“Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português”
Erro de português – Oswald de Andrade
Enredo: CARNAVALEIDOSCÓPIO TROPIFÁGICO
Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia…
Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: “tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce”. Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. Aqui, o Terceiro Mundo pede a bênção e vai dormir entre cascatas, palmeiras, araçás e bananeiras. Alegria e preguiça. Pindorama, país do futuro.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra as sublimações antagônicas trazidas nas caravelas, contra todas as catequeses, povos cultos e cristianizados:
– Eu, brasileiro, confesso minha culpa, meu pecado. Minha fome.
Revolução Caraíba, maior que a Revolução Francesa e o bonselvage nas óperas de Alencar, cheio de bons sentimentos portugueses. Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Única lei do mundo. Sou Abaporu faminto. Tupi, or not tupi? Thatisthequestion. #somostodosmacunaíma.
Contra o aculturamento. Contra os bons modos. Contracultura. Por uma questão de ordem. Por uma questão de desordem.
Não anuncio cantos de paz, nem me interessam as flores do estilo. Tropical melancolia de uma terra em transe onde reina o rei da vela. A burguesia exige definições. Oh! Good business!
No coração balança um samba de tamborim. Em Mangueira é onde o samba é mais puro e os parangolés incorporam a revolta. Eu me sinto melhor colorido. Quem não dança não fala. Faz do morro marginal Tropicália.
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta.
Eu organizo o movimento com água azul de Amaralina, coqueiro, brisa e fala nordestina. Solto os panos sobre os mastros no ar. Aventura em busca do som universal. Os olhos cheios de cores. Pego um jato, viajo, arrebento. Com o roteiro do sexto sentido.
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia.
Pela experimentação globalizada. Pela devoração psicodélica do rock’n’roll, da musica elétrica, das conquistas espaciais, da cultura de massa. Pelo encontro dos extremos. Pela união da precariedade com o moderno, do folclore com a ciência, do cafona com a vanguarda, do popular com o erudito.
São, São Paulo meu amor. Foi quando topei com você que tudo virou confusão. Dando vivas ao bom humor num atentado contra o pudor. Hospitaleira amizade. Brutalidade jardim. Ironia crítica do deboche sentimental. Porém, com todo defeito te carrego no meu peito. O avanço industrial vem trazer nossa redenção.
Eu preciso cantar. Em cantar na televisão. Eu nasci pra ser o superbacana com a capa do Rei do Mau Gosto. A elegância de um dromedário.
Você precisa saber de mim. Coma-me! Por entre fotos e nomes, jornais e revistas, nas paradas de sucesso. Por telas, formas e grafismos do folclore urbano. Coma-me!
Minha terra tem palmeiras onde sopra o vento forte. Vivemos na melhor cidade da América do Sul. Soyloco por ti, América, soy loco por ti de amores. Tengo como colores la espuma blanca de Latinoamérica. Esse povo, dizei-me, arde!
E no jardim os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis. Eles põem os olhos grandes sobre mim. Aqui, meu pânico e glória. Aqui, meu laço e cadeia.Mamãe, mamãe, não chore. A vida é assim mesmo. Eu quis cantar minha canção iluminada de sol.
Você fica, eu vou. Quem ficar, vigia.Todo o povo brasileiro, aquele abraço! Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço enquanto meus olhos saem procurando por discos voadores no céu.
Caminhando contra o vento vou sonhando até explodir colorido.
A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. Não seremos belos, recatados e do lar.
Eu oriento o carnaval. Eu vim para confundir e não para explicar. Buzino a moça, comando a massa, dou as ordens no terreiro. Minha Tropicália Maravilha faz todo o universo sambar. Todo mês de fevereiro, aquele passo…
Viva a banda, da, da
Carmen Miranda, da, da, da, da…
Carmen Miranda, da, da, da, da…
Eu vou pelo mundo em milhazes de cores. Eu vou! Porque não? Porque não? Porque não?
JACK VASCONCELOS
Em Rio de Janeiro, ano 460 da deglutição do Bispo Sardinha.
Em Rio de Janeiro, ano 460 da deglutição do Bispo Sardinha.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ANDRADE, Oswald. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 1990.
BUENO, André. Pássaro de Fogo no Terceiro Mundo – o poeta Torquato Neto e sua época. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.
DUARTE, Rogério. Tropicaos. São Paulo: Azougue, 2003.
DUNN, Christopher. Brutalidade Jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
FAVARETTO, Celso F. Tropicália: alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996.
JACQUES, Paola Berenstein. Estética da Ginga – A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra/RIOARTE, 2001.
RODRIGUES, Jorge Caê. Anos fatais: design, música e tropicalismo. Rio de Janeiro: 2AB, 2007.
TEIXEIRA, Duda; NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da América Latina. São Paulo: LeYa Brasil, 2011.
TELES, G.M. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1982.
XAVIER, I. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
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