Carnaval é arte! 10 vezes que o carnaval ocupou os museus do mundo

 

Arte de Lucas Monteiro.
por Débora Moraes
Na história das agremiações cariocas, temos a década de 1960 como um momento de virada na festa, a partir da chegada de artistas externos para produzir e pensar os desfiles. Foi a partir de então que se denominou os “carnavalescos” como os responsáveis visuais. Essa aproximação dá início à “era de ouro” dos desfiles e a um longo debate sobre as categorias de artista e carnavalesco, assim como de carnaval e arte. Para aprofundar esse debate, listamos algumas exposições realizadas por carnavalescos em instituições renomadas de arte. Exploramos como as complexidades em torno desses indivíduos e da cena artística são alguns dos fatores que influenciaram a recepção e o reconhecimento desse grupo enquanto artistas.

1) ARLINDO RODRIGUES, 7ª e 8ª BIENAL DE SÃO PAULO, 1963 E 1965

Arlindo Rodrigues já gozava de reputação como cenógrafo e figurinista do Theatro Municipal do Rio de Janeiro quando se juntou a Fernando Pamplona no Salgueiro, em 1960. No ano de 1963, após o sucesso do desfile “Xica da Silva” na vermelho e branco, ele foi convidado para exibir sua obra na “Exposição em Artes Plásticas do Teatro” na 7ª Bienal de São Paulo. Na época, a mostra se desdobrava em várias categorias, como a seção de Teatro, que se dividia em Arquitetura, Indumentária e Técnica Teatral. 
Foi na área de Cenografia e Indumentária que as obras de Arlindo foram exibidas, contando com ‘croquis’ originais, gravuras, quadros e trajes. Na lista completa das obras de Arlindo estão incluídos desenhos e algumas maquetes, sendo a maioria para trabalhos para o Municipal, mas conta também com peças de Xica da Silva. 
A lista de obras atribuídas a Arlindo Rodrigues no catálogo da Bienal de Arte de 1963.

Na edição seguinte da Bienal, o carnavalesco levou outros cinco trabalhos, incluindo os croquis de Chico Rei (Salgueiro, 1964). Na oportunidade, o júri de Teatro da Bienal concede a ele o “Prêmio ao melhor figurinista brasileiro”. A Bienal de São Paulo é uma das maiores instituições artísticas do Brasil e é significativo que Arlindo reconheça seu trabalho para a escola de samba como parte importante de sua obra já em seus primeiros anos de atuação. Ter um nome reconhecido, afirmando que seu trabalho no Salgueiro era tão importante quanto no Teatro Oficina ou no Municipal, concede certa legitimidade às escolas de samba na cena artística, nesse primeiro momento. E nas décadas seguintes podemos acompanhar como essa recepção oscila e se mostra ligada a pessoas e circunstâncias específicas, como no caso de Arlindo Rodrigues. 

2) FERNANDO PINTO “COMO ERA VERDE O MEU XINGU”, GALERIA CÉSAR ACHÉ, 1983 e GALERIA PÃO DE AÇÚCAR, 1984

Se passaram mais de duas décadas até que um carnavalesco fosse novamente reconhecido por uma instituição artística. Quem conseguiu tal façanha foi Fernando Pinto, após a repercussão de seu trabalho na Mocidade Independente de Padre Miguel em 1983. O colunista social do Jornal do Brasil, Zozimo Barroso do Amaral, publicou uma nota expressando a indignação de um “grupo grande de artistas plásticos” com o resultado do desfile de 1983, com “Como era verde meu Xingu” ficando em sexto lugar. 
Segundo o texto, “o trabalho de Fernando Pinto chega a ser comparado por alguns à obra de um verdadeiro artista. Algumas de suas criações, segundo outros, poderiam figurar no acervo de qualquer colecionador de obras de arte em pé de igualdade com esculturas assinadas por artistas consagrados” (JORNAL DO BRASIL, 20/2/1983).
Ao contrário de Arlindo, que “empresta” sua legitimidade já existente aos seus desfiles, Fernando Pinto é reconhecido aqui primeiramente como carnavalesco, e depois “chega a ser comparado […] a um verdadeiro artista”.  Como é comum no mundo da arte, a validação (se é arte, se é um artista) vem daqueles inseridos no meio. À época, Frederico Morais já era um dos nomes mais importantes na arte contemporânea brasileira, e além de atuar como crítico e professor, Morais passou por instituições como o MAM e o Parque Lage, influenciando o questionamento de normas e instituições artísticas, buscando tornar a arte brasileira mais experimental e democrática. O apoio dos vanguardistas leva o carnavalesco à Galeria César Aché, em Ipanema, comandada pelo homônimo, apreciador de arte popular brasileira e de arte contemporânea, cuja coleção é referência no campo da arte brasileira. É interessante apontar que Aché fazia questão de diferenciar “arte popular” de “artesanato”. 

