#ColabLize: Hora de vestir a fantasia de barata para sobreviver ao apocalipse (e fazer Carnaval em 2021)

A coluna #ColabLize é um espaço aberto a seguidores do Carnavalize e pesquisadores de carnaval para divulgar seus escritos sobre nossa folia. Quer enviar algum texto que verse sobre a festa? Mande para nós no e-mail contato@carnavalize.com. Com estreia excepcional nesta terça, o #ColabLize sairá quinzenalmente, sempre aos sábados!
Por Aydano André Motta
Um evento que leva à extinção espreita as escolas de samba do Rio. A quase certeza de que não haverá Carnaval em 2021, por causa da pandemia, lança ameaça dramática sobre as protagonistas da grande festa brasileira. Num setor fragilizado por inúmeras decisões equivocadas de seus comandantes, a crise inviabiliza as poucas receitas certas – e a COVID-19 assume o papel do meteoro que, ao bater na Terra, ocasionou o desaparecimento dos dinossauros. Pela primeira vez desde a origem, em 1932, é além de provável que o desfile não vai acontecer.
As notícias que emergem da Cidade do Samba são mesmo apocalípticas. Demissões em massa; barracões fechados; anúncio público do não cumprimento de acordos informais de trabalho; trabalhadores passando necessidades agudas pela falta de salários; marcas valiosas imersas em vexames constrangedores; dirigentes catatônicos; incerteza total em relação ao futuro. Cenário de terra arrasada, que não permite enxergar horizonte de recuperação.
Mas na hecatombe exterminadora dos gigantes que reinavam sobre a Terra, 65,5 milhões de anos atrás, houve espécies sobreviventes. As baratas, por exemplo. Conjugando agilidade, resiliência, pragmatismo e criatividade, venceram a explosão que envolveu o planeta em fumaça e poeira, tapou o sol e destruiu a cadeia alimentar. Estão aí até hoje, como inspiração – sim.
As escolas de samba precisam vestir a fantasia de barata e empenharem-se no combate à catástrofe que lhes ameaça a sobrevivência. Noves fora a admirável postura comunitária que produziu cestas básicas e material de proteção para as maltratadas comunidades geradoras de bambas, passou da hora de ir além. Como ensinou o genial mangueirense Nelson Cavaquinho, o sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações – mas vai demorar. Assim, à luta.
Vão daqui, com as devidas licenças, algumas sugestões desinteressadas:
1. A cidade. Para começar, as escolas precisam cobrar por sua importância na história carioca. Estão, desde 1932, ajudando o Rio, com a imagem de alegria e excelência, além de atrair turistas para deixar dinheiro aqui. Chegou a hora do troco. O bispo neopentecostal aboletado na cadeira de prefeito não vai se mexer – muito ao contrário, o projeto de sabotagem nunca esteve tão vigoroso – mas pouco importa. Os sambistas precisam bater à porta de empresas, entidades de classe, instituições, governantes, todo mundo que tenha algum interesse na terra carioca e pedir ajuda para o momento de emergência. E é para usar o arsenal à disposição: os porta-vozes devem ser as estrelas da festa – Neguinho da Beija-Flor, Monarco, Martinho da Vila, Selminha Sorriso, Leandro Vieira, Marcella Alves, Nelson Sargento, Paulo Barros, Viviane Araújo. Vídeos com eles, as celebridades da Sapucaí, para constranger o Rio de Janeiro a ajudar são o ponto de partida público da cruzada.
2. A Globo. “Nossa amiga”, nas palavras sempre agradecidas dos cartolas da Liesa, não pode faltar em hora tão difícil. A emissora tem contrato de exclusividade para a transmissão da maratona até 2024 – mas sem desfile em 2021, está formalmente desobrigada de pagar. Pouco importa. Como os clubes de futebol fazem quase todo ano, as escolas podem pedir um adiantamento em troca, por exemplo, da prorrogação do compromisso por mais um ano. A Globo também está incluída nos que precisam ser constrangidos a contribuir.
3. A eleição. Em novembro, as cidades brasileiras escolherão os novos prefeitos. As escolas devem, enfim, se comportar como corporação e mostrar força política. No Rio e nas cidades onde estão sediadas – Nilópolis, Caxias, Niterói, São Gonçalo, entre outras – têm que arrancar dos candidatos o compromisso público de apoio. Por todo seu valor histórico, pela importância na formação do nosso povo, o Carnaval precisa ser tratado como questão de Estado, imune a preferências eventuais dos inquilinos das prefeituras ou de interesses baseados na religião, por exemplo.
