A ala das baianas é sempre um momento especial de uma escola na avenida, atualmente elas sempre encarnam figuras importantes do enredo, desfilando com as mais diferentes indumentárias. A nossa cidade do carnaval hoje será tomada um mar de saias rendadas, torços, panos da costa e muitos balangandãs. Pegue seu turbante e suas pulseiras e venha conhecer a história desse ícone hoje.
Já no primeiro desfile oficial das escolas em 1935, organizado pela UES, dois itens do regulamento causam estranhamento vistos hoje. A proibição dos instrumentos de sopro e a obrigatoriedade das alas das baianas. Por que as escolas recém criadas, com seu primeiro desfile três anos antes, teriam escolhidos tais itens?
A figura da baiana como quituteira e sua roupa volumosa eram uma das marcas do Rio de Janeiro, fazendo com que a baiana seja uma invenção carioca. Aqui elas eram diferenciadas e assim chamadas, na Bahia, eram apenas mulheres quituteiras. Desde o século XIX, com as escravas de ganho, a figura circulava pela cidade com seu tabuleiro sendo retratada por diversos artistas viajantes, como o icônico Debret. Já no início do século XX, a baiana já era vista com um dos símbolos cariocas, seja por seus dotes culinários ou religiosos. Foi na barra de uma delas que o samba nasceu, no terreiro da imortal Ciata. Dentre outras mães de santos que habitavam a região conhecida como Pequena África, atual zona portuária.
A figura de torso e pano da costa é exemplo fundamental para entendermos a consolidação do samba e do carnaval como símbolos nacionais, pois está marcada por uma série de tensões e negociações. Primeiro pois sua figura é mais complexa do que imaginamos. Apesar de ser lida como uma figura negra, a sua típica indumentária com rendas e anáguas é tipicamente branca e europeia. Internacionalizada, pela “portuguesa mais carioca” que o mundo já viu. Carmen Miranda é parte fundamental dessa história, pois deglutiu as baianas negras e as transformou num ícone de brasilidade a ser vendido para os outros países, numa época em que o Brasil procurava constituir sua imagem como nação perante o mundo. A icônica “O que é que a baiana tem?” do imortal Dorival Caymmi se consolida como um verdeiro check list do que categoriza uma baiana legítima.
A obrigatoriedade da ala nos primeiros desfiles afirmava a tradição das recém criadas instituições carnavalescas. A figura africana remetia a ancestralidade do samba e das escolas, virando rapidamente uma das marcas dos grupos que se apresentavam na Praça XI. Juntos a baianas, os malandros e as passistas virariam três figurais fundamentais do carnaval, retratados nas pinturas modernistas do período. Artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Goeldi e Cândido Portinari buscavam dar cores a essa ideia de Brasil que vinha se formando. A terra do samba e pandeiro.
No mundo dos confetes e serpentinas, a mais tradicional ala vem sendo desde sempre ressignificada e ganhando novas características com a mudança dos desfiles ao longo da história. Diferentes carnavalescos usaram a longa saia para reinventar o conceito de baiana e nos brindar com belíssimas fantasias. O barroco Arlindo Rodrigues marcou sua passagem na Imperatriz com baianas inesquecíveis no campeonato de 1980 sobre a Bahia. Esculturas de grandes negras foram um dos pontos altos daquela apresentação e a ala desfilou duas vezes, uma com seus quitutes e panos da costa verdes e outra mais barroca, com elementos dourados.
O irreverente Fernando Pinto usou e abusou das senhoras de Padre Miguel para levar para avenida as mais divertidas e tropicalistas baianas que a Sapucaí já viu. Seja com perucas coloridas, saias de oncinha ou seres siderais. Trazendo muitas inovações no formato da roupa que fizeram alguns tradicionalistas torcer o nariz, mas trouxeram ainda mais modernidade e beleza para as herdeiras de Ciata.
Outra que sempre aproveitou a roupa volumosa e fez verdadeiras joias foi a Deusa Rosa Magalhães. A versátil carnavalesca já apresentou as mais diversas fantasias. Em 1987 no Tititi da Estácio, suas “baianas da liberdade” foram criticadas pela ousadia de trazer uma saia em três camadas, invés de uma só. Na sua longa paisagem pela Imperatriz, as senhoras assumiram as mais variadas formas, de borboletas a azulejos portugueses. Já no seu título mais recente, ela trouxe a beleza de belas joaninhas para a Vila Isabel.
Se alguns tem nas baianas o ponto alto de sua carreira, outros tentam ousar e reinventar a roupa mas acabam pecando em excesso. Se nas alegorias, as ousadias de Paulo Barros são sempre recebidas com aplausos, na tradicional ala o mesmo não acontece. Seus figurinos nos últimos anos são exemplo de gosto duvidoso e até certo desrespeito com a ala. Inovações são sempre bem vindas, mas na medida certa.
Fora isso, as verdadeiras herdeiras de Tia Ciata também já se apresentaram ultimamente com formatos que fugiam do tradicional: ou com saias vazadas, colocando as pernas de fora, ou em formatos não convencionais na saia. Em 2007, a Porto da Pedra apresentou, o que pode ser considerada, a maior ala de baianas da história que cobria um setor inteiro com uma roupa em três cores branco, cinza e preto. Assinadas pelo apoteótico Milton Cunha.
Em 2014, um fato curioso aconteceu. As escolas Imperatriz e União da Ilha apresentaram fantasias muito parecidas, com a saia em formato de bola de futebol. Uma feliz coincidência. Algo parecido também aconteceu em 2006 e 07. A Viradouro desfilou com baianas bem parecidas com que a Mocidade havia apresentado um ano antes.
Recentemente uma grande polêmica tomou conta do mundo do samba com o anúncio feito pelo Laíla dizendo que a ala das senhoras viria com os seis nus na fantasia que contaria o enredo sobre Iracema. O mundo do samba se dividiu entre os que aprovaram ou não a ideia. Longe de polêmicas, nossas mães da folia são um dos saberes essências da festa. Uma homenagem as raízes da folia. Com ou sem pano da costa, com ou sem sutiã, sempre serão um dos maiores ícones e a representação máxima da folia brasileira.
As baianas ainda não sei o que elas têm, que as deixam tão esplendorosas. Mas se as escolas de samba são o que são, é porque baianas elas têm.
*Foram usados como base pra esse texto o artigo e dissertação “Yes, nós temos baianas: o processo de construção da figura da baiana de escola de samba do século XX” de Vãnia Araújo Mourão e os artigos sobre o tema de Roberto Conduru encontrados no livro “Pérolas Negras”.
Leonardo Antan é folião frequentador do Sambódromo desde criança e tem verdadeiro amor pelas escolas de sambas. Trabalha, estuda e vive o mundo de confetes e serpentinas durante o ano inteiro. Atualmente, cursa História da Arte na UERJ onde pesquisa também sobre o tema.