Carnavalizadores de Primeira | Arlindo Rodrigues: História e requinte em cena

por Leonardo Antan

Com a divulgação do enredo do Salgueiro para o carnaval de 2017, uma grata surpresa tomou o mundo do samba. O desfile, que submeterá a obra “Divina Comédia” ao universo carnavalesco, homenageará no final do enredo a santíssima trindade da Academia, formada por Fernando Pamplona, Joãosinho Trinta e Arlindo Rodrigues. Pamplona e Joãosinho são dois nomes recorrentes ao citarmos carnavalescos que fizeram história, mas o mesmo não acontece com o Arlindo. Por isso, hoje ele é o destaque na estreia do “Carnavalizadores de Primeira”, que relembrará um pouco a importância de grandes figura da nossa folia que devem ser mais valorizados. 
Nome fundamental na Revolução Salgueirense da década de 1960 (que já falamos um pouquinho aqui), Arlindo foi braço direito do todo poderoso Pamplona. Os dois trabalharam juntos no Theatro Municipal e o professor de Belas Artes levou o parceiro já no seu primeiro desfile para a Academia, quando Arlindo assinou os figurinos femininos do histórico “Quilombo do Palmares” de 1960, primeiro enredo a exaltar um herói negro da história. A parceria se repetiria no ano seguinte na apresentação sobre Aleijadinho. É em 62, porém, que o mestre sai de cena e deixa Arlindo sozinho no comando do Salgueiro, que dá sequência aos desfiles cheios de inovações estéticas e desenvolve então uma das obras mais seminais da revolução alvirrubra: a inesquecível Xica da Silva. A história da mulata que era escrava e sentiu grande transformação fez até Pamplona torcer o nariz a princípio, mas Arlindo seguiu firme e levou para o desfile uma linguagem teatral e uma sequência narrativa com “início, meio e fim”. Em parceria com Mercedes Batista, a primeira bailarina negra do Municipal, eles foram pioneiros na chamada “ala de passo marcado”, ou coreografada, com o famoso minueto da corte da Xica da Silva. Foi um desfile tão seminal que podemos dizer que ele é a pedra fundamental do carnaval contemporâneo, por sua estrutura narrativa e requinte plástico.

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Considerado o pai barroco do carnaval, Arlindo tinha nos temas históricos sua maior paixão. Dizia que não precisava de invencionice, afinal, a história do Brasil já dava todo o material que se precisava para um belo enredo. Na plástica, foi o introdutor de muitos materiais hoje imprescindíveis, como a ráfia, as placas de acetato e fitas metaloide. Segundo o pesquisador Felipe Ferreira, “Arlindo marca um período importante das escolas de samba, quando elas deixam de ser vistas como manifestações ‘folclorizadas’ e passam a ser encaradas como entidades culturais abertas à participação de toda a população. A partir de então, as escolas de samba ampliam seu público e passam a organizar seus desfiles de forma a serem facilmente compreendidos. Os enredos se estruturam de forma mais didática, com começo, meio e fim.”*
Na vermelho e branco, o artista seguiu comandando o grupo que mudaria os rumos do carnaval até 1972. Indo para a então inexpressiva Mocidade Independente de Padre Miguel, conhecida à época como a “bateria com uma escola em volta”. O mestre barroco ajudou a colocar a representante da zona oeste nas primeiras posições com enredos mais folclóricos , como “Festa do Divino” e “Mãe Menininha do Gantois”. Na sua passagem por lá, mais uma inovação: ele criou a ideia de “protótipo”, substituindo a reprodução apenas pelo desenho, dando um maior controle a reprodução das fantasias. Com uma rápida passagem na Vila Isabel em 1977, ele volta à Mocidade proporcionando seu primeiro título com “Descobrimento do Brasil”, tornando a agremiação a segunda, depois da Beija-Flor, a romper a barreira das “quatro grandes” – grupo que dividia os campeonatos do período, formado por Império, Portela, Salgueiro e Mangueira. 
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Mesmo com o título de campeão, Arlindo se despede da escola e parte rumo a outra verde e branco. Na Imperatriz, ele encontra sua maior parceira de carnavais, de alma barroca e histórica como ele. Já na estreia garante o título para a agremiação com o inesquecível “O que é que a Bahia tem?” e logo depois o bi com “Teu cabelo não nega”, em homenagem ao compositor Lamartine Babo. Foram esses dois desfiles que impressionaram pela grandiosidade e esmero visual, como mostram as imagens abaixo:
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Na escola de Ramos, assina mais quatro carnavais na década de 80, entre idas e vindas. Retorna ao Salgueiro em 1984 com “Skindô, skindô” e faz uma improvável bem sucedida passagem pela União da Ilha em 1986, no enredo “Assombrações”. Este grande artista uniu seu tradicional bom gosto ao estilo leve e colorido da escola insulana, apresentando um desfile bem humorado com referências a situação social da época. 
Entrevista com Arlindo Rodrigues a partir dos 7 min, no que seria seu último desfile:

Em 1987, volta a agremiação da zona da Leopoldina e assina seu último carnaval, em homenagem a cantora Dalva de Oliveira. Arlindo nos deixa logo depois da folia daquele ano, vítima do vírus HIV. Já são quase trinta anos sem seu traço barroco, requintado e histórico do mestre autodidata, que, diferente de Pamplona, nunca frequentou a academia. Seu legado é inestimável e está presente no carnaval a cada desfile. Um nome seminal da nossa festa que receberá uma justa homenagem do Salgueiro em 2017.

Em 2002, Arlindo foi homenageado pelo carnavalesco Paulo Menezes, fã declarado do mestre, na Paraíso do Tuiuti com um belíssimo samba:


*declaração retirada do link 

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