por Leonardo Antan
Maranhense, baixinho, arretado, genial, artista. Joãosinho Trinta é uma daquelas figuras que surgem poucas vezes na História. Responsável por uma revolução nos desfiles, este mestre realizou grandes inovações como a introdução de novos materiais, verticalização das alegorias e fantasias, protagonismo absoluto do carnavalesco. No enredo deixou sua maior marca, a introdução do caráter onírico nos enredos então históricos. Com Trinta, as histórias cantadas passaram a fazer as mais doidas conexões, indo do Egito a Lapa em alas. Dentre tantas obras primas, nos escolhemos os sete enredos mais loucos desse gênio. Por isso, aperte os cintos e venha voar com a gente.
O rei de França na Ilha da assombração – Salgueiro 1974
Depois de integrar a revolucionária equipe salgueirense liderada por Arlindo Rodrigues e Pamplona, o então bailarino do Municipal foi promovido de assistente a carnavalesco na Academia. Em seu primeiro carnaval solo, ele fez uma inusitada ponte área entre o Maranhão e a França. No enredo, o jovem rei Luís XIII ouve as lendas folclóricas maranhenses de uma preta velha e na imaginação do menino o castelo da França se torna na própria capital nordestina, com direito a candelabros que viram palmeiras. Esse maravilhoso delírio é muito bem sintetizado no samba-enredo da escola:
Vovó e o Rei da Saturnália na Corte Egipciana – Beija-Flor 1977
Depois de dois títulos na Academia, o carnavalesco se mudou para então inexpressiva Beija-Flor de Nilópolis. Contrariando todas as expectativas, a escola da Baixada marca um processo importante na história carnavalesca, seu tricampeonato encerra o fim da era das chamadas “4 grandes” (Portela, Mangueira, Império e Salgueiro que sempre eram campeãs). O enredo de 1977 é o mais divertido dessa sequência. Para contar a história do carnaval desde os tempos mais remotos, a narrativa usa a figura de uma vovó que diante de uma transmissão de um desfile relembra saudosa a história da folia. Passando por Egito, Grécia, Roma, a viagem desembarca no Rio através dos ranchos e grandes sociedades. O final não poderia ser outro: a vovó termina sambando com a Beija-Flor na avenida.
A Lapa de Adão e Eva – Beija-Flor 1985
E se as histórias bíblicas tivessem acontecido no Rio de Janeiro? Baseado num livro que afirma que as rochas cariocas são as mais antigas da Terra, Joãosinho transportou personagens como Adão e Eva para a realidade carioca. Na imaginação do artista, a serpente era Madame Satã, a Lapa e a Praça Tiradentes eram Sodoma e Gomorra e o Paraíso era povoado pelos blocos Cacique de Ramos e Bafo da Onça que viviam numa animada guerra. Depois de apresentações medianas, o ano de 1985 marca o retorno da força de Nilópolis e garantiu o segundo lugar a escola.
Alice no Brasil das Maravilhas – Beija-Flor 1991
Atrás do coelhinho apressado, Alice caiu no buraco e encontrou… o Brasil. Baseado numa exposição que realizou em 1989, Joãosinho transportou as aventuras criadas por Lewis Carroll para o Brasil de sua época. Com várias analogias inspiradas, o enredo não poupou críticas a política e a sociedade. O genial “Chá dos omissos”, por exemplo, fazia uma crítica as elites através da figura do Chapeleiro Maluco. Mesmo com o grande enredo, o desfile não figura entre os maiores da história da folia. No início dos anos 1990, com a perda de seu figurinista Viriato Ferreira, a estética dos carnavais de Joãosinho já era mais a mesma de tempos atrás.
O Rei e os três espantos de Debret – Viradouro 1995
Depois que partiu das terras nilopolitanas após a histórica marca de 17 desfiles assinados e cinco títulos, o mestre surrealista foi dá expediente do outro lado da baía de Guanabara. No seu segundo ano na agremiação, ele desenvolveu uma homenagem ao artista francês Jean-Baptiste Deprete bem ao seu estilo. No delírio, o principal nome da missão artística francesa viveu três espantos distintos. O primeiro deles, de encantamento. ao vislumbrar a paisagem brasileira quando desembarcou por aqui. O segundo, de consternação, reencarnado num parisiense contemporâneo, Debret se espanta com a situação política e social de sua época. Por fim o deslumbramento, o francês assiste animado ao desfile da Viradouro na Sapucaí. Haja espanto!
Orfeu – O Negro do Carnaval – Viradouro 1998
Após o histórico título de 1997, o único até hoje da vermelho e branco, o carnavalesco das ideias mirabolantes criou mais uma história cheia de camadas e significados. Orfeu contava três enredos ao mesmo tempo, numa metalinguagem, uma escola de samba dentro da escola de samba. Na primeira camada, havia o mito grego de Orfeu e Eurípes, depois a peça “O Orfeu negro”, de Vinícius de Moraes que transportava a história para uma favela carioca. Este Orfeu carioca era compositor de escola de samba e seu samba embalaria o desfile de uma agremiação que contaria a história do carnaval, fechando assim a última parte do enredo. O samba soube sintetizar esse grande rocambole de uma maneira leve e genial. Apesar do favoritismo, escola terminou apenas no 5º lugar.
Gentileza X – O profeta do Fogo – Grande Rio 2001
Na sua última grande passagem por uma escola, o carnavalesco deu expediente na tricolor da baixada de 2001 a 2004. Já na sua estreia, tirou da manga uma homenagem ao profeta Gentileza, famoso por seus murais pintados no Rio de Janeiro. Mas o enredo não seria uma simples biografia para contar a história do empresário que abdicou da riqueza para virar um profeta após o incêndio de um circo. No delírio, as vítimas do incêndio eram a reencarnação de romanos, além de outras pirações. Querendo passar uma mensagem positiva no ano que marcava a virada do milênio, a apresentação ficou marcada pelo astronauta americano que sobrevoou a Sapucaí.
Aprenderam como se faz um bom enredo? Primeiro tem que se livrar de qualquer vínculo histórico, depois das verdades absolutas e o mais importante: deixar a imaginação tomar conta e fazer as mais loucos e contundentes relações. Muito além de Ratos e Urubus, a genialidade de João vale muito mais que 30.
2 respostas
um gênio, um rei eterno do carnaval!
Faltou o mais marcante, de 1989…
Ratos e Urubus
Apresar de levar o segundo lugar, a coragem de colocar uma ala de mendigos, foi sensacional.
Sem contar com o inusitado, que até hoje mora na memória de quem ama carnaval, O CRISTO COBERTO, que apesar de ter sido um improviso e Laíla (outro grande gênio) alegar ter sido sua ideia, foi com o aval do Mestre João que foi para avenida!
Sensacional!