O primeiro desfile oficial da Mancha Verde foi em 1996, realizado no bairro de Vila Maria pelo grupo de espera de Blocos. O enredo era um chamado em prol da preservação das matas, que rendeu um vice-campeonato. Em 1997, a entidade se apresentou no Grupo 1 de blocos cantando a noite paulistana e conquistou o primeiro campeonato de sua história. É necessário abrir um parêntese aqui, pois, em 1997, ressurgiu oficialmente a torcida organizada, dois anos após a extinção da antiga Mancha Verde em 1995. Com o nome Mancha Alvi-Verde, o coletivo de torcedores não possui ligação jurídica com a agremiação carnavalesca.
Em 1998 se apresentou pela divisão de Blocos especiais, no Sambódromo do Anhembi, com um simpático samba-enredo sobre as palmeiras, que remetem ao nome do time de futebol ao qual a entidade presta reverência. O resultado foi mais um campeonato. No ano seguinte, um vice-campeonato. Tanto em 1998, quanto em 1999, a agremiação contou com a presença ilustre do intérprete Quinho, à época no Salgueiro. A alviverde contou com nomes importantes do carnaval no início de sua trajetória como Mestre Juca, Mestre Sombra, Douglinhas e Agnaldo Amaral.
Após o carnaval de 1999 era dado um passo importante na história da Mancha: a entidade deixava de ser um bloco e passava a ser Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mancha Verde. Mais uma etapa na realização do sonho de Cléo Sóstenes era concretizada. Em 2000, então, foi realizado o primeiro desfile como escola de samba. No Grupo 3 da UESP (atual Acesso 1 de Bairros), o enredo foi “Brasil, que história é essa?”, que questionava pontos da história oficial do país. Quinho também foi o intérprete oficial, tendo se dividido entre a madrinha Rosas de Ouro e a afilhada. O resultado foi um vice-campeonato e o acesso para o Grupo 2 UESP (atual Especial de Bairros). E foi lá, que em 2001, a escola fez o seu primeiro enredo “afro”: “A busca da paz no axé dos Orixás”, que convocava uma grande gira para saudar os Orixás e pedir paz na Terra no início do novo milênio. E, tendo sido campeã do grupo 2, foi então promovida ao Grupo 1 da UESP (atual Acesso 2).
No Grupo 1 da UESP, mais um campeonato: a exaltação das lutas e conquistas da classe trabalhadora permitiu que a Mancha ficasse cada vez mais perto do seu objetivo de chegar ao Grupo Especial. No ano de 2003, o resultado foi muito positivo: um 3º lugar ao falar da cor verde. Após este carnaval, a confecção das fantasias deixava de estar sob a batuta de Dona Norma, que coordenava a produção das indumentárias na quadra, e passou a ser feita em ateliês externos. No carnaval monotemático dos 450 anos de São Paulo, a Mancha Verde brilhou ao cantar a influência italiana na capital paulista. Campeã do grupo de Acesso, a agremiação conquistou seu lugar entre as grandes.
Em sua estreia na elite do carnaval paulistano, a escola causou um impacto positivo com sua apresentação falando sobre o estado do Mato Grosso. O resultado final foi um 12º lugar que garantiu a permanência na divisão principal. Entretanto, os dois carnavais seguintes reservariam grandes emoções. A humildade e, principalmente, a perseverança, mais do que nunca, se tornaram tônicas na trajetória da agremiação.
Apesar de não estar juridicamente ligada à torcida organizada, a escola ainda mantinha e mantém uma ligação com os torcedores e o time. E assim, com o acesso dos Gaviões da Fiel em 2005 (a escola havia sido rebaixada em 2004), entrou em vigor uma regra imposta pela Liga-SP que determinava que as agremiações que tivessem relação com torcidas/clubes de futebol fossem alocadas em uma nova divisão: o Grupo Especial das Escolas de Samba Desportivas. Em teoria, na ocorrência de mais de uma escola de samba “de torcida” no Grupo Especial, todas seriam colocadas nesta divisão e disputariam um título à parte.
Na prática, não foi bem assim que as coisas se desenrolaram. Gaviões da Fiel e Mancha Verde procuraram juntas as vias jurídicas para reverter o efeito desta regra. Porém, apenas uma delas conseguiu. Os Gaviões obtiveram uma liminar, apoiada em uma brecha do regimento, que permitiu sua participação no Grupo Especial de 2006. Já a Mancha acabou não sendo contemplada com a decisão e foi obrigada a disputar sozinha o grupo das desportivas. Isolada, a alviverde ainda teve de lidar com a perda de sua maior incentivadora, Dona Norma de Luca. A matriarca faleceu dias antes da apresentação. Os componentes, baqueados pela perda de sua maior referência, ainda tiveram que lidar com outros problemas: primeiro, uma tentativa de invasão ao ateliê; e depois, um incêndio que destruiu o carro abre-alas que teve de ser reconstruído. Além disso, um dos componentes da comissão de frente teve de ser substituído a poucos dias do desfile.
