#SérieCarnavalescos: O jardim tropical e multicolorido de Oswaldo

Por Leonardo Antan e Thiago Avis

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Continuando a lembrar nomes menos valorizados da festa, mas que construíram também um estilo marcante, voltamos hoje aos anos 90 para falar de um carnavalesco que desenvolveu grandes desfiles da década. Entretanto ofuscado pelo histórico embate entre Rosa Magalhães e Renato Lage pelas primeiras posições, que marcou o período. Mais abaixo da tabela, o que não significa que eram ou melhores ou piores, artistas como Oswaldo Jardim construíram belos carnavais na contra-mão das linguagens dominantes, com personalidade própria. 

Conhecido mais genericamente como o “Rei da Espuma”, por consequência do material de mais destaque ao longo de seus carnavais, Oswaldo construiu um jardim de ideias inteligentes em sua trajetória, marcado por soluções particulares, que marcaram bem sua personalidade artística. Desde do uso do multicolorido tropical e uma estética menos acadêmica, voltada a referências populares e da cultura de massa, como as histórias em quadrinhos e desenhos animados. Contrariando um estilo de carnaval que chamamos “barroco”, abusando de linhas e formatos simples que desenhavam curvas e movimentos retilíneos.

Desfile do Império Serrano em 1989.

Em sua breve passagem pelo Império Serrano, em 1989, conduzindo o enredo “Jorge Amado Axé Brasil”, apresentou uma estética bem próxima do que ele havia feito lá pelas bandas do Estácio de Sá anos antes quando estreou como carnavalesco principal. Na bela homenagem ao escritor, já deu indícios de como marcaria sua personalidade ao utilizar a linguagem das escolas de samba a seu modo, destacando-se pelo uso de colorido limpo e vibrante, com cores fortes, em qual cada ala formava um “blocão” de um tom cromático. As fantasias já teriam a assinatura marcante do carnavalesco, que se repetiria depois em diversos outros cortejos. Figurinos leves e balançantes, que se opunham ao estilo mais carregado de alguns outros profissionais. Grandes volumes formados de franjas, ráfias e tiras cortadas davam um tom corpuloso, mas leve, que servia bem aos componentes para pularem e se movimentarem com fluidez pela Sapucaí. Mesmo com tantas qualidades, a apresentação da Serrinha, infelizmente, foi esquecida historicamente, muito também por ter vindo logo depois do antológico “Ratos e Urubus” da Beija-Flor.
Na década de 1990, Oswaldo desenvolveria seus carnavais mais significativos e que repercutem até hoje em basicamente três agremiações vizinhas. Primeiro, na Unidos da Tijuca, sua grande parceria, onde assinou cinco carnavais, entre 1991 e 1999, dando uma personalidade jovem à escola, que ganharia novos contornos com a chegada de Paulo Barros anos antes. Outra passagem memorável de sua carreira foi na Vila Isabel, em 1993 e 1994, numa época em que a escola de Noel não teve tanto destaque como protagonista do carnaval. Sendo assim, a Vila teve nos desfiles assinados por Jardim suas apresentações mais marcantes naquela década.

Foto de Júlio Cesar Guimarães (O Globo)

Como no belíssimo, “Gbala, viagem ao tempo de criação”, que apostou mais uma vez na sua estética colorida tropical e de alegorias marcantes, com o uso de esculturas cartunescas. Um desfile arrebatador e cheio de formas diferenciadas, embalado pelo belo samba de Martinho da Vila. De inesquecível, ficou uma alegoria com um assinatura bem ao estilo do artista, os carros monocromáticos, como o que falava da criação do homem pelo barro e tinha componentes em sintonia com as cores terrosas. Estética depois apropriada pela Unidos da Tijuca, em dois momentos, na homenagem ao Mestre Vitalino de 2012, e no abre-alas de 2016, marcando como Oswaldo deixou legado e ainda hoje é referenciado por suas criações originais.
Outra característica marcante das alegorias de Jardim foram os usos de materiais alternativos e poucos usuais na confecção dos desfiles à época. Não só as famosas esculturas de espuma, que se tornaram sua marca absoluta, a forragem de esculturas com diferentes materialidades apareceu em algumas apresentações assinadas por ele, como o uso do chamado “papel água”, de aspecto furta-cor, que tinha sua tonalidade alterada pela luz, e leve. Nas esculturas, se destacavam o tom cartunesco de suas criações já citados aqui também, inspirados em desenhos e quadrinhos.
A inspiração popular é inclusive destacada por Fátima Bernardes ao apresentar o desfile de 1994 da Vila Isabel, que contava a história do bairro sede da agremiação. A jornalista destaca o interesse do artista em contar o enredo com toque de animação e HQs, seja pelas curvas e traços mais finos, seja pelo multicolorido simples e vibrante, que podia não representar a fidelidade histórica dos figurinos, mas os traziam para um universo mais lúdico.

