Por Leonardo Antan
“Azul por fora, mas vermelhinha por dentro” é uma máxima que ajuda a definir a história da Unidos de Vila Isabel. Apesar da coroa como símbolo e o nome nobre, a Unidos de Vila Isabel não tem nada de monárquica. Pelo contrário… durante sua trajetória de mais de 70 anos, a agremiação se destacou ao longo da sua história por sambas engajados e progressistas, que versam sobre os direitos universais, os trabalhadores e as desigualdades sociais. Sempre se posicionando à esquerda, a azul é branco mostrou que a cor que pulsa mesmo dentro de si é o vermelho. Entendendo e respeitando isso separamos cinco sambas sociais do povo de Noel.
1) 1972 – Onde o Brasil aprendeu a liberdade
“Vamos preparar lindos mamulengos pra comemorar a libertação…”
Martinha da Vila não carrega o nome do místico bairro carioca à toa. Se é da personalidade da agremiação sambas com pegada social, muito vem da consciência política do cantor que nunca escondeu seu posicionamento. O primeiro encontro entre esses interesses é de 1972, quando em plena Ditadura Militar, a azul e branco marcou sua oposição ao governo de maneira sutil num samba de Martinho que passeava pela liberdade na história brasileira numa época em que a população era privada de muitos direitos e principalmente da liberdade de expressão. O conteúdo político é expresso no conteúdo histórico do samba, um belo exemplo de discurso velado que buscava driblar a censura. A escola da Zona Norte conseguiu um confortável 6º lugar e deixou na história o lindo samba que já fora regravado algumas vezes.
3) 1989 – Direito é Direito
“A Declaração Universal não é um sonho, temos que fazer cumprir
A justiça é cega, mas enxerga quando quer…”
Após o título arrasta-quarteirão de 1988, que também tem seu lado à esquerda, a escola de Noel seguiu a pauta apresentando um samba forte e dando continuidade na luta pelo direitos depois do grito pelo igualdade racial. Por trás desse período, além do já citado Martinho da Vila estaria uma personagem pouco falada, mas de extrema importância: a presidente Ruça liderou a agremiação entre os anos 1987 e 90, com enredos mais marcantes neste sentido. O samba de letra emocionante sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos embalou um desfile correto, que começou marcante com uma comissão de frente formada por grávidas, garantindo o estandarte de ouro daquele ano. Apesar da plástica mais simples, foi um desfile empolgado e valente que conquistou um honroso quarto lugar num dos anos mais turbulentos da história carnavalesca.
3) 1990 – Se essa terra, se essa terra fosse minha…
“É a Vila a cantar que felicidade é dividir
Com igualdade pra reforma, reformar…”
Encerrando a trilogia histórica presidida por Ruça, iniciada dois anos antes, a Vila apresentaria um enredo igualmente contestatório, misturando crítica à reforma agrária com um panorama histórico sobre as terras brasileiras, desde a colonização até as desigualdades que ainda vigoram no país. O belo samba-enredo foi escolhido após uma disputa de samba polêmica. Defendido pelo inexorável Gera, o samba se mostrou pujante na Avenida. A estética assinada por Ilvamar Magalhães dava sequência a um visual mais simples de materiais baratos. Apesar de corretos plasticamente, alguns dos carros da escola tiveram problemas durante o desfile, impedindo uma melhor posição da agremiação, que amargou um décimo segundo lugar.
4) 2008 – Trabalhadores do Brasil
“Hoje é dia do trabalhador que conquistou o seu lugar
E vai nossa Vila, fazendo história pra luta do povo eternizar”
Depois de um longo período, o samba de 2008 sobre os trabalhadores brasileiros resgatou, em certa medida, a vertente social na agremiação. Afinal, nada mais adequado pra uma escola com uma história de luta como a que estamos contando, levar pra avenida a luta das conquistas trabalhistas desde a colonização. A curiosidade é que o enredo acabou levando o mesmo título que a apresentação de 1951, ambos em referência aos discursos do presidente Getúlio Vargas. O povo de Noel, que tinha sido campeão dois anos antes, fez uma apresentação na média. O carnavalesco Alex de Souza fez um belo trabalho nos quesitos estéticos, com alegorias de bom gosto e um desenvolvimento correto do enredo. Apesar de agradável, o samba não tinha nenhum brilhantismo e não cumpriu seu papel na hora do desfile. Some-se a isso ainda, problemas de evolução com a demora na entrada do último carro, fatores que fizeram a escola terminar em nono lugar.
5) 2016 – Memórias do Pai Arraia – um sonho pernambucano, um legado brasileiro
“Pra ver na avenida, meu valor na mensageira Vila
gente aguerrida que defende a tradição do seu lugar
um Movimento de Cultura Popular…”
A volta de Alex de Souza, que após a chegada em 2008 permaneceu até 2010, marcaria o retorno de mais um enredo que flertaria com as lutas sociais, numa homenagem a um dos principais líderes da esquerda na história brasileira. A homenagem sugerida por Martinho da Vila ao centenário de Miguel Arraes permeava o legado político e cultural da atuação do político no estado de Pernambuco. Vindo de carnavais problemáticos, a azul-e-branco acabou se superando e fazendo uma apresentação na garra e na força. O excelente samba composto por nomes de peso como Martinho da Vila, André Diniz, Mart’nália, Arlindo Cruz e Leonel embalou um desfile alegre e aguerrido, com uma plástica correta, que terminou em oitavo lugar.
Além das dicotomias políticas, o carnaval deve ser a festa da liberdade e da pluralidade. Por isso, é louvável uma escola mostrar sua personalidade em temáticas diversas, celebrando assim diferentes enredos e visões que podem conviver harmonicamente. Assim, a Vila pode seguir trazendo as pautas sociais em diversos carnavais e outras agremiações mostrarem outros lados. Fato é que o azul e branco de Noel sempre vai ter uma mancha vermelha orgulhosa, graças a Martinho, Ruça e outras figuras.