Carnavalizadores de Primeira: A leveza e as cores de Maria Augusta


Muitos devem conhecer Maria Augusta da televisão, dos comentários em transmissões pelos vários olha, veja bem, estou muito emocionada, das guias pesadas colocadas sempre na transversal, da presença cativa nos ensaios técnicos na Sapucaí, do juri do Estandarte de Ouro. Sem dúvidas, uma das comentaristas em carnavais com mais bagagem. 
A importância de Maria Augusta para a história do carnaval é grande demais para a pequena carreira dela na folia, isto é, de poucos desfiles assinados. Na União da Ilha, bastaram apenas dois carnavais, mas que mudaram para sempre, não só a história da agremiação insulana, mas como a da festa como um todo, colocando-a no pantheon dos maiores artistas que já passaram pela nossa folia. 
Filha de mãe folclorista, criada em Campos dos Goytacazes, interior do RJ. É mais uma das filhas do grande Zeus salgueirense, Fernando Pamplona, revelada pelo grupo que, lá pelas bandas do Salgueiro, revolucionou a estética da festa com os enredos em exaltação ao negro. Foi dela que surgiu um dos desfiles mais famosos dessa época, o “Festa para um Rei Negro”, de 1971. A improvável visita de um monarca africano no Brasil holandês comandado por Nassau era tema de uma pesquisa da carnavalesca na faculdade, uma espécie de mestrado da época. 
Quando os mestres e líderes da trupe, Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona debandaram da vermelho e branco da Tijuca, foram Augusta e Joãosinho que tocaram o barco com “Eneida: amor e fantasia”, assinado pela dupla em 1973. No ano seguinte, a história ficou famosa, Trinta assumiu sozinho e foi campeão da folia, tratando de mexer e remexer na estrutura da festa. Aumentando alegoria, fazendo fantasias maiores e mais luxuosas, inventando enredos oníricos que misturavam França e Maranhão. E é na contra mão dessa revolução que entra a importância de Maria Augusta. 
Augusta e João são a síntese da disputa dos anos 1970, se em 1960 a festa cresceu de vez e atingiu as massas ganhando ares de espetáculo. Dividiu-se opiniões para todos os lados, é claro. Um achavam lindo, carnaval tinha que ser mesmo espetáculo, luxo, esplendor. Mas haviam também os que defendiam o samba no pé, a leveza. 
Enquanto Joãosinho vinha de dois títulos no Salgueiro com desfile pra lá de pomposos e depois se mudou pra Nilópolis, colocando a, até então, inexpressiva Beija-Flor na rota da folia. Sua atuação dividia opiniões: “estamos perdendo a tradição”, “isso é Brodway”. Etc, etc. Em 1977, na também então inexpressiva União da Ilha, a carnavalesca Maria Augusta tratou de dar uma resposta a isso e sacou da manga uma nova de fazer a folia. Eram caminhos diferentes que saíam da mesma paternidade. 
Vale dizer que não foi o primeiro carnaval na tricolor da Ilha do Governador, foi uma relação de muitos carnavais, da artista e a escola. Em 72 e 73, ainda no grupo acesso, Augusta assinou seus primeiros trabalhos por aquelas bandas. Voltando em 1976.

Se João se voltou as temáticas fantásticas, Augusta foi ao extremo oposto. Mostrou que a simplicidade e banalidade de um dia de domingo dava um belo enredo. E samba também, aliás que samba! Foi o que se chamou de “enredo abstrato”, saíam de cena os enredos históricos, de fatos distantes, personagens lendárias, entrava o lirismo da vida cotidiana. As fantasias não tinha penas, muito menos luxo. Eram simples, mas coloridas, com efeitos de materiais baratos e na medida para o componente pular a vontade. A aposta era na cor, no casamento do vermelho, azul e branco das escola insulana. 

E depois de Domingo? Como será o Amanhã? 
Surgiu então a segunda parte dessa revolução antagônica ao luxo nilopolitano. As dúvidas, os anseios, as previsões, os desejos do homem em busca pelo seu futuro virou um dos sambas mais cantadas e conhecidos da história do carnaval. A aposta estética consagrou o desfile-manifesto de 1977, pautado no que viraria uma máxima e todo um estilo de se fazer carnaval: “bom, bonito e barato”. Depois virou até enredo. 
Após dos desfiles que deram respectivamente o terceiro e o quarto lugar para escola, Maria Augusta faria outra inovação. A proposta para 1979, batizada de “O que será?”, contaria as dificuldades de se fazer carnaval, mas por desentendimentos da artista com a diretoria da escola, o enredo não saiu e quem assumiu foi um dos assistentes de Augusta, Adalberto Sampaio que continuou a seguir a cartilha da mestra. 
Pelos anos 80, Augusta passeou pelos grupos de acessos. Foi responsável pela ascensão da Paraíso do Tuiuiti até o grupo 1-B, equivalente a Série A de hoje. Depois comandou a equipe que levou a recém-fundada Tradição ao grupo especial numa trajetória meteórica. 
O que ninguém poderia prever é que anos mais tarde, Augusta voltaria ao grupo especial para assinar seu quarto desfile solo entre as principais da folia. Ironia das ironias, a grande discípula de Pamplona foi parar pelas bandas de Nilópolis. Ficou a cargo dela, substituir Joãosinho Trinta após seu desligamento com a azul e branco após 16 anos. Foi em 1993, surgiu então “Uni-duni-tê, a Beija-flor escolheu: é você”, enredo entre o místico e o imaginário infantil. Foi uma aposta diferente da carnavalesca, e muita ousada, por alegorias vazadas, fantasias mais uma vez valorizando o colorido. Uma apresentação bem diferente do que a escola estava acostumada, o resultado nem foi dos piores, um justo terceiro lugar. Mas o inusitado encontrou acabou por aí mesmo. 
O estilo de carnaval do leveza e do cotidiano, acabou aos poucos sendo esquecido pela folia. O título nunca veio para Ilha nem para sua herdeira na década seguinte. Quando Luiz Fernando Reis nas imediações de Pilares, inspirado em Augusta e na Ilha, seguiu os preceitos do carnaval barato e bonito, inserido o viés crítico. Como todos sabem, nem a Caprichosos de Pilares, nem a tricolor foram campeãs. E apesar de todo mundo ver com bons olhos esse tipo de carnaval, ele acabou sendo visto como uma coisa menor, enquanto o luxo e gigantismo foram legitimados pelos resultados.  
Será que o amanhã nos reserva surpresas? A saudade de um carnaval com mais diversidade estética, com leveza e brilho para todos os gostos; Não apenas uma estilo soberano e universal que dê as cartas. E no fim de tudo isso… Salve a genialidade simples e colorida de Augusta!

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