Carnavanálise: Encomendar ou não? Eis a questão

por Equipe Carnavalize

A encomenda de samba é uma realidade no mundo das escolas de samba cariocas. Se antes era um modelo possível em um caso isolado na Renascer de Jacarepaguá, agora chegou a outras agremiações da Série A e ao Especial. Além da escola da zona oeste, até agora, mais três escolas anunciaram que não promoverão o modelo tradicional da disputa de samba. No especial, a Paraíso do Tuiuti. Na série A, além de Jacarepaguá, Inocentes e Sossego também vão seguir essa nova tendência. 
Se na Renascer, que há quatro anos adota a encomenda com garantia de excelentes sambas, a medida já dividia opiniões, a exportação do modelo para outras escolas abriu um cenário acalorado sobre o tema. Com isso, a gente preparou uma grande análise do tema, com prós e contras desse novo momento para o samba-enredo nas escolas. Ouvimos alguns membros do site, mais compositores e figuras do carnaval para darem suas opiniões. 
Até então o único caso no Grupo Especial para o próximo carnaval, a Paraíso da Tuiuti optou por encomendar o samba com três compositores já da escola e mais dois nomes renomados do carnaval; a obra será assinada por Zezé, Jurandir, Aníbal, Claudio Russo e Moacyr Luz. Segundo o presidente Renato Thor, a encomenda veio para garantir pontos no quesito samba-enredo, no qual a escola foi muito despontuada no último carnaval e que ele considera “ser 50% de um desfile”.

Em uma situação bem oposta, a Acadêmicos do Sossego optou pela encomenda de samba por questão de economia e problemas de local. Com dificuldades que envolvem sua quadra, a disputa de sambas foi inviabilizada e a escola resolveu optar por encomendar seu hino oficial para 2018 com Felipe Filósofo, campeão das últimas duas disputas da agremiação. Pelo mesmo motivo a Inocentes de Belford Roxo encomendou seu samba com André Diniz e também Claudio Russo, nomes consagrados do mundo do samba. Ao lado da Sossego e de mais duas escolas da Série A, a agremiação também não poderá contar com sua quadra ainda este ano, o que dificulta muito a realização das disputas. 
O modelo tem dado certo, resultando em sambas lindíssimos e garantindo boas notas nos quesitos para as escolas. O questionamento que se faz é: até quando isso irá acontecer em alguns casos? Como será a partir do momento em que as obras encomendadas começarem a perder qualidade? Compensa anular uma ala de compositores inteira de uma agremiação em troca de um bom hino na Avenida?

Quadra da G.R.E.S.E.P Mangueira em dia de disputa de samba (Fonte; site da escola)

Comparando a folia paulista, é bom entender que encomenda nem sempre é garantia de qualidade. A tradicional Águia de Ouro negocia seus sambas direto com sua ala de compositores desde 2010, tendo grandes obras no currículo como 2013 e 2014, mas também o criticado samba deste ano sobre a proteção dos animais. Além dela, há outros casos isolados do modelo nos últimos anos, como a Independente e a obra campeã da Império de Casa Verde em 2016.

Consagrado compositor paulista, Aquiles da Vila já teve seus sambas cantados por escolas importantes como Rosas de Ouro, Mancha Verde e Império de Casa Verde. Sua visão sobre assunto é conciliadora, apontando prós e contras: “Como quase todas as decisões que tomamos nesse vida, arcamos com o ônus e bônus. A tradicional eliminatória de sambas de enredo talvez seja o momento mais caloroso e democrático de uma escola, pois é nessa fase onde existe o maior envolvimento da comunidade e seus setores – a escolha do samba através de apresentações na sua própria quadra.” Ele admite que o modelo tem perdido espaço, por conta dos custos para o compositor sendo desgastante para todos, mas acredita ter lados positivos também: “Indo um pouco mais além, também vejo como um momento onde a escola tem a possibilidade de agregar novos componentes, ampliando assim, os simpatizantes e foliões à sua comunidade. Como exemplo, tenho amigos que nunca tinham “pisado” em uma escola de samba, mas aceitaram o desafio de torcerem por mim, e assim se apaixonaram e até hoje desfilam na agremiação.”

