por Leonardo Antan
“Suor pela arte em defesa das cores
por Leonardo Antan
“Suor pela arte em defesa das cores
Sustentando estandartes de tantos amores”
Momento mágico do desfile, o bailado do mestre-sala e porta-bandeira carrega um simbolismo dos maiores dentro do cortejo de uma escola de samba. As nobres damas que ostentam seus pavilhões se tornam verdadeiras deusas entre rodopios e sorrisos, para homenagear essa nobre arte fizemos uma lista com grandes mulheres que riscaram o chão da avenida e eternizaram seu nome por lá, venha conferir:
1 – Dodô
Figura lendária do pantheon portelense, nossa eterna Dodô faleceu às vésperas do carnaval de 2015, deixando muita saudade e um enorme legado na escola. Mas muito antes de ser figura marcante e encantar a Sapucaí sempre no chão, trajada elegantemente e até como madrinha de bateria em 2004 ao lado da rainha, à época, Edicléia das Neves. Dodô da Portela foi a pioneira no bailado e na ginga portelense, estreou junto com o primeiro título da escola de Madureira, lá em 1935, considerado o primeiro desfile oficial, organizado pela prefeitura. A jovem menina tinha apenas 15 anos quando ganhou a responsabilidade de ostentar o imponente pavilhão da Majestade do Samba, teve, até que que enganar o juizado e afirmou ter 19 para que pudesse desfilar. Conduziu o estandarte azul e branco no lendário heptacampeonato da escola e ficou na função por mais de vinte anos, saindo apenas em 1957 para dar lugar a outra lenda… Um certo cisne!
2 – Neide
No morro mais verde-e-rosa do carnaval, não faz tanto tempo, foi cantado, em 2015, que mulher de Mangueira, mulher brasileira vem sempre em primeiro lugar! E não podia haver outro lugar para surgir outra deusa da ginga do samba. Parceira histórica do eterno mestre-sala Delegado, Neide fez história na Estação Primeira. Estreou em 1954 e, rapidamente, a raça e elegância do casal souberam traduzir toda a força e imponência verde-e-rosa, marcando na história a força do bailado mangueirense. Sempre impecável, desenvolveu uma maneira própria de bailar, com muitos rodopios inesperados, que a faziam girar e girar de um lado para o outro com o mastro sempre apontando para o alto. Na década de 60, rivalizou com Vilma o posto de maior da avenida. Sua despedida foi tão linda quanto triste, sofrendo de um câncer no útero, a bailarina escondeu a doença por quatro anos, desfilando cada vez mais magra. Chegou ao ponto de ter de pedir para reduzirem o peso de sua fantasia pois já não aguentava os quilos do traje. É, não é de hoje que as roupas são pesadas. Numa daquelas ironias que o destino nos prega, em 1980, último ano dela na avenida, o quesito mais nobre da festa havia sido eliminado do julgamento.
A Mangueira é tão enorme que não cabe apenas uma, mais duas lendas na defensa de pavilhão de cores tão famosas. Rivailda do Nascimento, a Mocinha, nasceu e cresceu na lendária comunidade, teve como inspiração sua tia, que era porta-bandeira nos primeiros anos da agremiação na folia, lá nas décadas de 1930. Com uma história atípica, Mocinha teve uma longa trajetória até defender as cores da primeira estação do samba. Estreou em 1939, ao treze anos, como segunda porta-bandeira. O destinou a afastou da escola, só a fazendo retornar anos depois em 1960 como QUARTA porta-bandeira (sim, existiam quatro casais). Com seu talento, logo alcançou o posto de segunda defensora do pavilhão e foi como segunda que fez história enquanto Neide bailava como a estrela maior. Em 67, ao assumir o posto de porta-bandeira principal, não se bicou com o lendário mestra-sala Delegado, voltando ao segundo lugar no ano seguinte, onde permaneceu por mais de uma década. Em 1980, aos 54 anos fez história ao ganhar a premiação maior do Estandarte de Ouro de melhor porta-bandeira mesmo como segunda. No ano seguinte com o falecimento de Neide, ela assumiu o protagonismo absoluto. Participou dos lendários campeonatos de 1984 (Braguinha), 1986 (Caymmi) e 1987 (Carlos Drummond de Andrade). Se despedindo em 1988 com 62 anos. Tornou-se baluarte do pantheon mangueirense e faleceu em 2002, aos 76 anos, conquistando tantas estrelas ao pavilhão que amou, tornou-se mais uma delas não só no céu, mas no imaginário de cada um de nós.