Continuando uma relação próxima com os artistas do período, no ano seguinte Fernando Pinto se junta a artistas consagrados em uma galeria criada no Pão de Açúcar, local no qual o carnavalesco havia assinado as decorações dos bailes de carnaval entre 1979 e 1983. O local é descrito da seguinte maneira: “no contexto carioca da passagem dos anos 70 para os 80, o evento se configuraria como o point da elite intelectual ‘desbundada’ do período, espécie de metiê artístico organizado por Guilherme Araújo. Alguns dos grandes nomes da “Geração 80” estavam presentes, entre eles Hélio Oiticica e Carlos Vergara, que foram fortemente influenciados pelo carnaval e por escolas de samba em suas carreiras”. De acordo com o Jornal do Brasil, que descreve a exposição em uma matéria intitulada “Caretas não entrem; arte de vanguarda no Pão de Açúcar”, as obras presentes eram site-specific, pensadas especialmente para o espaço da exposição e propunham obrigatoriamente a participação do público.
Fernando Pinto recebeu uma recepção calorosa do meio artístico carioca, numa situação semelhante àquela que Leandro Vieira viveu mais de três décadas depois. É interessante notar que, assim como Vieira, Fernando atraiu a atenção pelo talento e por trabalhar com um tema que era caro ao meio da arte naquele momento – um falando sobre a ausência de políticas de demarcação das terras indígenas e o outro com a valorização de identidades populares, pautas sociais e políticas. 
A morte precoce de Fernando, em 1987, interrompeu uma carreira brilhante de um carnavalesco que foi muito importante para o elo entre arte institucional e carnaval. Até hoje ele é o único carnavalesco a ter sido representado por uma galeria de arte.

3) JOÃOSINHO TRINTA – “ALICE NO BRASIL DAS MARAVILHAS”, SESC POMPEIA, 1989

Ainda na década de 1980, Joãosinho Trinta, que já havia sido campeão em oito carnavais no Grupo Especial, fez a exposição “Alice no Brasil dos Maravilhas” para o SESC Pompeia (São Paulo). O recém-criado espaço foi feito pela arquiteta Lina Bo Bardi, com base em preceitos da arte contemporânea, planejado para ser um local ligado à arte e à cultura de vanguarda. 
Croqui para a exposição de Joãosinho Trinta, feito por Cláudio Urbano, em 1989. (Acervo Alayde Alves)

Com criações inéditas dirigida principalmente às crianças, a mostra reúne 42 quilômetros de samambaias de plástico, quatro mil metros de plumantes imitando nuvens, um gigantesco Chacrinha, brilho em profusão de purpurina e brocal, animais gigantescos de pelúcia, centenas de espelhos e 14 aparelhos de televisão, numa instalação fantástica que congrega videoarte, desenho, pintura, computador, literatura, happening, escultura, performance, luz, sombra, cor. Tudo inspirado no universo prodigioso, lúdico e mágico do romance de Lewis Carroll, obra-prima da literatura infantil, cujo título foi muito oportunamente adaptado para Alice no Brasil das Maravilhas (GOMES e VILLARES, 2008, p. 165)
Joãosinho é saudado no evento como “o mais completo e versátil artista brasileiro”, e em entrevista ele explica que sua exposição “é uma autêntica antiexposição, obra aberta e intencionalmente inacabada”. Apesar da carreira no Municipal, Joãosinho, diferentemente de Arlindo Rodrigues, chega a essa instituição sendo saudado primeiramente pelo seu trabalho como carnavalesco (Ratos e Urubus é desse mesmo ano). Assim como Fernando Pinto, ele é recebido com louros de artista vanguardista e adapta a estética carnavalesca ao espaço em que está inserido. Em 1991, Joãosinho desenvolve um enredo homônimo para a Beija-Flor.