Por fim, Aquiles concluí: “O formato “samba encomendado”, elimina automaticamente todo esse processo citado acima. O compositor é “contratado” para fazer o samba e ponto final! Mais importante do que o próprio formato, é a escolha coerente e correta. É um dos poucos quesitos que a agremiação têm chance de escolher antes de pisar na avenida e garantir a nota máxima.”

No Rio de Janeiro, desde a criação da Série A em 2013, além da Renascer, a medida pelo modelo foi usado também pela União de Jacarepaguá e a Rocinha em 2014, quando ambas foram rebaixadas. Dos três sambas, a obra da Renascer sobre o cartunista Lan se destacou positivamente, o da Rocinha negativamente, enquanto o da União apresentou uma qualidade bacana. 
Intérprete da Renascer, um dos autores do samba da escola este ano, com histórico de grandes obras levadas para a Sapucaí com sua assinatura, Diego Nicolau destaca a responsabilidade dos sambistas que assumem a missão: “Eu, como compositor sambista, acredito que a disputa é realmente saudável à ala de compositores das agremiações contudo existem contextos que acabam por justificar essa escolha de algumas agremiações. Acredito que a responsabilidade da parceria escolhida seja triplicada pois a cobrança é ainda maior por um samba de muita qualidade“, disse o sambista para o nosso site. 


Diego Nicolau e Cláudio Russo, autores do samba da Renascer em 2017.

Também compositor, Samir Trindade tem visão bem mais pessimista sobre a questão: “Cada agremiação faz o que considera melhor para si. Mas minha opinião é que a disputa é saudável, movimenta a agremiação; a disputa tem que existir. A ala de compositores é um alicerce de uma escola de samba. Houve, nos últimos anos, uma reversão: os compositores são desvalorizados. Os grandes fundadores das escolas de samba, das grandes escolas foram compositores.”, disse Samir Trindade em entrevista ao SRZD sobre esse tema. Um dos principais compositores do cenário atual, Samir emplaca anualmente várias obras em diversas escolas entre especial e acesso. Ele continuou explicando na declaração para o portal o que chamou de terceirização da figura do compositor: “As escolas entendem que o compositor é um prestador de serviço, uma figura terceirizada. Que faz o samba para a escola, tem um retorno financeiro e, após o Carnaval, o vínculo termina ali. O compositor é o corpo da escola, é alma da escola de samba, é a essência disso tudo. Estão colocando a figura do compositor à margem. Não existe escola de samba sem samba. É preciso que as agremiações movimentem o ano inteiro suas alas de compositores.

Em declaração exclusiva para o Carnavalize, o historiador Luiz Antônio Simas, autor de obras sobre a história do samba-enredo e também compositor, vai de encontro a opinião negativa de Samir Trindade, ressaltando os problemas do modelo em longo prazo: “A encomenda de sambas-enredo é, ao mesmo tempo, uma das causas e consequência do esfacelamento das alas de compositores. Acho particularmente um desastre, já que inibe o surgimento de novos compositores e limita a um pequeno grupo a função de fazer o samba. Em larga medida, isso é resultado das distorções absurdas que passaram a marcar as disputas de samba; caríssimas e viciadas.”

