O clima olímpico invadiu a nossa cidade do Carnaval também. O show inaugural das Olimpíadas chutou as bundas dos pessimistas e do nosso complexo de vira-lata, o Maracanã presenciou um espetáculo cheio de emoção, com muita música, história, arte e samba no pé. Uma verdadeira maravilha de cenário que abusou de efeitos visuais extraordinários extraídos de materiais simples, do jeitinho que as escolas de samba sabem fazer muito bem. E nossa amada manifestação artístico-cultural também marcou presença forte na festança com direito a bateria, passistas e casais de mestre-sala e porta-bandeira de todas as agremiações do grupo especial.
Já era hora dessa gente bronzeada mostrar novamente seu valor e aproveitando o clima de orgulho do nosso país e do nosso carnaval, hoje vamos fazer um passeio por alguns sambas e músicas que foram cantadas na abertura olímpica ou que marcaram nossa história, pra entender por que o Brasil virou o País do Carnaval. Então, coloca a sandália de prata e vem com a gente.
Se você acha que o título de nação carnavalesca surgiu por causa das nossas escolas de samba está enganado. O carnaval já era sinônimo de cultura brasileira antes delas. Desde a independência e, principalmente, a partir da proclamação da república o Brasil precisava definir sua nacionalidade e seus símbolos patrióticos, num processo de construção da nossa identidade. Nos anos 1920, com o modernismo essa necessidade ficou ainda mais latente. Os artistas e intelectuais influenciados por movimentos europeus iniciaram um movimento de valorização do que era realmente nosso, como nossa exuberante fauna e flora e, acima de tudo, nossa manifestações culturais populares: dentre delas o carnaval.
Nas ruas do Rio de Janeiro quem comandava os dias de folia eram as Grandes Sociedades, chamadas de Grande Carnaval, e os ranchos, blocos e cordões, ditos como Pequeno Carnaval. Foi nessa tensão que surgiram as primeiras escolas, nascidas para institucionalizar o samba, visto então como ritmo marginalizado. Logo, essa manifestação tão rica chamou a atenção dessa gente que estava atrás do “verdadeiro Brasil”. O ritmo negro contagiante que as escolas tocavam dialogavam ainda com um movimento que vinha fazendo sucesso na Europa, a chamada Negrofilia, que valoriza ritmos e símbolos de influência africana, como o jazz. Surgia então a brilhante ideia, o samba era o jazz brasileiro.
Junto com o ritmo de pandeiros e cuícas, seus personagens começaram a ganhar as telas dos artistas plásticos, como o malandro e a baiana, esta internacionalizada pela eterna Carmen Miranda e seus balangandãs. Figura fundamental pra entender o sucesso internacional que o som mais brasileiro fez.
Então manifestações singelas, as escolas que se apresentavam na Praça Onze foram despertando as atenções do povo e dos intelectuais. Sempre negociando, assumiram a posição de símbolo definitivo de brasilidade. Esse processo ganhou ainda mais força com a ascensão do governo populista de Getúlio Vargas, preocupado em criar uma imagem brasileira a ser vendida para o mundo e para os brasileiros.
Enquanto as grandes sociedades e os ranchos eram ditos como manifestações espetacularizadas, cheias de sofisticação, imensas alegorias e com temas estrangeiros. As escolas eram vistas como exemplo máximo da pureza e essencialidade nacional, ligados as nossas raízes negras.
Malandramente, o povo do morro e do subúrbio souberam negociar e dialogar com o poder, instituindo por vontade própria a obrigatoriedade de itens, como as alas das baianas, os temas nacionais em seus enredos e a proibição de instrumentos de sopros, que reafirmavam a nacionalidade e africanidade das agremiações. O Brasil tornava-se de fato e direito verdadeiramente brasileiro, terra de samba e pandeiro.
A partir daí um grande processo cultural abalou de vez nosso país, tomado por muitas palmeiras, araras, bananas, mulatas e malandros. Nesse grande teatro de revista, nomes importantes das artes devem ser louvados como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Mário de Andrade. Na praça onze, a eterna Tia Ciata que abrigou em sua saia a santíssima trindade do samba: Donga, João da Baiana e Pixinguinha. Salve também os cantores do rádio, veículo de massa que popularizam a música popular. Salve Ary Barroso! Salve Assis Valente! Salve Carmen! Salve Larmatine! E tantos outros…
Retomando o fio da meada, que essa abertura olímpica nos encha de orgulho novamente de ser o país do samba, do funk, da bossa nova e muito mais. De ser o palco que abriga a maior manifestação artística-cultural do mundo. O maior show da Terra. A sagração de um povo que não tem medo de fumaça. Que carnavaliza e não se entrega não. A própria Carnavápolis.
Esse texto é dedicado ao professor Felipe Ferreira, um dos maiores estudiosos da festa, cujo os livros e aulas foram primordiais para a feitura desse texto.
Leonardo Antan é folião frequentador do Sambódromo desde criança e tem verdadeiro amor pelas escolas de sambas. Trabalha, estuda e vive o mundo de confetes e serpentinas durante o ano inteiro. Atualmente, cursa História da Arte na UERJ onde pesquisa também sobre o tema.