4) ROSA MAGALHÃES “SALGUEIRO 90”, PARQUE LAGE, 1990

Rosa Magalhães posa ao lado da escultura de onça na piscina ao centro do prédio da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Fonte: Jornal do Brasil. Foto de Renan Cepede.

Na exposição “Salgueiro 90”, o enredo “Amigo do Rei”, apresentado naquele ano pela escola, se tornou mostra no Parque Lage, reunindo quinze fantasias, quatorze esculturas, além de faixas e estandartes. A carnavalesca Rosa Magalhães explica que “quisemos mostrar que o carnaval carioca começa muito antes do desfile na Marquês de Sapucaí”. Para isso, a mostra incorporou ainda desenhos de figurinos (com amostras de pano), de carros alegóricos e de esculturas, além de centenas de fotos do processo de criação. O público podia ainda ver, em quatro sessões ao longo do dia, um vídeo que mostrava a criação das esculturas, incluindo o corte do isopor e a produção da fibra de vidro. A mostra ocupava salas e o pátio da Escola de Artes Visuais, em cuja famosa piscina boiava uma onça de três metros de altura feita em isopor.
O crítico de arte Frederico Morais é quem escreve o texto de apresentação da mostra, que ainda recebeu ampla cobertura dos jornais, interessados no fato de uma escola de samba ocupar o espaço de vanguarda artística. O texto de Morais exalta a importância de o carnaval ocupar esses espaços dizendo que “A realização desta mostra de Rosa Magalhães […] na Escola de Artes Visuais, tem entre outros méritos, o de chamar a atenção para este fascinante laboratório de pesquisa que é o carnaval. Seria muito interessante que, vez por outra, os alunos e professores da EAV trocassem as salas de aula pelos barracões das escolas de samba”. 
Fonte: Jornal O Globo, publicado em 30 de abril de 1990. Foto de Paulo Moreira.
Seu texto fala ainda das estéticas de outras escolas e carnavalescos, como Arlindo Rodrigues, Fernando Pamplona, Fernando Pinto, mostrando um entusiasmo do crítico em relação ao que acontecia nas escolas de samba. As palavras usadas por ele no texto, enquanto categorias estéticas eruditas, ressaltam termos relacionados à arte popular – naif, kitsch, barroco. Talvez o subtexto que mais valha a pena notar seja que, diferente de Fernando Pinto e Joãosinho Trinta, que foram aclamados como artistas quando adentraram os espaços de arte institucional, em nenhum momento o texto de Morais atribui a mesma nomenclatura a Rosa.

5) ROSA MAGALHÃES, 21ª BIENAL DE SÃO PAULO, 1991 e QUADRIENAL DE PRAGA, 1991

O Catálogo da 21ª Bienal de São Paulo traz esta imagem com a legenda “Rosa Magalhães – ‘Figurinos e alegorias para Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro’, 1991 (Detalhe)”. Fonte: Foto de Gustavo Bloch.