Mangueira em 1996 (Foto de Widger Frota)
O último casamento marcante de Oswaldo nessa década foi com a verde e rosa do morro de Mangueira, durando dois anos. Primeiro, em 1996, com “Os tambores da Mangueira na terra da encantaria”, sobre as lendas do Maranhão, que ganharam outro enfoque e visual nas mãos do artista, transformando o tema em um lindo desfile a luz do sol, com alegorias elaboradas e ao mesmo tempo leves por conta da espuma empregada. Destacando-se mais uma vez pelo uso de materiais diferenciados e os desenhos das alegorias muito singulares naquele período. As alegorias desse desfile são uma beleza à parte, como a marcante alegoria do sapo literalmente verde-e-rosa do segundo setor. Outro ponto interessente foi o uso inteligente do verde e rosa, de maneira menos carregada e extremamente bem resolvido cromaticamente. Com a força da comunidade mangueirense, a escola conquistou um honroso quarto lugar. 
Já no ano seguinte, em 1997, Jardim provou que o “Olimpo é verde e rosa” numa homenagem à trajetória dos Jogos Olímpicos e apelo ao sonho brasileiro de sediar as competições em 2004. Mas uma vez, destacou-se o bom gosto no desenvolvimento plástico, gerado pelas imagens como o olimpo de cores alaranjadas da segunda alegoria da escola, bem ao estilo monocrático que o artista gostava de empregar.

Abre-alas da Tijuca em 1999.
Falando em cores únicas que formavam alas e setores inteiros, é impossível esquecer a apresentação de 1999, no histórico “O Dono da Terra”, na Unidos da Tijuca. Aliado ao antológico samba-enredo e uma comunidade aguerrida, que literalmente pulou na avenida, a apresentação foi um das memoráveis do grupo de acesso até hoje. A qualidade de escola era digna de um desfile no grupo especial, pelo uso de diversas características já citadas do artista, que se reforçaram em um dos seus melhores trabalhos.

Nas alegorias e fantasias, penas de pato e, novamente, a espuma deram a tônica. Os figurinos, mais uma vez, apostaram em grandes volumes feitos de matérias leves, com franjas e tiras cortadas, contemplando o aspecto volumétrico, mas sem pesar no ombro dos componentes. A segunda alegoria, o Tatu, era revestido de lama e plantas, que ornavam o carro com galhos de árvores naturais, um visual impactante para os padrões da época. Além disso, o abre-alas que trazia um pavão camuflado em meio a uma explosão vibrante de amarelo. Outros destaques foram a ala de baianas e o último carro, que abusavam das cores da bandeira nacional num bonito jogo cromático. 

Assinando ainda o desfile da Vila Isabel em 2000, o carnavalesco encerrou a carreira precocemente. No âmbito pessoal, Oswaldo teve uma vida conturbada e que acabou tirando esse grande artista cedo da festa, falecendo em 2003, sem o reconhecimento que merecia. Fora da avenida, Jardim apresentava os saudosos concursos de destaques do Hotel Glória, transmitidos pela extinta Rede Manchete de televisão, além de ter trabalhado também como cenógrafo.

Oswaldo no desfile de 1999 (Foto de Widger Frota)
Mesmo não tendo sido consagrado campeão e seu estilo estético ser aclamado como grande referência, Oswaldo Jardim aparece ainda hoje nas avenidas do Brasil, mostrando seu legado e poder criativo de um estilo bem definido e criado com apuro e personalidade seja na simplicidade das fantasia e no uso da espuma, seja das formas cartunescas, no uso das cores e tantas outras de suas características. 
Hoje e sempre, viva Oswaldo e seu jardim tropical.

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