“A principal sogra de uma escola de samba é ela mesma, ela se ajuda e se atrapalha”, diz Fábio Fabato, autor da Família do Carnaval

No último sábado (31/07), a equipe do Carnavalize marcou presença no 2º Encontro dos Deparamentos Culturais de Escolas de Samba, organizada pelo departamento da Vila Isabel. O evento reuniu pesquisadores e membros de diversas escolas de todos os grupos, do especial a Intendente. Na oportunidade, aproveitamos a presença do muso comentarista Fábio Fabato e arrancamos algumas opiniões sobre o que as escolas estão preparando para 2017.

O jornalista participou da mesa “Qual o papel dos Culturais na Crise?” junto com o historiador Luiz Antônio Simas e André Bonate, diretor Cultural da Imperatriz, com mediação de Leonardo Bora. Na sua fala, ele exaltou a capacidade que as agremiações têm de negociar e se adaptar com os diferentes contextos históricos. 
Escola já abraçou a ditadura militar e dez anos depois cantou “diretamente o povo escolhia o presidente”, porque as escolas sabem se consociar com os poderes vigentes e fazer com que a coisa flua historicamente e vá se mantendo viva.  Mas nesse momento, a meu ver, a gente vive uma crise valores, sobretudo. valores econômicos, culturais…“, disse o autor de diversos livros sobre a folia. 
Já que o tema da conversa era a famigerada crise, ele relacionou o momento difícil que o país passa com as agremiações, afirmando que elas são espelhos desse contexto, sofrendo com a mesma situação. 
Citando temas patrocinados icônicos, como o iogurte da Porto da Pedra em 2012, Fabato disse que o momento é de aproveitar a crise e repensar os enredos e a festa como um todo. Destacando que com esse cenário devemos olhar pros valores essenciais da festa e a capacidade de receber diferentes públicos. “Os desfiles são uma absoluta democracia e integração de valores”, ele afirmou.

Depois do bate-papo que discutiu a crise nas escolas, o tema não podia ser outro. A primeira pergunta que fizemos foi sobre como esse contexto abalou as agremiações. Em seu livro “Pra tudo começar na quinta-feita”, escrito com o Luiz Antônio Simas, Fabato fala sobre como nos últimos tempos o carnaval vem servindo a cultura de massa em seus enredos patrocinados. E pro ano que vem, poucas escolas conseguiram ajuda financeira. A nossa pergunta foi se ele achava que se para 2017 tá começando a pintar um esgotamento dos desfiles patrocinados e como ele analisa essa onda de enredos autorais:
Fábio Fabato: Não sei se temos um esgotamento, mas temos o espelhar de um modelo de crise econômica e partir dela não se tem mais prefeitos esbanjadores ou empresas que queiram vender produtos. Os produtos não estão sendo vendidos nem na prática, imagina num enredo. Então, é um momento de repensar seus valores. Eu vejo que nos próximos carnavais, de 2017 até 2018, é o momento do divã, de repensar. Como os enredos autorais tem feito muito sucesso, que nem o caso da Maria Bethânia que ganhou, creio que esse exemplo possa contaminar e criar um tipo de cultura nova que vença essa coisa da publicidade de massa.

Quais enredos você destaca?

Fábio Fabato: Salgueiro (A divina comédia do carnaval) e Tuiuti (Carnavaleidoscópico Tropifágico), eu adoro, são enredos carnavalescos e carnavalizados. Você nota que tem uma coisa antropofágica nos dois, uma mistura, uma conversa entre diferentes cenários. Gosto muito do enredo da Rosa Magalhães (pra São Clemente, batizado de “Onisuáquimalipanse”) também, apesar de não ter a ligação com o Brasil..

“Vai ser uma ligação mais aparente, metafórica, no enredo da Rosa.”?!
Fábio Fabato:
É, metafórica, mas não tem uma ligação como o Catarina de Médici (Imperatriz 94) e o jegue (Imperatriz 95), mas é um belo enredo autoral. Os meus destaques são esses três, mas eu adoro Iracema da Beija-Flor. Um enredo bacana, um livro fundamental e uma homenagem ao povo cearense. O da Imperatriz é um grande enredo também… Já a Vila Isabel tem o título mais bonito com “O som da cor”, um título lindo, romântico, afetivo. Então você nota que as propostas são muito boas, a exceção da Mocidade que tem um enredo que eu não curto em teoria e a sinopse eu não gosto. E o da Grande Rio, apesar de eu adorar a Ivete Sangalo, não acho que ela já tenha força para ser enredo de escola de samba.

Já que você citou a Mocidade, fala pra gente um pouquinho mais do Manifesto Autofágico, lançado por você e outros torcedores da escola de Padre Miguel. O que vocês querem mexer com ele?

Fábio Fabato: Nós queremos mexer com esse corpo. A palavra da Autofagia tem a ver com se comer, se alimentar de si mesmo, então a ideia é você repensar, processar, os seus valores, cutucar o seu próprio corpo e extrair coisas bacanas disso. A gente vê que a escola não ganha há 20 anos, tá há quase 15 sem ir pras campeãs, ela não está bem. Não é um juízo de valor, se você olhar objetivamente as classificações, a Mocidade tá mal pra cacete. Então, é hora dela repensar os valores, mas não é um movimento de oposição, não é um movimento político eleitoral. Ele tem um posicionamento crítico político no sentindo que as coisas não estão boas mas podem melhorar, mas sem flertar com nenhum tipo de oposicionismo eleitoral. É muito engraçado, pois a situação achava que nós éramos associados a oposição política eleitoral, e a oposição agora está nos criticando pois falamos bem do café com jornalistas que a Mocidade fez. Cara, a gente está aqui pra criticar construtivamente, seja dando porrada quando merecer e elogiando quando a coisa merecer. 


Você é o criador da Família do Samba, com livros sobre as matriarcas, primas, titias… Mas pra você, quais as sogras da folia? As grandes inimigas?

Fábio Fabato: Que pergunta maluca… (risos) A grande inimiga das escolas é a própria lógica ainda amadora da festa. A grande sogra da festa é a própria festa, que se chama de maior espetáculo da Terra mas ainda tem várias coisas ainda mal negociadas, como por exemplo o entorno do Sambódromo ou algumas cifras que não são bem esclarecidas, ou até a própria lógica de gestão administrativa que ainda é amadora. A principal sogra de uma escola de samba é ela mesma, ela se ajuda e se atrapalha.

Qual a expectativa pra 2017? Um carnaval tão bom quanto o desse ano? Os dias de desfiles estão mais bem equilibrados?
Fábio Fabato: Espero um desfilaço. Em 2016, nós tivemos o céu e o inferno. O foi domingo horroroso e a segunda a meu ver, foi a melhor do século, a Mangueira me emocionou muito. Acho que pro ano que vem as coisas estão mais equilibradas. Então eu queria que fosse igual este ano. Vamos ter escolas grandes fechando, a expectativa é ficar atento até o finalzinho. Prevejo muita disputa, uma Beija-Flor e Mangueira que fecham cada dia é sinal que a coisa pode ir muito bem. Tomara que o espírito da segunda feira de carnaval de 2016 inspire o ano que vem.

Esperamos que tenham curtido a entrevista e fiquem ligados que em breve virão outras com personalidades do samba. Saravá


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