4 – Vilma
A Cisne da Passarela, citada no primeiro texto, traduziu em seu bailado a elegância, requinte e esplendor tão característicos na escola de Oswaldo Cruz e Madureira. Vilma teve uma história de resistência até chegar ao posto que lhe consagrou, ela saía na União de Vaz Lobo e não queria largar a escola no segundo grupo. Foi só com a insistência de Natal, seu sogro, e um pedido feito por Dodô que assumiu o posto. Vilma e a Portela eram dois bichos papões da folia que, à época, davam as cartas na folia. Desde de 1957 permaneceu como defensora maior do pavilhão portelense até o início de 1970, se afastando junto a Natal, envolvido com problemas com o governo militar. Continuou saindo como destaque e na década seguinte participou da fundação da Tradição, juntos com outros bambas, defendeu o pavilhão do Condor de Campinho de 1988 a 1993.
5 – Maria Helena
Uma rainha em Ramos. A própria tradução da Imperatriz: a elegância, a graça, o sorriso largo. A história dos guardiões do pavilhão passam por um casal único, em vários sentidos, na tradição carnavalesca, uma mãe e seu filho reinaram soberanos durante 23 anos no brilho do verde, branco e ouro de Ramos. Com uma história de superação longa, Maria Helena emergiu vindo do interior de Minas Gerais, encantou-se com o bailado dos lendários Neide e Delegado e ao ver a dança dos dois, cravou seu destino. Começou como porta-estandarte de pequenos blocos, estreando no baticumbum das escolas nos anos 70 na Unidos da Ponte. Após se mudar para o Complexo do Alemão, estreou na Imperatriz em 1977, ficando apenas um ano e se mudando para União da Ilha durante 80 e 81. Voltando em 83, permaneceu até 2006 após um afastamento polêmico com 60 anos de idade, deixando no currículo mais de seis títulos conquistados.
6 – Rita
Quando o Salgueiro perdeu o protagonismo da folia no final da década de 1970 para dar espaço ao surgimento de outras grandes escolas, as chamadas 3 irmãs, uma porta-bandeira roubou para si os holofotes da vermelha e branco da Tijuca. Revolucionária, Rita chegou na Academia em 1982 após um concurso já sacudindo as estruturas do bailado tradicional do casal mais nobre da folia e quebrando paradigmas. Branca e de classe média, formada em Educação Física, sua presença causou estranhamento. Além dos clássicos rodopios, Rita incorporou ao bailado mais movimentos corporais, muito movimentos de braços e coreografias com seu parceiro, garantido uma sequência de notas 10. Rompeu com a Academia pela primeira vez em 1986 após um desentendimentos com a diretoria da escola. Voltou, de forma triunfal, anos depois em 1991, quando faturou um Estandarte no lendário desfile sobre a Rua do Ouvidor, estreando com novo parceiro: Ronaldinho, que também faria história na Academia. Em 93, se mudaria para novata Grande Rio com promessa de cachê milionário pra época. Passou ainda pelo Império Serrano na segunda metade na década de 1990, sendo premiada pelo chamado Oscar do Samba em 96 e 99 na Serrinha, onde conseguiu apoio para realizar um sonho de abrir uma escola de casais, perpetuando o bailar em forma de arte para novos sambistas.
7 – Selminha
Por insistência da mãe, começou como passista na Unidos de Lucas, mesmo que ser porta-bandeira fosse seu sonho e do que despertasse, de fato, sua paixão. Seguiu, fazendo shows pelo mundo, chamava atenção pelo corpo magro e esguio. Em 1989, após a porta-bandeira do Império se acidentar, ganhou o concurso para assumir o posto, dando trabalho para o professor e parceiro Claudinho (não o atual, mas um homônimo) transformar a passista em porta-bandeira. Nos primeiros anos não se destacou e ainda sofreu um verdadeiro “atropelamento” com o pavilhão do Império Serrano num desastroso desfile sobre caminhoneiros, com uma fantasia para lá de conceitual cheia de referências ao automobilismo. Para 92, mudou para a Estácio e encontrou seu parceiro de avenida para sempre, Claudinho. Com garra, os dois participaram do histórico título da escola na homenagem ao “modernismo movimento cultural”. Permaneceu em São Carlos até despertar a atenção de Laíla e ser convidada para a Beija-Flor. Em 2003, decidiu realizar um pedido frequente de Laíla e desfilou no inicio da escola alterando de vez a história do bailado e sua posição no cortejo carnavalesco. Com um dos sorrisos mais bonitos da Marquês de Sapucaí e um bailado inconfundível, Selminha é a maior vencedora viva do Estandarte de Ouro com impressionante 6 prêmios, equiparando-se apenas ao nosso eterno mestre Jamelão.
