Nossa cidade carnavalesca hoje está em festa, uma nave especial desponta no seu céu multicolorido. Depois de dividir algumas histórias por aqui, peço licença para um texto mais carregado de emoção. Um espécie de carta-homenagem ao responsável pelo nome dessa coluna, pelos cachos que carrego orgulhosamente. Abram-alas que a nave verde e prata está perto de concluir seu poso e já se pode ver índios alados num grande cortejo para saudar ele: Fernando Pinto.
Contra o vento, ele deixou seu Pernambuco, trazendo nos cachos volumosos o sonho de viver nos palcos. Na efervescência dos anos finas de 1960, pousou com sua nave no Rio de Janeiro que vivia a reverberação do movimento tropicalista sob as dores da ditadura civil militar. Apaixonado pelas artes, sentiu aquela sensação inexplicável ao ver uma escola desfilar. Se apaixonou pela folia. Foi taxativo: “escola de samba é maior artístico, popular, folclórico, teatral. Uma verdadeira revolução.” Abusado, enviou uma carta ao Império Serrano se oferecendo para ser carnavalesco, prometendo resgatar a agremiação que vinha de maus resultados. Deu-se início a cruzada tropicalista carnavalesca.
A década das discotecas eclodiu. Na pátria do “Ame-o ou Deixe-O”, a cultura marginal dava o tom. Desbunde, drogas, liberdades individuais, cabeleiras que buscavam calar os canhões com uma flor. Morador de Copacabana, Fernando pulsou com uma juventude multicolorida e psicodélica. Leu O Pasquim, assistiu os filmes de Glauber Rocha, se maravilhou com o teatro de Zé Celso Martinez, frequentou o Museu de Arte Moderna, se embalou na geleia geral brasileira.

Na década perdida, partiu com sua nave de Madureira e encontrou abrigo em Padre Miguel. Com uma pausa turbulenta pros lados de um morro verde e rosa. Abraçado pela Mocidade, encontrou a companheira de bordo perfeita, juntos traçaram rotas inimagináveis. Nem o espaço foi o limite, fizeram todo o universo sambar. Lutaram com os camelões guerreiros contra a devastação da mãe natureza lá pelas bandas do Xingu. Brigaram por causa da margarida gostosa, mas como bom casal, viveram entre tapas e beijos. Conheceram o mundo só comprando muambas. E desbravaram a cidade que o homem branco não conhecia, onde os índios andavam de patins e ouviam heavy metal.
Nordestino e marginal, Pinto circulou no underground carioca. Rompeu gêneros com os revolucionários Dzi Croquettes, se jogou no Dacin Days com As Frenéticas, fez plateias rirem com o talento de Chico Anizyo, foi no balancê balancê de Elba Ramalho. Dirigiu, atuou, roterizou. Jogou nas onze. Figurinista, cenógrafo, decorador do baile do Pão de Açúcar, artista plástico. Se tornou o primeiro artista da folia a expor peças do seu desfile numa galeria da arte. E a coluna social da época, não titubeou, a exposição “Como era verde meu Xingu” foi um sucesso.

Quando enfim a liberdade voltou a raiar na nossa pátria mãe tão distraída e os ventos de uma constituição democrática sopravam, partiu levando sua liberdade cacheada. A Sapucaí havia ficado pequena, ele precisava desbravar o carnaval sideral. Nunca a avenida viu o carnavalesco tão a frente do seu tempo, que dialogou com seu público, os maravilhou e os confundiu. Não veio pra explicar. Sua missão sempre foi brilhar. Bye bye. Beijim Beijim.
Ao meu mestre, louco, gênio, revolucionário, artista, tropicalista, carnavalesco, cacheado, desbundado. Dedico um céu espacial e tropical todo dele. São Fernando Pinto. São Pinto.
Leonardo Antan é folião frequentador do Sambódromo desde criança e tem verdadeiro amor pelas escolas de sambas. Trabalha, estuda e vive o mundo de confetes e serpentinas durante o ano inteiro. Atualmente, cursa História da Arte na UERJ onde pesquisa também sobre o tema.