4. A postura. Qual empresa, governo ou entidade terá argumentos para se associar a instituições que assumidamente não cumprem seus compromissos com empregados e fornecedores? Não é possível que, em pleno 2020, as escolas se permitam ter dirigentes que assumidamente não pagam salários e menosprezam os artistas da maior festa brasileira. Para serem merecedoras de solidariedade, outra postura é urgente.
5. Sair do gueto. Há tempos, as escolas de samba vivem exiladas em suas comunidades, abdicando de participar cotidianamente da vida carioca. Aparecem no Carnaval, encenam seu show incrível na Sapucaí, e retornam ao gueto, desaparecendo dos olhos da população. Sem desfile em 2021, o sumiço vai se aprofundar, tornando fundamental uma comunicação muito mais intensa e competente do que as iniciativas artesanais de hoje. A tecnologia está aí, disponível para quem quiser usar. Com suas marcas (ainda) poderosas, as grifes da folia ostentam o potencial necessário ao sucesso. É só trabalhar.
6. O Carnaval – de 2021! Afora o milagre da vacina (acreditem: é impossível em tempo tão exíguo), será impensável qualquer aglomeração sem risco para a saúde, o que inviabiliza o Carnaval como o conhecemos. Mas a tecnologia – de novo ela – está aí para salvar quem sabe utilizá-la. As escolas podem realizar, em 2021, apresentações com a desejada segurança sanitária, seguindo os protocolos da ciência. Vamos desenhar, para a turma não ter trabalho:
Sorteia-se a ordem do desfile normalmente.
Na noite do domingo 14 de fevereiro, o apresentador anunciará o início da festa, pela Imperatriz (que subiu da Série A, lembra?), numa live com uma hora de duração na quadra da Rua Professor Lacé. Participarão casal de mestre-sala e porta-bandeira, cantor, cavaco, 10 ritmistas, cinco baianas e/ou passistas, todos devidamente trajados. Os sambas, um ou vários, serão de carnavais antigos, ao gosto da escola. 
Em seguida, a festa vai para a quadra da segunda a se apresentar, numa sucessão que terminará quando se calarem os tambores da sexta participante. 
Na noite seguinte, a Tuiuti abrirá a maratona com as outras seis agremiações, em novo passeio pelas quadras que se encerrará gloriosamente às 4h da madrugada da terça-feira de Carnaval.
As lives serão transmitidas pela Globoplay – justificando assim o pagamento pela “nossa amiga” Globo.
Não haverá competição formal, notas, jurados etc. Será uma celebração à história monumental das escolas de samba.
7. A primeira aglomeração. Com otimismo, ajuntamentos humanos serão possíveis lá pelo meio de 2021, com a então provável vacina e a diminuição dos casos de covid-19 hoje descontrolados no Brasil. Será hora de as escolas de samba reencontrarem seu público – não com o desfile convencional, de alegorias, fantasias, comissões de frente cinematográficas etc. Um grande ensaio técnico, dividido em dois fins de semana – três no sábado, três no domingo – com a Sapucaí aberta de graça para o povo do samba. De novo, com os hinos que todo mundo sabe de cor.
8. A volta. Os ótimos enredos anunciados até agora vão passar nessa avenida popular no último fim de semana de fevereiro de 2022, quando o Carnaval estará de volta em todo seu esplendor e glória.
E acabou? Não.
9. Geração de renda. Ao se entenderem como geradoras de arte única e inestimável, as escolas podem criar alternativas consistentes de trabalho e renda, muito além de shows e feijoadas. Leiloar desenhos dos carnavalescos, vender miniaturas de fantasias e alegorias, oferecer linhas de roupas variadas – muito além das camisetas de enredo –, apostar para valer no comércio eletrônico (que não vai embora ao fim da pandemia), investir em produtos audiovisuais para plataformas de streaming… Diante de tanta diversidade artística, as possibilidades são infinitas. 
10. O futuro. A lição, óbvia, precisa ser aprendida em algum momento. Apanhadas no contrapé pelo meteoro chamado pandemia, as escolas mostraram-se frágeis, indefesas, evidenciando sua tragédia administrativa. O renascimento tem que se dar em outras bases, com gestões consistentes, profissionais, sem paternalismo nem vaidades. O “novo normal” dos bambas chegará com as protagonistas do maior show da Terra valorizando suas marcas, praticando a transparência, respeitando seus trabalhadores, cumprindo contratos, investindo na comunicação, na tecnologia – enfim, se portando como instituições merecedoras de respeito.
Somente assim garantirão a sobrevivência, na direção dos futuros carnavais.

Sobre o autor:

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal Sportv. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. 

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