Uma novata com pose de veterana. Desde que deixou a festança de Nitéroi e cruzou a ponte rumo ao carnaval carioca, a Viradouro trouxe consigo uma bagagem que lhe deu corpo para conseguir feitos impressionantes e se fixar no imaginário carnavalesco. Apesar de frequentar o carnaval da capital há pouco mais de vinte e poucos anos, a vermelho e branco está presente nas rodas de conversa e nas antologias de grandes desfiles e sambas. Com uma torcida que rompeu as barreiras de sua cidade e se espalha pelo Brasil, a escola vive uma fase turbulenta, oscilando entre os grupos, mas mantém no inconsciente dos foliões o seu tamanho e a presença de sua comunidade valente, além da sede de bons resultados.
Para celebrar uma das grandes agremiações das últimas décadas, separamos cinco apresentações memoráveis do furacão alvirrubro que ajudam a sintetizar a sua história no carnaval da Sapucaí. Vem, pois o amor está no ar!
BRAVO, BRAVÍSSIMO – DERCY, O RETRATO DE UM POVO (1991)
A homenageada Dercy Gonçalves em destaque no desfile da Viradouro (Foto: Acervo OGlobo) |
Embalada pela ascensão ao Grupo Especial, em 1991 a Viradouro investiu em uma homenagem à Dercy Gonçalves, com o enredo “Bravo, Bravíssimo! Dercy Gonçalves – o retrato de um povo”, contando a história da atriz. Dercy se tornou reconhecida pela irreverência e pelo humor diferenciado e único, com o uso rotineiro dos palavrões como sua verdadeira assinatura. O desfile desenvolvido pelo carnavalesco Max Lopes, que já estava na escola desde o carnaval anterior, foi de muito bom gosto e tudo saiu como o planejado, salvo por um problema pequeno de evolução ocasionado pela chuva, e outros deslizes que não comprometeram tanto a apresentação da escola de Niterói.
Fato é que a atriz, por si só, era um monumento: aos 83 anos, a Dercy, sempre jovem e dona de si, abaixou o decote do vestido e passou com os seios desnudos pela Sapucaí, acenando e mandando beijos ao público. E no peito aberto da homenageada veio o amor e a boa sorte: a Viradouro terminou em sétimo lugar, garantindo com muita folga e conforto a permanência que duraria muitos anos na elite carioca e assinando no livro de sua própria história uma página inesquecível.
TREVAS! LUZ! A EXPLOSÃO DO UNIVERSO (1997)
Os delírios de João 30 no único campeonato da escola de Niterói (Foto: Acervo OGlobo) |
Investindo na chegada do maior nome da folia de então, a agremiação viu todos os holofotes se virarem para ela com a contratação de Joãosinho Trinta. O carnavalesco onírico e das formas gigantescas foi aos poucos moldando e adaptando a Virando para sonhar cada vez mais alto. Em 97, a escola estava em seu quarto carnaval assinado pelo artista, um ano após o fracasso de uma apresentação que prometia uma releitura de Aquarela do Brasil, com diversos falhas. Em outros aspectos, também, aquele foi um carnaval de superação para a alvinegra; João sofreu uma isquemia e perdeu o movimento de um lado do corpo. Entrando na avenida longe de ser protagonista, todo o público se surpreendeu com o imenso abre-alas negro que despontou. Era o “nada”.
Em meio ao momento de disputa artística entre Rosa e Renato, João deu uma tacada de mestre, reinventou-se e reconquistou o papel de destaque categórico com a estética daquele carnaval. A Viradouro fez uma apresentação de alto nível nos quesitos plásticos, aliado a um samba animado que prometia uma “explosão de alegria” na voz sempre marcante de Dominguinhos do Estácio. Na bateria, outro trunfo daquela apresentação: a paradinha funk de mestre Jorjão trouxe o ritmo que tomava conta dos bailes da cidade para Sapucaí. Foi impossível não se acabar. Com apresentação avassaladora, coroou-se quase uma ressurreição de um artista genial e o primeiro título da novata escola, apenas sete desfiles depois de chegar ao grupo principal.
PEDIU PRA PARÁ, PAROU! COM A VIRADOURO EU VOU PRO CÍRIO DE NAZARÉ (2004)
Mauro Quintaes foi responsável por assinar a reedição (Foto: Wigder Frota) |
Mantendo-se sempre entre as primeiras posições, a Viradouro se fixou pouco a pouco no imaginário da festa como escola encorpada e sempre na busca de bons resultados. Em 2004, o cenário não era diferente, já que a vermelho e branco vinha de uma boa apresentação em homenagem à Bibi Ferreira. Os trabalhos estavam sob a batuta de Mauro Quintaes, um dos artistas mais relevantes e criativos da época, que assinou boas apresentações na Porto da Pedra e no Salgueiro nos anos anteriores. O pré-carnaval, no entanto, gerou um pequeno quiproquó. A escola começou os trabalhos com a promessa de um novo tributo para a maior festa da fé no país, o Círio de Nazaré, que seria embalado por um samba original. Porém, em meio ao receio sobre a preparação de uma nova obra e com a liberação da LIESA do uso das reedições de composições antigas, a diretoria da Viradouro voltou atrás e anunciou o uso de “Festa do Círio de Nazaré”, famoso samba da Unidos do São Carlos de 1976.