8 – Lucinha Nobre
Uma trajetória marcada por uma estrela, um pavão e uma águia. Por onde passou, Lucinha Nobre fez história honrando o pavilhão que carregava na cintura, consagrando como poucas a ousadia e tradição. Embalada por uma família de sambistas, como o irmão Dudu, Lucinha é cria do samba e participou da criação das escolas mirins em 1984 e logo se tornou PB da Estrelinha da Mocidade. Com seu notável talento, em 1989, logo aos 13 anos virou a segunda defensora do pavilhão faturando o Estandarte de Revelação. Com a gravidez da também enorme Babi, que fez história na Mocidade e hoje é casada com o bamba, Arlindo Cruz, Lucinha a substituiu em 92, assumindo o posto definitivamente em 94. Em 1997, bancou uma briga ao querer mexer com a roupa do casal. No enredo sobre o Corpo, saiu de bailarina, apenas com um tutu representando o Lago do Cisnes. Também foi uma das responsáveis pela profissionalização do nobre cargo, cobrando para exercer seu bailado. Saiu de cena na estrela em 2001 para brilhar junto ao pavão. Com o furacão Paulo Barros, ela se tornou uma das pratas do Borel e um dos quesitos garantidos de bons resultados da escola. Em 2010, se mudou para a Portela e em Madureira foi abraçada pela azul e branco. Mesmo com uma passagem curta de três carnavais apenas, marcou seu terreno na terra de Dodô e Vilma.
9 – Maria Gilsa
A representante paulista na nossa lista é Maria Gilsa, bailou e encantou o Anhembi numa trajetória longa, por mais de 35 anos. Dançou na Tucuruvi, X9 Paulistana, Rosas de Ouro, entre outras. Mas marcou história mesmo na Roseira, onde ficou por 14 anos. Mais uma mestra do gingado que o sorriso escondeu uma história de superação. Aos nove anos, trocou Ipiaú (BA) por São Paulo em um pau-de-arara, para trabalhar como doméstica. Foi aos 21 que virou porta-estandarte na Primeira do Itaim; depois, na Acadêmicos do Tucuruvi e na X-9. Em 1995, chegou à Rosas de Ouro, onde foi primeira porta-bandeira e ganhou, como poucas, o pavilhão com seu nome bordado. Morreu domingo, aos 57 anos, de infarto. Foi casada com o diretor de harmonia da Unidos da Vila Maria e tinha, na Mocidade Alegre, filho sambista e filha porta-bandeira. Deixando como legado a grande Adriana Gomes, que reinou na Morada de 2003 a 2012.
“Mas é claro que existe a mão divina a conduzir Esse samba bailado em cortejo na Sapucaí Entre sorrisos e lágrimas Vamos aplaudir”
A elegância marcada nos gestos e na roupa, nossa lista foi apenas uma singela homenagem às grandes mestras na arte de defender o pavilhão. Optamos por incluir, as que julgamos, mais importantes para história que representaram marcos nessa nobre arte da folia. Seja pela inovação no bailado, longa carreira ou número de estandartes. O que não nos faz esquecer de nomes atuais, que fizeram e fazem história diariamente:
– Giovanna, verdadeira herdeira de Neide e Mocinha no pavilhão verde-e-rosa, brilhou anos na Estação Primeira até se mudar para a Tijuca e ser campeã no emblemático ano do “Segredo”.
– Marcela Alves, atualmente no Salgueiro, mas já brilhou na Mocidade e na Mangueira. Multi campeã do Estandarte de Ouro.
– Squel Jorgea, que reinou anos na Grande Rio até se transferir para Mocidade. E então vem reinando na verde-e-rosa onde fez história ao desfilar careca. Vale lembrar que tem o samba no sangue, sendo neta de Xangô da Mangueira.
– Rute Alves será para sempre Vila Isabel, acompanhou a escola no acesso e brilhou junto com a azul e branco de Noel na volta para o especial, onde embalou os títulos de 2006 e 2013. Está atualmente na Tijuca desde 2014.
– A já citada Babi, que brilhou na Mocidade em vários campeonatos da estrela.
– Dóris, soberana de Nilópolis, antes de Selminha o pavilhão azul e branco já havia sido levado por nobres mãos.
– Ana Paula, sempre ao lado de seu marido e fiel companheiro Robson, que fizeram história em várias escolas.
– A também já citada Adriana Gomes, filha de Maria Gilsa, ficou na Mocidade Alegre de 2003 a 2012.
– Karin Darling bailou mais de trinta anos defendendo o pavilhão da Leandro de Itaquera, fundada pelo seu pai.
– Sueli Riça embalou uma história em azul e rosa em São Paulo, na Rosas de Ouro.
Referências: Toda a história de algumas das porta-bandeiras citadas, você pode conferir no livro “Porta-Bandeiras: onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, de Aydano André Motta, no qual esse texto se baseia.