No ano seguinte, Rosa Magalhães tem nova oportunidade de apresentar o material criado para o Salgueiro em outro espaço de arte contemporânea. A 21ª Bienal de São Paulo clama acabar com as separações e “colocar as artes cênicas em pé de igualdade”, citando a integração de “cenário, figurinos, texto, música e dança” nas artes cênicas europeias. Portanto, o trabalho de Rosa é apresentado em conjunto com os de artes visuais. Os trabalhos foram selecionados a partir de inscrição que ressalta o caráter disruptivo dos artistas “malcomportados, que não tem receio de ultrapassar os limites, ampliar fronteiras, desafiar os cânones reinantes, à procura de resultados que possam satisfazer suas necessidades criativas”.
Rosa levou à exposição o “Me masso se não passo pela Rua do Ouvidor”, que havia ganhado o segundo lugar e um Estandarte de Ouro pelo enredo. Ao lado dos grandes nomes da arte brasileira, foi apresentado o carro alegórico que retratava uma relojoaria da Belle Époque do Rio de Janeiro.
No catálogo, em espaço reservado para a biografia do artista, aparecem suas exposições individuais e coletivas (incluindo a Salgueiro 90), sendo que três desfiles de carnaval (Bumbum paticumbum prugurundum, Sou Amigo do Rei e Me Masso se Não Passo pela Rua do Ouvidor) figuram na seção “Outros trabalhos”. A seção de prêmios traz ainda três menções aos Estandartes de Ouro. O espaço reservado para um texto externo relacionado à obra do artista junto a sua biografia traz considerações de Fernando Pamplona explicando de forma breve a história das escolas de samba e o trabalho de um carnavalesco, sem menções específicas ao papel de Rosa Magalhães dentro da cena. A própria biografia de Rosa não traz as palavras “artista”, “carnavalesca”, “cenógrafa” ou “figurinista”, limitando-se a descrever suas formações e seu trabalho como professora na Escola de Belas Artes da UFRJ e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Páginas do catálogo da Quadrienal de Praga mostrando algumas fotos dos desfiles de 1990 e 1991 do Salgueiro.

A Quadrienal de Praga é um evento que acontece na República Tcheca, dedicado ao design de performance, cenografia e arquitetura teatral. Apenas dois artistas representaram o Brasil na Quadrienal de 1991 (o outro é JC Serroni, um dos maiores nomes da cenografia brasileira, que representou o Brasil em Praga várias vezes). Rosa é descrita como uma figurinista que trabalha para o teatro, a televisão e o carnaval e sua exposição foi nomeada “Festa de Carnaval”. Sua seção do catálogo conta com um texto escrito por ela, “O que é um ‘carnavalesco’”, no qual a artista fala um pouco sobre como fez as etapas de montagem do “Me masso se não passo pela Rua do Ouvidor”, e um intitulado “Escola de Samba sua evolução”, de Fernando Pamplona, em que ele fala sobre o começo das escolas de samba, no ínicio do século, e atualmente, ressaltando os números de componentes e trabalhadores necessários para o desfile acontecer.

6) LEANDRO VIEIRA, “BASTIDORES DA CRIAÇÃO – ARTE APLICADA AO CARNAVAL”, PAÇO IMPERIAL, 2017

Fantasias apresentadas na exposição, incluindo a de São Francisco de Assis usada pela bateria e a de Curucucu. Ao fundo, é possível ver fotos dos protótipos das fantasias na parede. Fonte: Agência O GLOBO, foto de Leo Martins.

Somente no fim dos anos 2010, o mundo da arte institucional brasileira volta a direcionar sua atenção para o carnaval, com Leandro Vieira se destacando em quantidade de participações. Este é o momento em que novos talentos aparecem nas escolas de samba, chamando a atenção com desfiles classificados como “políticos”. O uso desses temas vai ao encontro da guinada política pós-2013 que toma conta da cena artística brasileira, e, talvez por compartilhar fortemente dessa temática, Leandro Vieira se torne “o rosto” dessa ligação entre carnaval e arte institucional nesse período.
Em 2017, ele realiza a exposição no Paço Imperial, que em muito lembra a “Salgueiro 90” de Rosa Magalhães. Chamada “Bastidores da criação – arte aplicada ao carnaval”, a mostra do carnavalesco leva fotografias, maquetes, croquis, vídeos e fantasias para mostrar o processo de criação de um desfile. O cortejo em questão é o apresentado pela Estação Primeira em 2017, “Só com a ajuda do Santo”, que aborda diferentes práticas religiosas tradicionais de várias partes do Brasil. O enredo contou com o apoio do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na parte da pesquisa, e na ponte entre Leandro Vieira e o Paço Imperial para a realização da exposição, que fez parte das comemorações de 80 anos do Iphan.
Disposição das miniaturas das fantasias exibidas na exposição. Fonte: Rádio Arquibancada, foto de Any Cometti.