A Viradouro despontou na avenida com uma impactante abertura, apostando em vertentes cênicas. A comissão de frente assinada por Déborah Colcker investiu em uma coreografia arrojada e forte, seguida por uma procissão de foliões que remetia o Círio. Nas alegorias e alas, Mauro fez um dos grandes trabalhos de sua carreira, com carros bem desenhados e originais. A escola fez uma grande apresentação, e, por meio do bom uso do samba e da beleza plástica, foi coroada com um honroso quarto lugar na classificação geral.
A VIRADOURO VIRA O JOGO (2007)
Em 2007, a Viradouro trouxe os diversos jogos para a Sapucaí (Foto extraída de Flickr) |
Repetindo uma história já conhecida, a Viradouro voltou a atrair as atenções quando contratou o carnavalesco mais badalado e em alta daquele momento. Depois de um período memorável de três desfiles na Unidos da Tijuca, que mudou o patamar da azul e amarela do Borel, Paulo Barros se tornou a grande revelação da folia carioca. Com a pressa de vôos mais altos para a escola e para o artista, a comunidade entrou na avenida apostando alto no enredo sobre os jogos.
Barros prometeu um show de inovações, que começou com uma simpática comissão de frente, uma porta-bandeira com uma saia curta em forma de roleta de jogos com rajadas de fogo e um abre-alas apostando na já consagrada característica do carnavalesco: o uso de elementos humano. O grande coringa do desfile, entretanto, envolvia a bateria! Os ritmistas comandados por mestre Ciça cruzaram parte da avenida em cima de uma imensa alegoria que simbolizava o jogo de xadrez. Com um samba animado, cantado por Dominguinhos do Estácio, a Viradouro fez uma boa e divertida apresentação. Um desdobramento mais relevante que o sexto lugar conquistado, o refrão “esse jogo vai virar, eu quero ser o vencedor” permanece no imaginário momesco.
SOU A TERRA DE ISMAEL. GUANABARAN VOU CRUZAR, PARA VOCÊ TIRO O CHAPÉU, RIO EU VIM TE ABRAÇAR (2014)
Com João Vitor Araújo, a Viradouro conquistou o título da Série A em 2014 (Foto: Jornal Extra) |
Já caminhando para o quarto carnaval fora do Grupo Especial, em 2014 a Viradouro comandada pelo jovem carnavalesco João Vitor Araújo estava decidida a fazer um carnaval que a impulsionasse de volta ao rol das doze grandes. “Sou a Terra de Ismael, ‘Guanabaran’ eu vou cruzar… Pra você tiro o chapéu, Rio eu vim te abraçar” foi o enredo que transitou entre a Cidade Sorriso e o Rio de Janeiro, levando ao público a história de Araribóia e as ligações com a cidade vizinha. Ainda que iniciante, o carnavalesco mostrou muito bem seu apuro estético e maturidade artística, indispensáveis para a conquista do título na quarta-feira de cinzas. Guanabaran marcou a volta da escola para 2015, ano em que novamente foi rebaixada por inúmeros problemas debaixo de um dilúvio.
Retornando ao grupo especial e apostando na recontratação de Paulo Barros dez anos após a primeira passagem do artista pela agremiação, a Viradouro chega para o próximo ano com altas expectativas e promessas de alcançar grandes voos. Estruturada e com apoio de seus dirigentes e sua já conhecida comunidade leal e apaixonada, a escola vive uma boa fase e pretende resgatar o orgulho de uma campeã.
5 respostas
Parabéns pelo trabalho, pessoal. Só acho que o desfile de 92 não poderia ter ficado de fora deste top 5 da Viradouro. Pela imponência e riqueza que a escola apresentou apenas no seu segundo ano de Especial, pelo grande samba, e pelo fatídico e famoso incêndio na alegoria dos lobos da neve, que tirou as chances de título da escola, que eram grandes antes deste fato. Abraços!
Faltou o desfile de 1998.
Opa, boa tarde!
Primeiramente, muito obrigado pelo retorno. Aqui no site temos duas matérias em que o desfile de 98, que é sem dúvidas uma bela apresentação, aparece: a primeira é uma lista com 12 desfiles que explicam o orgulho do torcedor da Viradouro; o segundo é uma análise sobre Orfeu, desde a Comissão de Frente até o fechar dos portões. Dá uma conferida lá! 🙂
Obrigado, Rafael!
Sempre é difícil escolher apenas 5 desfiles, e o de 92 é, de fato, indispensável na trajetória da escola. Numa outra matéria aqui do site, fizemos uma lista com 12 desfiles que explicam o orgulho do torcedor viradourense e ele está lá. Dá uma lida e depois conta pra gente o que achou :).
Abração!
Escolher os sambas / desfiles da Viradouro é trabalho árduo…mas eu também não deixaria o samba/desfile de 1992 de fora. O título teria vindo… aaaaaa, teria!