por Léo Antan e Vitor Melo.
É verdade que as escolas de sambas desde seu surgimento assumiram uma posição de negociadores, se adequando às demandas políticas. Nos primeiros anos, os enredos se tornaram verdadeiros livros didáticos com homenagens chapas-brancas ao heróis nacionais. Você já pensou em Marechal Deodoro e Duque de Caxias caindo no samba? Pois é, não devia fazer muito o estilo deles. Décadas se passaram e as agremiações não perderam essa “característica”, seja por interesses políticos, midíaticos ou o bom e velho dinheiro, elas seguem prestando homenagens bizarras a personalidades que nada tem a ver com o universo carnavalesco. Não precisa ser radical e dizer que só personagens ligados ao samba precisam ser homenageados, mas sim grandes nomes da nossa cultura e arte com uma carreira consolidada de uma maneira geral. Afinal, nossos desfiles estão aí para servir à arte. De todo modo, vem conferir os personagens que mesmo sem a menor intimidade já caíram na folia:
7 – Caprichosos 1999 – No universo da beleza, Mestre Pitanguy
“A luz do céu conduz seu bisturi, a Caprichosos canta mestre Pitanguy”
Famosa por seus célebres carnavais críticos na década de 1980, assinados por Luiz Fernando Reis, a Caprichosos conseguiu permanecer aos trancos e barrancos no especial na década seguinte. Após um bate e volta no acesso em 97, a azul e branco de Pilares homenageou um nome polêmico no seu último desfile do século XX. O famoso cirurgião plástico foi o fio condutor de um enredo que abordou a busca do homem pela beleza desde a Grécia antiga. O samba é um daqueles exemplo de trash delicioso que nós amamos, com direito a refrão que gruda feito chiclete. Apesar das apostas, o desfile não foi um desastre completo fazendo a escola terminar em um honroso nono lugar.
6 – Mocidade Alegre 1997 – O mago do universo – Hans Donner
“Hans Donner, revoluciona a televisão e dedicando-se à perfeição…“
Na mesma década de 1990, mas dois anos antes, a Mocidade Alegre também polemizou na escolha de seu tema. Com dificuldades financeiras, como todas as escolas paulistas na época, a Morada foi buscar ajuda de Hans Donner para financiar seu carnaval. O alemão de nascimento, mas brasileiro de alma, foi o responsável pela criação da logo da Globo e durantes os anos 80 e 90 assinou todas as grandes aberturas de novelas da emissora. Sem falar, o fato de ele ser casado com a Valéria Valensa, a eterna Globeleza, sendo responsável pela produção da vinheta nos anos que sua mulher foi a passista oficial da Globo. Apesar do dinheiro, e da ajuda que o homenageado deu colando a escola na mídia, o resultado na avenida foi um desastre. Um enredo que não se sustentou na prática, com alegorias e fantasias que arriscaram ser revolucionários mas ficaram no limite do desastroso.
5 – Império Serrano 1997 – O mundo dos sonhos de Beto Carrero
“Lá na terra do futuro tem magia, Vila árabe e chinesa, Castelo medieval, É Beto Carreiro, nosso carnaval“
No mesmo ano de 1997, mas em terras cariocas, outra grande agremiação causou rebuliço ao definir seu tema para o carnaval. Depois de uma apresentação à altura da sua história em 1996, com o icônico “Verás que um filho teu não foge à luta”, a Serrinha que comemoraria seu cinquentenário naquele ano, fugiu do esperado em fazer uma auto-homenagem à sua história. Já no pré-carnaval, o enredo sobre Beto Carrero deu o que falar e nem um samba composto por Arlindo Cruz deu fim à confusão. Na avenida, o desastre anunciado se confirmou nas mambembes alegorias que exaltam as atrações do parque construído pelo homenageado, além dos problemas de harmonia e evolução. O resultado foi que a escola foi uma das quatro rebaixadas daquele ano.
4 – Tradição 2003 e Gaviões da Fiel 2014 – Ronaldo Fenômeno
“Consagrado no cenário mundial Ronaldo, fenomenal!”
“O Ronaldo iluminado, dono da camisa 9“
Uma homenagem a gente até deixar passar, mas duas já é demais. Ronaldo Fenômeno é um dos nossos grandes jogadores de futebol, muito querido pelo publico, mas gerar um enredo é outra história. Apesar disso, sua história de superação dos campos do subúrbio carioca às gramados europeus já passaram tanto pela Sapucaí quanto pelo Anhembi. No Rio, a Tradição cantou a história do jogador logo após a conquista do pentacampeonato em 2002.“O Brasil é Penta, R é 9 – O Fenômeno iluminado” além do tributo ao craque passaria ainda pela conquista dos cinco títulos da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. O samba era pavoroso de ponta a ponta e a plástica bizarra com direitos a bermudões. Nem sequer, o homenageado deu às cara na avenida. Onze anos depois, ele ao menos foi presença confirmada na apresentação da Gaviões da Fiel, a escola do Corinthians prestava referência a um dos seus principais ídolos, terminando em décimo lugar.
