Por Bernardo Pilotto:
Naquele ano de 1946, o sambista Nelson Jangada andava insatisfeito com o Bloco União do Viradouro, do qual era um entusiasta. Nelson era um importante baluarte do samba na cidade de Niterói e uma referência para o Morro da União, no bairro Santa Rosa. Foi então que, em um 24 de junho, dia de S. João Batista, padroeiro da cidade, ele teve a iniciativa de fundar a Unidos do Viradouro, em conjunto com outros sambistas, como Nelson Braga, Lindolfo dos Santos e Dona Nazaré.
Na cidade, já existiam diversas manifestações carnavalescas, como blocos, banhos de mar à fantasia, batalhas de confete e até escolas de samba (a Combinado do Amor, por exemplo, foi fundada em 1936 e a Sabiá, em 1938), mesmo ainda não existindo uma competição entre elas. No carnaval de 1946, aconteceu o primeiro desfile com competição entre as escolas e isso certamente influenciou para que Jangada e sua turma resolvessem fundar a Viradouro.
Nesse momento, Niterói era a capital do estado do Rio de Janeiro, já que a cidade do Rio de Janeiro ficava no Distrito Federal, por ser a capital do Brasil. Mesmo após a mudança da capital para Brasília, essa situação se manteve até 1975, quando o estado do Rio de Janeiro se fundiu com o estado da Guanabara (que substituiu o Distrito Federal) e então Niterói deixou de ser a capital.
Sendo capital, Niterói ganhava bastante atenção e investimento. O desfile das escolas de samba da cidade era considerado o segundo maior do país e havia uma grande rivalidade entre a Viradouro (18 vezes campeã) e a Acadêmicos do Cubango (11 vezes campeã). Com a fusão dos estados, Niterói teve uma diminuição dos investimentos que recebia e isso se refletiu no carnaval.
Diante desse cenário, a Viradouro resolveu se arriscar no carnaval do Rio de Janeiro. Em 1986, começou na última divisão e foi subindo, chegando ao Grupo Especial em 1991. E nas suas primeiras participações ela logo conquistou corações, chegando ao 7º lugar nesse primeiro ano e fazendo um grande desfile em 1992, atrapalhado por um carro alegórico que pegou fogo perto do Setor 11.
Seguindo sua trajetória ousada, contratou Joãosinho Trinta para o desfile de 1994. E logo na sequência, três anos depois, chegou ao seu auge: conquistou seu primeiro título do mais importante desfile de escolas de samba.
O primeiro campeonato teve muitas questões marcantes, como a paradinha funk na bateria do Mestre Jorjão, um carro abre-alas todo escuro (simbolizando o big bang que criou o universo) e a voz marcante de Dominguinhos do Estácio. Depois de ter sido a grande agremiação do carnaval de Niterói, a Unidos do Viradouro agora conquistava o título também entre as grandes escolas.
A agremiação seguiu disputando o topo das posições nos anos seguintes, estando 9 vezes no Desfile da Campeãs em 10 carnavais. Nesse momento, a escola começou a passar por uma crise política que acabou gerando desfiles bem abaixo do que a agremiação vinha produzindo e que culminaram com o seu rebaixamento em 2010.
“Orgulho de ser NiteróI
Reluz no Rio
O meu tesouro
De braços abertos
Olhai por nós
Canta, Viradouro!”
(“Sou a Terra de Ismael, ‘Guanabaran’ eu vou cruzar… Pra você tiro o chapéu, Rio eu vim te abraçar” – Dudu Nobre / Diego Tavares / Zé Glória / Paulo Oliveira / Dílson Marimb /, Junior Fragga / D. Oliveira / Arlindo Neto / LC / William Neves)
O carnaval de 2014 marcou uma nova fase na história da escola. Com um enredo em que reafirmava o orgulho em representar a cidade de Niterói, a Viradouro foi vencedora da Série A e obteve o direito de voltar ao Grupo Especial no ano seguinte. Mesmo com um novo rebaixamento em 2015, com um desfile muito prejudicado pela chuva, marcou seu espaço.
Em 2016, novamente fez um grande desfile, ficando em 3º lugar na Série A, quase alcançando um novo acesso. Embalado por um grande samba-enredo, escolhido em vários lugares como o melhor de todo o carnaval daquele ano, a Viradouro trouxe uma mensagem firme, posicionando-se contra a intolerância religiosa. Em 2017, também forte na disputa, ficou com o vice do grupo.
Após finalmente conquistar o Acesso em 2018, logo em seu retorno ao Grupo Especial foi vice-campeã. Para o carnaval de 2020, voltou a apostar em um enredo autor de uma dupla nova de carnavalescos, Marcus Ferreira e Tarcisio Zanon. Com um samba que colou, a Viradouro trouxe para a avenida o vitorioso enredo “Viradouro de Alma Lavada”, sobre as ganhadeiras de Itapuã, na Bahia. A escola cativou o público a tal ponto que seu intérprete, Zé Paulo Sierra, deixava de cantar um trecho do refrão do samba e isso não prejudicava a harmonia, já que o sambódromo cantava em uníssono.
Além de um bom samba e um ótimo enredo, o aspecto administrativo também ajudou a escola, que se organizou financeiramente nos últimos anos, tanto pelo apoio de um patrono, quanto pelo apoio financeiro dado pela Prefeitura de Niterói (algo que as escolas da cidade do Rio de Janeiro deixaram de contar). Foram esses fatores somados que garantiram o segundo título da agremiação.
Para o próximo carnaval, a escola largou novamente na frente, com o anúncio do enredo “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”, que vai abordar o carnaval de 1919, o primeiro ocorrido após a pandemia de Gripe Espanhola, que em 1918 infectou cerca de metade da população carioca.