A exposição aconteceu no período em que o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou o corte de metade da verba das escolas de samba. Nesse contexto, Leandro usou sua exposição como espaço de militância pelo reconhecimento do carnaval enquanto arte e cultura, até convidando o prefeito a “vir aqui na exposição para aprender um pouco do que é carnaval”. Nas muitas entrevistas que concede, ele fala sobre a importância do carnaval ocupar aquele espaço para que os próprios profissionais possam reconhecer o “espírito de arte” no que fazem, critica a visão do carnaval como entretenimento e lamenta que esse espaço não seja ampliado a outros, ao mesmo tempo em que reconhece a importância de sua exposição para “mostrar que o carnaval também pode ocupar esse espaço de arte contemporânea”.


7) LEONARDO BORA E GABRIEL HADDAD, “O REI QUE BORDOU O MUNDO: POÉTICAS CARNAVALESCAS NA ACADÊMICOS DO CUBANGO”, CENTRO MUNICIPAL HÉLIO OITICICA, 2019

Foto de George Maragaia. 

Em 2019, o Centro Municipal Hélio Oiticica recebeu duas exposições, produzidas pelo Carnavalize, sob a curadoria de Leonardo Antan. com obras de carnavalescos. “O rei que bordou o mundo: poéticas carnavalescas na Acadêmicos do Cubango” trazia o desfile homônimo criado por Leonardo Bora e Gabriel Haddad para a Cubango em 2018. Baseado na vida e obra do artista Arthur Bispo do Rosário, o enredo levou as obras de arte do Bispo para o carnaval e a exposição levou para a galeria a carnavalização da obra de arte, por si só uma obra nova. Foram exibidos materiais e vestígios da produção como objetos, figurinos, desenhos e fotografias, entre eles a releitura que Bora e Haddad fizeram do Manto de Apresentação. 

8) “UMA DELIRANTE CELEBRAÇÃO CARNAVALESCA: O LEGADO DE ROSA MAGALHÃES”, CENTRO MUNICIPAL HÉLIO OITICICA, 2019

Foto de George Maragaia. 

“Uma delirante celebração carnavalesca: o legado de Rosa Magalhães” foi uma das exposições que o Carnavalize realizou em 2019. Além dos trabalhos da homenageada, foram convidados artistas cujos trabalhos promoviam releituras ou conexões com a produção de Rosa. O curador Leonardo Antan organizou cinco núcleos temáticos em torno da poética da carnavalesca: “Imaginário viajante”, “Diáspora”, “Afetos”, “Brasilidade” e “O índio é um forte”. Entre os 36 artistas que compuseram a exposição estavam carnavalescos como Leonardo Bora e Gabriel Haddad, Fernando Pamplona, Jack Vasconcelos, João Vitor Araújo e Jorge Silveira, entre outros artistas do carnaval e artistas contemporâneos.

9) “CARNAVAL DE RIO”, CENTRE NATIONAL DU COSTUME DE SCÈNE (FRANÇA), 2021

Adereços e cabeças expostos na França.
O Centro Nacional de Indumentária e Design do Teatro da França possui uma coleção de mais de 10 mil fantasias e 23 mil objetos, sendo um dos maiores museus do mundo a se dedicar à conservação de indumentária do teatro. Durante a pandemia, o professor e pesquisador Felipe Ferreira se juntou à diretora do Centre, Delphine Pinasa, para organizar uma exposição que levou mais de cem figurinos das escolas de samba para a França para apresentar “o maior espetáculo do mundo”.
Com criações de Renato e Márcia Lage, Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, Leandro Vieira, Leonardo Bora e Gabriel Haddad, Alexandre Louzada, a exposição dividiu-se em 13 salas – uma dedicada ao carnaval de rua (com fantasias de bate-bolas, de bandas e blocos, e dos bailes de máscaras), uma para as roupas de Carmem Miranda, uma para estrutura das escolas de samba (e carnavalescos e enredos), uma dedicada a herança africana, uma intitulada “homenagem aos povos indígenas”, uma para as influências francesas, uma para fabricação das fantasias, uma para cidade do samba, uma para as roupas de porta-bandeira e mestre-sala, uma para alas, uma para bateria e rainha de bateria, uma para baianas e a última para o Sambódromo.

