7×1 Carnavalize: 7 sambas sobre direitos e lutas sociais

por Léo Antan e Beatriz Freire

Os tempos políticos são difíceis, cansativos e polarizados. A cada dia, notícias de corrupção e escândalos de política se proliferam nos meios de comunicação. Justamente por tanta complicação, é mais do que nunca momento de se mobilizar. E várias discussões acaloradas têm surgido nos ringues das redes sociais. Carnaval também é reivindicação, tem uma história de luta e conquista, mas, acima de tudo, de negociação com os poderes estabelecidos. 
Sendo assim, separamos 7 sambas que retrataram na Avenida as lutas pelos direitos sociais do nosso país, em épocas de exclusão, cerceamento de direitos e liberdades, repressão, crise, e desemprego. Qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência. Ou não. O samba-enredo foi e ainda é, de várias formas, resistência. “Silenciar jamais” é o lema. 


1- Império Serrano 1969 – Heróis da Liberdade

“Já raiou a liberdade / A liberdade já raiou / Esta brisa que a juventude afaga / Esta chama que o ódio não apaga pelo Universo / É a (r)evolução em sua legítima razão.”
Nascida através de um sindicato de estivadores do Rio de Janeiro, o Império Serrano sempre gostou de se alimentar da fama de ser uma escola engajada na luta social. Um dos marcos dessa luta imperiana se tornou um dos grandes clássicos da escola e do carnaval. Composto pelo imortal Silas de Oliveira, o samba que embalou o desfile de 1969 contava as dores da escravidão e da luta pela independência terminando de maneira poética, clamando as massas pela revolução e diria que a liberdade iria raiar. Em plena ditadura, a mensagem tinha ficado explícita demais fazendo a composição do samba de Silas ser um dos poucos da história a sofrer censura do governo militar. A palavra “revolução” teve que ser substituída por “evolução”. No momento do desfile, barulhentas aeronaves militares sobrevoaram a Presidente Vargas atrapalhando o som da escola. Coincidência?

2- Vila Isabel 1989 – Direito é Direito

“Hoje, a Vila se faz tão bonita / E se apresenta destemida / Unida pelos mesmos ideais / Lutando com a maior sabedoria / Contra os preconceitos sociais”


Azul e branca por for mas vermelhinha por dentro, como diz o imaginário carnavalesco, a Vila Isabel sempre esteve afiada às pautas reivindicadoras e levou para a Sapucaí alguns enredos de cunho político e de protesto. Um desses marcos foi o desfile de 1989, logo após o seu histórico desfile campeão sobre a luta do movimento negro em Kizomba, a agremiação de Noel fez um apelo pelo respeito a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um dos marcos do desfile foi a presença de grávidas de verdade na Comissão de Frente, uma bela imagem que ajudou a garantir um honroso quarto lugar num dos anos mais polêmicos e agitados da história carnavalesca. O samba não se tornou um grande clássico do repertório da escola, mas tem uma letra forte e belíssima. Dê o play:


3- Caprichosos de Pilares 1985 – E Por Falar em Saudade

“Diretamente… povo escolhia o presidente (oba!) / Se comia mais feijão / Vovó botava a poupança no colchão / Hoje está tudo mudado, tem muita gente no lugar errado…”

Na década de 1980, a Ditadura, enfim, dava seus suspiros finais e o povo nas ruas clamava pela redemocratização. Nesse período, as escolas se politizaram e trouxeram para a avenida os gritos que a ecoava nas passeatas. Um dos marcos desse processo foi o desfile de 1985 da Caprichosos. Através do trabalho do revolucionário carnavalesco Luiz Fernando Reis, a agremiação de Pilares ganhou fama de irreverente e politizada ao clamar pelas “Diretas”. A saudade do tempo que o povo escolhia o presidente foi um marco na história carnavalesca ao tratar a luta política de forma jocosa e indo de encontro a vontade popular. O samba bem-humorado acompanhou o espírito e embalou o melhor desfile da história da azul e branca, ganhador do Estandarte de Ouro de Melhor Desfile. Confira a gravação antológica imortalizada pela sensacional atuação de Carlinhos de Pilares:

