Texto: Bernardo Pilotto
Hoje é aniversário de 59 anos da G.R.E.S. São Clemente. Fundada em 1961, ela é uma escola tradicional da Zona Sul, especialmente do bairro de Botafogo e do Morro Santa Marta. A escola se aproxima dos seus 60 anos no melhor período de sua trajetória: desde 2011, vem desfilando no Grupo Especial, na mais longa presença da agremiação em sequência na elite do carnaval carioca.
A São Clemente foi fundada a partir de um time de futebol, que primeiro originou um bloco de carnaval e depois transformou-se em escola de samba. A ligação com o futebol não ficou só por aí: suas cores (amarelo e preto) foram escolhidas em homenagem ao Peñarol, um dos mais tradicionais times de futebol da América do Sul.
Na época de sua fundação, Botafogo era um bairro bastante boêmio, com vários blocos de carnaval, rodas de samba e outras manifestações culturais. É o bairro em que moraram grandes sambistas, como Paulinho da Viola, Walter Alfaiate, Mauro Duarte, Niltinho Tristeza, Zorba Devagar, Mical e Jovelina Pérola Negra.
Nos anos 1980, a escola ganhou destaque com seus enredos críticos e politizados, chegando a ficar conhecida como a “PT do samba”. Naquele momento, isso era o equivalente a dizer que a escola priorizava uma crítica a situação social do país, mesmo que isso lhe custasse a chance de título, patrocínios (que começavam a surgir com força) e até a própria permanência no Grupo Especial.
E os enredos da São Clemente naquele período eram quase que como setoriais de um partido de esquerda. Em 1985, o samba foi “Quem casa quer casa“, sobre as demandas por moradia, e a escola acabou sendo rebaixada; em 1986, o tema foi saúde (“Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são“) e a escola conseguiu novamente subir para o Grupo Especial; em 1987, o tema foram os meninos de rua, no emocionante “Capitães de Asfalto“, e a escola ficou em 10º lugar, permanecendo na elite do samba; em 1988 o tema foram as lutas sociais de modo geral em “Quem Aviso Amigo É” e a escola novamente ficou em 10º lugar; em 1989 a crítica veio firme contra os espoliadores do país, nacionais ou estrangeiros, em “Made in Brazil, yes nós temos banana” e a escola se segurou no Grupo Especial com a 13ª colocação; já em 1990, a escola conquistou sua melhor colocação da história, arrancando um 6º lugar com “E o Samba Sambou…“, em uma análise de desaprovação ao processo de mercantilização do carnaval.
Esses sambas impressionam pela potência e pela vanguarda de suas críticas. A escola, por exemplo, falou de temas que ainda nem eram considerados direitos sociais e amplamente discutidos, com alguns que desfiles foram feitos antes mesmo da Constituição de 1988. Em 1986, a agremiação falou que a Nova República daria um “fim no Delfim”, que havia sido o ministro da economia mais identificado com os militares. O samba de 1987 é incrivelmente antenado com a luta contra a redução da maioridade penal (antes mesmo do surgimento do ECA) e em 1990 a escola parece adota um tom profético ao futuro de ainda mais mercantilização dos desfiles.
Após esse período de críticas, a escola seguiu o tom geral do carnaval, com desfiles mais “técnicos”. Coincidentemente ou não com a trajetória do PT, que novamente encontra-se na oposição, na atual conjuntura a escola vem tentando retomar seus desfiles irreverentes e assertivos.
Desde 2011 no Especial, a preto e amarela já teve como seu carnavalescos Fábio Ricardo e Rosa Magalhães. A surpreendente parceria com a professora gerou três bons desfiles da trajetória da agremiação, dentre eles a inesquecível homenagem a Fernando Pamplona, em 2015. Em 2019, com a reedição do enredo de 1990, agradou bastante o público presente na Sapucaí. Numa segunda-feira em que todos esperavam ansiosamente pelo desfile da Mangueira, a São Clemente conseguiu arrancar atenção e simpatia da plateia. Em 2020, ainda com Jorge Silveira, isso se repetiu com o enredo “O Conto do Vigário”.
Para o próximo carnaval, após a troca de seu carnavalesco, a escola anunciou o enredo “Ubuntu”.