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Carro abre-alas da Mancha Verde em 2006 após o incêndio e durante o desfile, já reconstruído. |
Com o enredo “Bem aventurados sejam os perseguidos por causa da justiça dos homens… porque deles é o reino dos céus”, uma clara referência a toda a situação a qual foi submetida, a agremiação foi a campeã do grupo das desportivas, já que era a única integrante. Para 2007, o isolamento se manteve mesmo sem a presença dos Gaviões na primeira divisão (a alvinegra foi rebaixada em 2006). “Decifra-me ou devoro-te! Apocalipse: quatro cavaleiros, três profecias e quatro segredos” foi o enredo que deu para a Mancha mais um título da divisão das desportivas. Caso tivesse disputado o Especial em 2006 e 2007, a escola teria ficado em 7º e 11º lugar, respectivamente.
Após a folia de 2007, o Grupo Especial das Escolas de Samba Desportivas foi dissolvido e, pela primeira vez, teríamos duas escolas “de torcida” desfilando pelo Grupo Especial, já que os Gaviões foram campeões do Acesso. Em 2008, a Mancha fez uma homenagem ao escritor Ariano Suassuna. A escola também enfrentou problemas para colocar o desfile na pista, mas as situações foram controladas e o resultado foi um 7º lugar no carnaval que é considerado por alguns a estreia oficial da agremiação no Grupo Especial. No carnaval de 2009, a Mancha cantou o estado de Pernambuco e ficou em 10º lugar. Consolidando-se na elite, em 2010 veio o primeiro resultado expressivo: com uma homenagem aos mestres e professores obteve um 4º lugar, que garantiu o primeiro desfile das campeãs como integrante do Especial. Em 2011, manteve o bom resultado tendo ficado em 4º lugar mais uma vez. O enredo “Uma ideia de gênio” levou para o Anhembi os pensamentos e ideias de grandes gênios da humanidade.
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Entrada da Mancha Verde no carnaval 2011.Crédito:Daigo Oliva|G1 |
Agora, sem mais delongas, voltemos para o ano de 2012. O enredo da Mancha era “Pelas mãos do mensageiro do Axé a lição de Odu Obará: a humildade”, desenvolvido por uma comissão de carnaval formada a época por Pedro Alexandre “Magoo”, Troy Oliveri, Thiago de Xangô e Paolo Bianchi. Os Odus, traduzidos do Iorubá como “destinos”, são as figuras principais do enredo. São peças utilizadas no oráculo de Ifá, instrumento divinatório de religiões de matriz africana. São 16 os Odus principais e cada um deles possui mensagens (itans) associadas a si de acordo com as possibilidades de leitura.
O Odu destacado no enredo era Obará, o sexto na ordem de resposta do jogo, e, portanto, frequentemente associado ao número seis e seus múltiplos. E curiosamente, a escola estava oficialmente indo para o seu sexto desfile no Grupo Especial, além do ano em questão terminar em 12, um múltiplo de seis. Por mais que haja associação de Obará com o número 6, quando se olha para a chamada ordem de chegada na Terra, este Odu é o sétimo. E aí reside outra curiosidade, já que a agremiação foi a 7ª a desfilar.
No itan, Obará era o mais pobre dos 16 irmãos príncipes. Em uma visita anual ao Babalaô (sacerdote do culto de Ifá) os outros 15 irmãos foram presenteados com Morangas (abóboras), das quais desdenharam. Após este encontro, os 15 Odus seguiram para a casa de Obará, que era muito simples. Mesmo com todas as dificuldades, Obará usou todos os seus recursos para alimentar os irmãos, que após passarem a noite em sua casa se foram. Obará acabou ficando sem nenhum alimento, exceto as abóboras deixadas por seus irmãos. Sem ter o que comer, ele pede a esposa que abra as abóboras, e os dois se deparam com muito ouro e pedras preciosas. Obará prosperou. A grande lição é que a generosidade e a humildade devem prevalecer sobre o orgulho, a ganância e a vaidade. A narrativa proposta utiliza o conto para pedir uma mudança da atitude dos seres humanos em relação ao seu entorno, prezando por um convívio mais harmônico e menos destrutivo. Última escola da primeira noite, foi por volta das 7h da manhã já do sábado, 18 de fevereiro de 2012, que a Mancha Verde adentrou a avenida. Porém, antes, um susto: o braço da escultura principal do carro abre-alas se soltou. Entretanto, o problema foi solucionado e não causou maiores contratempos.
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Detalhe da comissão de frente da Mancha Verde em 2012.Crédito: Levi Bianco |