Arte: Vitor Melo. |
Por Thomas Reis
com colaboração de Leonardo Antan
Em mais uma homenagem, o Carnavalize saúda os 110 anos do nascimento de João Rubinato. Talvez pelo nome seja difícil identificar o personagem, mas ele foi um grande sambista, boêmio, compositor, ator e cantou São Paulo e o Bixiga como ninguém… Já sabem quem é?
João Rubinato deu vida ao emblemático personagem da cultura brasileira: o “pai do samba paulista”. Isso mesmo, estamos falando de Adoniran Barbosa, o paulista que desmentiu Vinicius de Moraes e mostrou que, além “da garoa”, São Paulo é terra de samba também.
Com o chapéu de aba quebrada para o lado, a borboleta encantada no pescoço e o cigarro preso aos dedos, de João Rubinato só restava a voz rouca maltratada pelo tempo e pelas altas doses da vida boêmia de Adoniran Barbosa, que vivia pelas ruas, cantarolando por todos os lados, acompanhado pelo som que saía de uma caixa de fósforo qualquer.
Após ser “gongado” várias vezes no show de calouros da Rádio Cruzeiro, foi cantando Noel Rosa que venceu o programa e acabou sendo contratado pela emissora. O artista chegou até mesmo ouvir que sua voz era boa para acompanhar defunto, e, ainda assim, não desistiu.
O sucesso na música não veio de uma hora pra outra e foi no Carnaval que ele começou a ver sua vida mudar. Em 1935, venceu o concurso de músicas carnavalescas realizado pela prefeitura de São Paulo com “Dona boa”, uma marchinha leve e sem vergonha que caiu na boca do povo!
Se a vida de cantor não emplacou, Adoniran soube como ninguém criar tipos. Ao trabalhar com o produtor Osvaldo Moles, começou a criar diversos personagens populares que retratavam o cotidiano de SP. Foi aí, de fato, que o sucesso e o reconhecimento do seu talento começaram a chegar.
Na música, as coisas começaram a mudar quando ele resolveu retratar as transformações da capital paulista. Assim nasceu “Saudosa Maloca”, que deu origem ao programa “Histórias das Malocas”, no qual Adoniran vivia o malandro “Charutinho”, um verdadeiro sucesso ao longo de 10 anos.
Em suas composições, Adoniran tentava se aproximar da linguagem paulistana popular, foi assim que seu amigo Ernesto se tornou Arnesto e ganhou um samba em sua homenagem, outro sucesso. Poucos músicos foram tão bons cronistas do seu tempo quanto o compositor.
Simultaneamente ao sucesso musical, o sambista levava uma carreira sólida como ator. Um marco foi o filme “O cangaceiro”, quando interpretou Mané Mole. O personagem caricato foi aclamado pela crítica, sendo considerado um dos destaques do filme que concorreu no Festival de Cannes.
A grande parceria de sua vida foi Matilde de Lutiis, sua esposa e maior fã. Ela recebeu de seu amado uma aliança feita com a corda do cavaquinho e foi a inspiração de mais um grande sucesso, “Prova de Carinho”. O singelo anel foi protegido com carinho até o final de sua vida.
O grande triunfo da sua carreira se deu em 1964, quando o grupo Demônios da Garoa, para o qual Adoniran vivia compondo, gravou Trem das Onze. O sucesso foi colossal, ganhando até versão em italiano. A música foi ainda premiada como a música do carnaval do Rio de Janeiro, em 1965. A cidade dos bambas se curvou diante do paulista boa praça. Assim, o distante bairro de Jaçanã entrou para a geografia afetiva da música popular brasileira.
Da parceria com Elis Regina, nasceu uma profunda amizade que levou felicidade para o coração do já velho Adoniran e rendeu a gravação definitiva de “Tiro ao Álvaro”. A música já tinha sido composta vinte anos antes, mas foi em 1980 que explodiu pelo país na voz da Pimentinha!
Com o tempo passando e a idade chegando, o velho boêmio foi se sentindo cada vez mais deixado de lado na rádio. Em meio à desvalorização, o espírito de artista, que nunca sossegou, falou mais alto e no auge de seus 60 e tantos anos foi pedir emprego na TV Tupi.
Lá, conseguiu o papel na novela Mulheres de Areia para interpretar o pescador Chico Belo. Depois disso, foram mais quatro novelas na sequência. Adoniran sempre foi um artista completo e disso ninguém tinha dúvidas.
Aos 62 anos, com a popularidade resgatada e a inspiração a flor da pele, sentiu os primeiros sinais de fraqueza de sua saúde. Inventou a boemia diurna, regada a whisky, cigarro e caminhadas pelo centro de SP. Gostava do contato com as pessoas.
Clementina de Jesus foi uma das grandes amizades que Adoniran fez ao longo da vida, e teve o prazer de gravar uma das últimas canções compostas pelo sambista.
Adoniran acompanhou os avanços imparáveis de São Paulo, mas no meio do progresso foi forçado a parar, enquanto sua amada cidade seguia. Acometido por um enfisema pulmonar, partiu no dia 23 de novembro de 1982. O luto tomou a terra da garoa. Foi-se seu grande artista.
No carnaval paulista, o sambista foi homenageado meses antes de sua morte pela Colorado do Brás, em 1982: “Chegou a hora amor/Chegou, chegou/O trem das onze/ Vai partir e já me vou/ Meu amor”. Em 1998, voltou a ser lembrado pelo Rosas de Ouro com o enredo “Samba da Garoa”.
Uma homenagem ao grupo que fez sucesso com as músicas compostas por Adoniran também esteve presente no último título dos Gaviões, em 2003, dividindo os versos com seu amigo de Vila Isabel: “Rio de Janeiro… samba de Noel/ Terra da garoa… Adoniran… o menestrel”.
Adoniran teve a sensibilidade de converter em poesia toda a transformação pela qual passava a cidade de São Paulo. Aliando o cômico e o melancólico como poucos em suas obras, viveu e se inspirou nas ruas para ser o maior cronista da capital paulistana.