As fantasias eram, em grande parte, recentes, mas algumas de coleções privadas eram antigas o suficiente para não ser possível identificar a que desfile pertenceram. Na lista de escolas representadas figuram grandes agremiações como Acadêmicos do Grande Rio, Acadêmicos do Salgueiro, Estácio de Sá, Imperatriz Leopoldinense, Mocidade Independente de Padre Miguel, Portela, Unidos de Padre Miguel, Unidos do Viradouro, Beija-flor de Nilópolis, Estação Primeira de Mangueira, Paraíso do Tuiuti, São Clemente e Unidos de Vila Isabel.

 10) As bandeiras da Mangueira e da Beija-Flor no MAM 

Exposição Hélio Oiticica – A dança na minha experiência, 2021, Museu Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foto de Fabio Souza.

Nos últimos anos, alguns museus também têm incorporado obras das escolas de samba em suas exposições coletivas. A “Bandeira Brasileira” de Leandro Vieira (Mangueira, 2019) já esteve no MAM (Hélio Oiticica – A dança na minha experiência, 2021), no MASP (Histórias Brasileiras, 2022), e no Instituto Moreira Salles (Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, 2021). A exposição referente a Carolina Maria de Jesus também esteve no MAR (2022), SESC Rio Preto (2023) e SESC Sorocaba (2022). A bandeira trazendo a inscrição “índios, negros e pobres” foi amplamente divulgada fora do carnaval, como símbolo do desejo de um país diferente em meio à ascensão da extrema-direita. Atualmente, trata-se da obra vinda do carnaval que mais foi exibida. Suas fotos dividindo salas e paredes com cânones da arte brasileira como Oiticica e Abdias Nascimento são um símbolo da proximidade que o carnaval vem conquistando com as instituições de arte.
A Beija-Flor também tem conquistado espaço, e esteve no MAR com a fantasia de baianas “Saluba Rosana” de 2022 (Um defeito de cor, 2022) e no MAM com a bandeira “Por um novo nascimento” do desfile de 2023 (Atos de revolta: outros imaginários sobre independência, 2023). Assim como a recepção da bandeira de Leandro Vieira, as obras de Alexandre Louzada e André Rodrigues correspondem a um apelo da cena artística por temas que lhe são caros (os enredos para os quais as obras foram criadas foram “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor” e “Brava gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência”). Mas isso também representa que os desfiles das escolas de samba estão sendo vistos como um local legítimo de produção artística contemporânea nacional. 
Bandeira que fez parte do carro alegórico “Por um Novo Nascimento” (Beija-Flor, 2023) na exposição Atos de revolta: outros imaginários sobre independência, 2023, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Outras muitas questões podem (e devem) ser abordadas a partir disso, como o fato de que essa lista se trata de um punhado de nomes e obras quando comparada à grandeza numérica e criativa do carnaval das escolas de samba, e serem pessoas cujas biografias seguem um certo padrão. E ainda a questão da autoria nas escolas de samba e os carnavalescos brilharem por um trabalho construído coletivamente, a problematização das categorias de arte popular, de artista e de carnavalesco, e até de “Arte de verdade” e quais as relações de poder em torno delas. E até mesmo sobre a validade de “ser aceito” por essas instituições, a partir do retorno que isso efetivamente gera para os trabalhadores da festa e agremiações.
A construção das escolas de samba é complexa e plural, repleta de negociações que garantem a continuidade de uma manifestação que nasce marginalizada e onde cada indivíduo tem também seus próprios objetivos (que podem ou não estar alinhados com objetivos maiores do meio) e é importante que isso seja observado quando tentamos analisar a relação da arte do carnaval com as instituições de arte.
BIBLIOGRAFIA

LEITÃO, Luiz Ricardo. Rosa Magalhães: a moça prosa da avenida. Rio de Janeiro: DECULT, 2019.
GOMES, Fábio; VILLARES, Stella. O Brasil é um luxo: trinta carnavais de Joãosinho Trinta. CBPC, 2008.
ANTAN, Leonardo. Fernando Pinto Maravilha: um ziriguidum tropicalista. Revista Desvio -UFRJ, Rio de Janeiro: 2017, ano 2, n. 3.
MORAES, Debora. LEANDRO VIEIRA, ARTE E CARNAVAL. 2022. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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