Humor e irreverência são as palavras de ordem na nossa cidade carnavalesca hoje. Um divertido cortejo entre em cena na Carnavápolis para prestar uma justa homenagem a Luiz Fernando Reis, um dos maiores carnavalescos que a nossa folia já viu. De um jeito único, ele marcou seu nome na década de 1980 em seus carnavais assinados na Caprichosos de Pilares, transformando a escola na queridinha de todos os sambistas.
Tudo começou nos anos 1970, quando um folião se apaixonou pelos carnavais de Maria Augusta para a União da Ilha, mestra declarada de Luiz Fernando. O folião tentou ser compositor em algumas escolas mas seu destino estava em outra função. Chegou em Pilares no ano de 1982, o enredo ele tinha na manga há algum tempo: a feira livre. No embalo da cabrocha Lili o público se deixou levar pelo forte sol por um samba antológico. As frutas de verdade que decoravam os carros foram distribuídos para o público brindando um campeonato inesquecível rumo ao grupo especial.
Lili voltou a cena no ano seguinte para fazer uma passeio pela culinária brasileira. A explosão de alegria foi tanta que as luzes se apagaram deixando o “Cardápio à brasileira” às cegas. Impossibilitada de ser julgada, a azul e branco permaneceu no grupo para a inauguração do Sambódromo. Para essa difícil tarefa, o carnavalesco recrutou um time de peso. O enredo “A visita da nobreza do riso a Chico Rei num palco nem sempre iluminado” fazia um brincadeira com o carnaval da Imperatriz do ano anterior e ainda alfinetava pela falta de luz. Na brincadeira, vários mestres do humor se tornavam nobres para saudar o grande rei do humor Chico Anysio. A corte tinha até um bobo da corte, Milas Fulam (Salim Maluf ao contrário) com a mão num saco de dinheiro sobre um muro que clamava pelas “Diretas já”. Uma atitude política inédita de coragem que corou a apresentação recheada de irreverência e colorido.
E por falar em irreverência, veio o carnaval mais histórico, digno de Estandarte de Ouro de Melhor Escola. O maior momento de uma agremiação e seu maior artista, com muito bom humor e uma falsa nostalgia com a Saudade de “velhos tempos que não voltam mais”, do “bonde, o amolador de facas, o leite sem água…” e de escolher o presidente diretamente. Transformando o real em sonho, Luiz Fernando Reis mostrou que a fantasia estava em qualquer lugar, não precisava viajar ao Egito, nem a lugares distantes. Mostrando as belezas de um Brasil com S na sua potência. Brazil com Z nunca mais! A águia americana nunca venceria o bravo “caniriquito” na disputa contra o luxo e o gigantismo no desfile de 1986.
O casamento com Pilares durou até um ano depois. Envolvido na sua campanha para deputado, o professor de matemática se distanciou dos preparativos da apresentação que falaria das falas promessas dos políticos no enredo “Eu prometo”. Partiu então com destino a Ramos. A verde e branco passava por dificuldades e confiava no estilo leve de Reis para um boa colocação. Monarca, a Imperatriz não se divertiu e caiu na brincadeira com o enredo sobre as piadas, terminando na última colocação. Nova partida. Agora rumo ao Salgueiro, em 1989 a negritude entrou em cena num desfile que lembrava os grandes carnavais da Academia. Num raro trabalho que juntava beleza e leveza, o desfile acabou ofuscado por outras grandes apresentações. A Imperatriz que com Luiz Fernando questionava “a princesa que fingiu me libertar”, se sagrou campeã com “Isabel, a heroína”.
Sem a política para dar o tom e com um cenário menos fervilhante, o carnavalesco da crítica perdeu o rumo. Navegou por mares nunca dante navegados com a Tijuca em 1990 numa apresentação morna. Cantou as ilhas na tricolor insulana em 1992. Para então reencontrar sua maior musa. No retorno a Pilares, a lógica do luxo estava consolidada e a Mocidade dava as cartas. As belezas de um Rio do lado de cá do túnel Rebouças não empolgaram, nem uma coroa de quase noventa anos, que celebrava as histórias da avenida Rio Branco. Eram outros tempos.
Afastado do grupo especial desde 1995 quando assinou um carnaval na parceira de crítica São Clemente, Luiz Fernando Reis é hoje comentarista da nossa festa. Poucos sabem, entretanto, sua real importância para um momento especial da história do carnaval. A década de 1980 foi marcada pelos enredos críticos e políticos que levavam pra avenida o clamor pelas “Diretas já” no período final da ditadura militar. O carnavalesco de Pilares foi o pioneiro em tocar o assunto sem disfarces, caprichosamente deixando sua marca de leveza e irreverência nas páginas mais divertidas da nossa história. Com o fim da redemocratização, sua voz política perdeu a força e o rumo, patinando em posições medianas, mas se manteve fiel ao seu traço inconfundível. Traço de um mestre e grande artista da nossa folia. A quem homenageio com carinho.
Leonardo Antan é folião frequentador do Sambódromo desde criança e tem verdadeiro amor pelas escolas de sambas. Trabalha, estuda e vive o mundo de confetes e serpentinas durante o ano inteiro. Atualmente, cursa História da Arte na UERJ onde pesquisa também sobre o tema.