem de Olorum, que concede o perdão e enxerga no babalaô o desejo de mudança e a humildade ensinada na lição de Odu Obará ao vê-lo assumir os erros de toda a humanidade. Assim, o sacerdote é designado o mensageiro do axé, incumbido com a missão de transmitir para toda humanidade a lição aprendida, para que assim o Universo passe a trilhar o caminho para o “Mundo que Olorum sonhou”. Esse é o nome do quinto e último carro do cortejo, que se contrapõe à imagem do abre-alas, trazendo a Terra regenerada com águas limpas, animais vivos e as matas exuberantes. Na parte traseira, a escultura feminina, agora diferente do início, era verde e viva.
“Vou guardar no coração, levar em minhas mãos
A mensagem de esperança”
Traseira do último carro da Mancha Verde.Crédito: Rivaldo Gomes|FolhaPress
Com uma evolução tranquila, a Mancha Verde, banhada pelos raios de sol, encerrou uma apresentação tocante e emocionante. E, ao fechar os portões, ecoavam os gritos de “é campeã” dos componentes. Apesar do visual mais simples, o que denotava recursos mais limitados em relação às escolas grandes da época, a Mancha cumpriu o seu papel em nos ensinar a lição de Odu Obará. Seus grandes trunfos foram o belíssimo samba-enredo, cujos versos foram citados ao longo deste texto, e a bateria dos já citados Caju e Moleza. O envolvimento da comunidade também fez a diferença na apresentação. Na conturbada apuração, a agremiação terminou no quarto lugar com o total de 159,5, meio ponto atrás da campeã. Os descontos foram nos quesitos fantasias (0,3), mestre-sala e porta-bandeira (0,1) e harmonia (0,1).
Independentemente da classificação, a Mancha Verde cumpriu a missão de ser a mensageira do axé e nos ensinar uma valiosa lição. E, mais do que isso, o enredo de 2012 evoca valores e sentimentos que sempre estiveram presentes na história da escola. A humildade e, principalmente, a perseverança marcam a trajetória da agremiação que, por muitas vezes, viu o seu sonho ameaçado. Hoje o ideal de Cléo Sostenes é uma realidade. 
A Mancha é uma das principais e mais estruturadas escolas de São Paulo, com dois títulos e dois vice-campeonatos na elite. E se hoje tudo isso é real, em boa parte se deve a uma estrela mãe, que mostrou qual o caminho a seguir. É para ela que este desfile é dedicado, como deixado explícito pelo presidente Paulo Serdan durante seu discurso naquele ano. A “Norma da sabedoria”, como diz o samba de 2010, hoje em dia dá nome a rua onde se localiza a quadra da alviverde e continua regendo e iluminando os caminhos da Mancha para uma história de glórias e conquistas.
Agradecimentos:
Carlos Costa – Diretor do coletivo LGBTQIAP+ palmeirense PorcoÍris
Lucas Malagone – Equipe de comunicação do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mancha Verde

Comente o que achou:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja mais

Posts Relacionados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

 A Jac Produções lança o projeto "Um carnaval para Maria Quitéria", que desenvolveu um estudo de desfile de escola de samba em homenagem a essa heroína da nossa independência. O

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

Arte de Julianna LemosPor Adriano PrexedesSejam bem-vindos de novo! Desta vez, nossa aventura sambística nos levará para outro destino: vamos até o Espírito Santo para conhecer a trajetória de uma

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

    Arte de Lucas MonteiroPor Felipe CamargoJá se tornou algo que os amantes do Carnaval carioca debatem e mencionam todos os anos. Com um misto de esperança, medo e reclamação,

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

Arte de Jéssica BarbosaPor Adriano PrexedesAtenção! Vamos embarcar numa viagem carnavalesca pela cidade que nunca para. Relembraremos uma São Paulo que, durante a folia, se vestia de cores vibrantes. De

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

 Arte por Lucas MonteiroTexto: Débora Moraes Rosa Magalhães e Leandro Vieira são os carnavalescos que mais tiveram seus trabalhos exibidos em exposições em instituições de arte. Além de colecionarem esse título,

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

 Arte de Lucas XavierPor Adriano PrexedesO ano era 2012, considerado por muitos um dos maiores carnavais da história do Sambódromo do Anhembi. A folia, geralmente, é lembrada pelo grande público

VISITE SAL60!

SOBRE NÓS

Somos um projeto multiplataforma que busca valorizar o carnaval e as escolas de samba resgatando sua história e seus grandes personagens. Atuamos não só na internet e nas redes sociais, mas na produção de eventos, exposições e produtos que valorizem nosso maior evento artístico-cultural.

SIGA A GENTE

DESFILE DAS CAMPEÃS

COLUNAS/SÉRIES