3 – Rosas de Ouro 2012 – Hungria, o reino dos Justus
“Um lindo conto assim se fez, é o mais justo dos reis.“
Para não dizer que a gente pegou pesado e homenagear um nome controverso é sempre sinônimo de mal desfile, deixamos para o final um belo desfile feito pela Roseira em 2012. A inusitada história do empresário Roberto Justus, vejam vocês, rendeu uma bela apresentação. Vale conferir. Assinado pelo grande carnavalesco Jorge Freitas, o enredo teve tom de fábula e contos de fadas ao abordar a vinda dos parentes do homenageado da Hungria para o Brasil. Com uma gorda ajuda financeira, a Rosas fez um desfile luxuoso e requintado garantido nada menos que o vice campeonato.
2 – Caprichosos 2016 – Tem gringo no samba
“Eu sou o “Pet”, de azul e branco a desfilar“
Um desfile que está fresco na nossa memória e não poderia faltar foi a inusitada participação do jogador sérvio Dejan Petkovic no enredo da Caprichosos na Série A do último carnaval. O tributo ao ídolo do Flamengo tentou ser mascarado num enredo confuso que uniu a história do samba e outros gringos que fizeram história no Brasil. Mas enrolada com uma má administração e dívidas até o pescoço, a agremiação de Pilares fez um desfile desastroso com alegorias inacabadas e fantasias incompletas. A mais pura tradução da palavra desastroso. Uma apresentação de deixar os amantes do carnaval com o coração apertado, rebaixando a azul e branco para o terceiro grupo da folia carioca.
1 – Tradição 2001 – Hoje é domingo, é alegria. Vamos sorrir e cantar!
“É domingo, é alegria, Sílvio Santos vem aí“
Calma. Calma. Respira. Raciocina conosco. Você pode amar o dono do baú, ele pode embalar os seus domingos há anos, você pode até saber este samba de cor… Mas a verdade dura e crua é que se tornar enredo de uma escola de samba são outros quinhentos. Silvio é de fato um dos grandes nomes da imprensa brasileira e retorno em mídia para a escola do Campinho fez esse desfile se tornar inesquecível. E nós não julgamos, só gostamos de polemizar mesmo. O samba apesar de ter se fixado no imaginário popular, muito pela sua ampla divulgação no SBT, tem na verdade uma construção bastante questionável. Os quesitos plásticos, apesar de transparecer uma ajuda financeira do homenageado, também não foram lá nenhum destaque. Valeu pela emoção e apelo popular da figura carismática do apresentador, que deu à agremiação o oitavo lugar.
Outros nomes controversos poderiam ter entrado nessa lista, não faltam apresentadores, artistas de TV, empresários e/ou políticos que tenham sido louvados pelas escolas de sambas pelos motivos mais diversos. De qualquer modo, só podemos torcer que as agremiações não esqueçam toda a potência cultural que possuem, sem precisar tentar se ancorar em outros fatores externos. Queremos mais é ver enredos originais com temas pertinentes a verdadeira arte do carnaval. Amém Rosa Magalhães!
2 respostas
Ah, o samba sobre o Pitanguy era legal, vai…
Reza a lenda que o Hans Donner tinha arrumado um patrocínio para o enredo em 97, só que essa verba não pingou e acabou que ele bancou o enredo sozinho.
Sobre o Império, cogitava-se à época um enredo sobre coroas – justamente por conta do centenário – mas este foi descartado. Curioso é que um verso do samba diz que o enredo sobre Beto Carreiro era "um presente ao meu Império nos seus 50 anos de idade". Que presentão, hein…
Tradição 2003 foi o desfile mais horroroso que a Sapucaí já viu. Visual fraco, samba horroroso e pra piorar o último carro era um trio elétrico (!) e isso foi notado quando o lençol que cobria o carro deixou aparente a marca do veículo com a chuva. Como que a Tradição não foi rebaixada naquele ano? Quanto a Gaviões, foi bem razoável.
Hungria eu não lembro direito – devo ter dormido. Pet foi aquela calamidade que vimos, e Silvio Santos foi um desfile empolgante, embora tenha faltado algo mais.
Tinha que ter Beija-Flor 2014 nessa lista…