4 – São Clemente 1985 – Quem Casa Quer Casa 

“Veja, nesta terra, tudo é forma de aluguel / O meu salário é uma cascata / Eu não vou poder pagar…”
Olha a São Clemente aí! Olha a crítica! A outra escola que teve papel importante nesse momento de politização foi a São Clemente. Através do trabalho dos carnavalescos Carlinhos Andrade e Roberto Costa que trouxeram discussões políticas e muitas reivindicações para a Avenida. Diferente da Caprichosos, a São Clemente fazia abordagens mais duras e menos bem-humoradas, tocando o dedo na ferida. Dentre enredos sobre a saúde, a corrupção e menores abandonadas, um dos mais famosos foi o de 1985. Num samba composto por Izaías de Paula, Rodrigo e Helinho 107, a preto-e-amarela criticou o problema financeiro e habitacional que assolava o país. A Comissão de Frente foi digna de um Estandarte de Ouro e trazia componentes com vestimentas de um lado trajadas por um terno preto masculino, e do outro por um vestido de noiva. Apesar disso, a escola da zona sul terminou rebaixada. Confira o samba:

5 – Império Serrano 1986 – Eu Quero

“Quero nosso povo bem nutrido / O país desenvolvido / Quero paz e moradia / Chega de ganhar tão pouco / Chega de sufoco e de covardia.” 

Mais uma vez engajada, o Império não poderia deixar de marcar sua posição pelo fim do governo autoritário. Em 1986, primeiro carnaval após o fim oficial do regime e também na sequência do desfile bem repercutido da Caprichosos, muitas escolas colocaram a política em pauta nos seus sambas. Até as mais tradicionais como a Portela. A Serrinha, então, trouxe um dos que se tornaria os hinos desse carnaval da redemocratização. “Eu quero” que tem entre os seus compositores Aluísio Machado falava das ambições e desejos do povo brasileiro no novo período política. A letra tinha espírito esperançoso e otimista. O desfile foi assinado por Renato Lage e Lilian Rabello e garantiu um honroso terceiro lugar para o Reizinho de Madureira. Escute abaixo:

6 – Vila Isabel 1972 – Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade

“Cirandeiro, cirandeiro, sua hora é chegada / Vem cantar esta ciranda / Pois a roda está formada.”
A escola do bairro de Noel também cantou de forma valente e fez seu barulho com um belo samba de Martinho da Vila, no auge dos Anos de Chumbo da Ditadura Civil Militar. No Brasil de censuras, governado pelo Presidente Médici, a Vila Isabel, corajosamente, contou a trajetória da liberdade e seus movimentos ao longo dos anos, desde os indígenas, passando pela abolição e finalmente chegando à época em que a liberdade já não era exatamente uma realidade da população brasileira, principalmente após o decreto do AI-5. O conteúdo político é expresso no conteúdo histórico do samba, um belo exemplo de discurso velado que buscava driblar a censura. A azul-e-branca da Zona Norte conseguiu um confortável 6º lugar e deixou na história o lindo samba que já regravado algumas vezes. Dê o play e ouça na voz do negro rei Martinho:


7 – Império Serrano 1996 – E Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta

“Quem é pobre tá com fome / Quem é rico tá com medo / Vou dizer… Quem tem muito,
 quer ter mais / Tanto faz se estragar
A Serrinha decidiu para o ano de 1996 homenagear um dos grandes nomes que o Brasil conheceu: o sociólogo Herbert de Souza, o saudoso Betinho. A homenagem é, no entanto, mais ligada aos trabalhos realizados por Betinho do que propriamente sobre a história de sua vida, destacando a sua firme luta pela liberdade e pelos direitos durante a Ditadura além da sua campanha contra a fome num país de 30 milhões de pessoas com carências alimentares. Com pouquíssimo dinheiro, mas com muito esforço, o desfile da verde-e-branco de Madureira encantou e emocionou o público presente na Sapucaí. O samba ficou por conta de Aluísio Machado, Lula, Beto Pernada, Arlindo Cruz e Índio do Império; o microfone era de Jorginho do Império, que pela escola chegou a cantar de graça, ajudando o Império Serrano a conquistar um merecido 6º lugar. Ouça abaixo:
Infelizmente, atualmente sambas como o das lista seriam difíceis de serem levados para a Avenida. Nos últimos anos, as escolas voltaram e aderir uma posição mais “chapa branca”. Enredos políticos e engajados são raros desde o início do século XXI, salvo raros suspiros. É uma pena. Pois como manifestação artístico-cultural, as escolas ocupam um papel importante e poderiam usar sua voz para trazer temas atuais e relevantes. 

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