Além de compositores, ouvimos também sambistas e membros da imprensa carnavalesca, como o radialista Carlos Alberto que comanda o Carnaval Show, na Rádio Show do Esporte, ele entende o cenário e os motivos que levam as encomendas mas é contra as encomendas: “Penso que quanto mais ela for adotada, menos compositores novos vão surgir, as disputas ficaram cada vez mais escassas e desleais, e a banca dos chamados escritórios ficarão mais fortes até a situação beirar o irreversível“. Ele cita dois casos diferentes como bem sucedidos, o recente da Renascer e outro, mais antigo, da Tradição de 1985-89 que contava com obras assinadas por João Nogueira e Paulo César Pinheiro. E finalizando pedindo um debate maior dos dirigentes sobre o assunto repensando os rumos da festa: “Numa década em que o gênero samba-enredo renasceu, é hora dos novos talentos que batucam na mesa do bar e na caixinha de fósforo terem vez e voz e colaborarem com este gênero tão rico e valioso, mas enquanto a “banca forte” por trás das encomendas de samba continuar sendo fortalecida ao longo dos próximos carnavais, o “escritório de samba quebrando a firma” cantado pela Caprichosos em 2015 fará cada vez mais sentido.”, concluí Carlos Alberto assertivo. 

Numa discussão interna entre os membros da nossa equipe, a questão também divide opiniões. Nossa repórter, Juliana Yamamoto acha que há duas vertentes: é a favor das encomendas quando as escolas não têm como bancar as eliminatórias ou quando recebem poucos sambas concorrentes. Para essas escolas, as eliminatórias geram mais gastos que lucros. Já  no caso das escolas médias ou grandes que recebem muitos sambas concorrentes e que conseguem lucrar – como é o caso da Tuiuti – ela diz que discorda pelo fato de tirar a oportunidade de vários compositores mostrarem seu trabalho. Ainda pontua que muitas vezes os compositores perdem a vontade de escrever porque sempre será aquele grupo “seleto” que fará o samba. Editor-chefe, Felipe de Souza concorda com Juliana e acrescenta o adendo há o enfraquecimento da produção musical num contexto geral do carnaval, além das encomendas se tornarem mais viáveis, visto que muitas disputas se inflacionaram a ponto de apenas grandes parcerias – com sambas nem sempre bons – concorrerem.

Finalizando a discussão, o diretor de conteúdo do site, Leonardo Antan concluí entendendo que não é de hoje que se fala do modelo desgastado de disputa de sambas nas agremiações. É de conhecimento de todo o mundo do samba os altos custos e os problemas do formato. Porém,  poucas opções surgem para repensar o modelo que conhecemos. A encomenda não parece uma solução definitiva do assunto, mas uma outra via disponível, também passível de vários lados positivos e negativos.

O debate é extenso e não deve acabar tão cedo. Bom ou mau, não cabe juízos de valores tão assertivos. Um terceira via é sempre o preferível. E as escolas sabem, ao menos esperamos, conduzir suas escolhas da melhor maneira.

E para você? Qual sua opinião sobre a polêmica? Concorda ou discorda das declarações? Deixe seu comentário aqui ou em nossas redes sociais. Queremos todos no debate para o melhor do carnaval.

Surgindo uma polêmica, um assunto a ser debatido no mundo carnavalesco, nós estaremos aqui para fazer nossa “Carnavanálise” do assunto, ouvindo especialistas do assuntos com as mais diversas opiniões. Aguardem novos debates!

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2 respostas

  1. Quero so ver daqui 50 anos, quando esses ditos figurões morrerem quem é que vai fazer samba. Encomenda impede renovação. É antidemocrática e tira da maioria dos compositores o prazer de competir em suas escolas, coisa que esperam o ano inteiro pra fazer, mesmo sabendo que não vão ganhar.

  2. Creio que a questão financeira não seja a melhor das justificativas para a não realização de disputas. Existe certo retorno financeiro com entrada, consumação, etc. Por menor que possa ser o monetário, esse retorno também é sentido em fatores não mensuráveis.

    O samba que vence uma disputa chega com mais força nos ensaios. A comunidade (que também estará mais próxima da escola se tiver disputa) vai brigar mais por esse samba. O canto também tende a ser melhor, gerando reflexos notórios já no ensaio técnico em relação a harmonia.

    Creio que o """40 garantido""" em Samba Enredo tenha impactos macros que não fortalecem a causa em questão. Sou contra em totalidade.

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