por Equipe Carnavalize
O Carnavalize compareceu à Carnavália Sambacon e ficou levemente perdido em meio a tantas celebridades e figuras importantes do samba. A feira, nas suas últimas edições, se firmou como ponto de encontro de quem faz a festa nos mais diversos segmentos, num ambiente descontraído, fora da tensão dos desfiles oficiais. Aproveitando isso, fizemos uma série de entrevistas com diferentes segmentos das escolas e as dividimos em grupos. Os relatos de hoje ficam por conta dos carnavalescos. Lembrando que ainda teremos uma matéria especial com coreógrafos das Comissões de Frente, fique ligado!
Após assinar três desfiles na Tijuca, Quintaes ruma o carnaval paulista (foto: Michele Iassanori) |
Escolhemos três figuras do carnaval; O primeiro é Mauro Quintaes, carnavalesco com passagens por Salgueiro, Gaviões da Fiel e Unidos da Tijuca. Após ser dispensado da Tijuca, no final do carnaval 2017, foi convidado pela Unidos do Peruche, do Grupo Especial de São Paulo, para contar a história de Martinho da Vila no enredo “Peruche celebra Marinho – 80 anos do Dikamba da Vila”, com colaboração do pesquisador e jornalista João Gustavo Melo (confira a sinopse aqui).
– CARNAVALIZE: Como funciona seu trabalho no que se trata do resgate dos enredos bibliográficos, principalmente no carnaval contemporâneo?
– QUINTAES: A grande vantagem para o carnavalesco é que a vida do homenageado já está aberta, mas a dificuldade é fazer com aquilo se torne palatável para um desfile. Assim como conta o João [João Vitor Araújo, sobre o enredo de Viriato Ferreira] sobre muitos desconhecerem a figura de alguns homenageados, acredito que essa é a função do carnaval, apresentar novas figuras ao grande público, seja por meio de uma sinopse, seja decorando um samba-enredo. E a pessoa que se interessar, vai buscar ainda mais sobre o homenageado. Nosso legado é trazer a tona a cultura que não está disponível para o público.
– CARNAVALIZE: Qual é a diferença ou facilidade, além da história pronta do homenageado que você citou, no caso do Martinho, sua ligação com a Vila Isabel, além de ser intelectual, sambista?
– QUINTAES: Quando fiz Bibi, tinha coisa que não conseguia colocar no enredo, pois ela trabalhou em diversos segmentos artísticos. Isso ocorre também com Martinho. Ele é escritor, cantor, tem projetos sociais em Angola. Quanto mais o artista te dá, mais você consegue escolher os pontos principais. Há também o desafio de escolher aquilo que te dê um retorno plástico, o resultado final do desfile é plástico, visual, é você precisa descobrir aquele ponto que seja culturalmente falando mas que dê um retorno plástico bacana.
– CARNAVALIZE: Durante a sua carreira, por anos você fez carnavais maravilhosos no Rio, mas também consolidou sua carreira também São Paulo. Conte mais um pouco sobre sua experiência nessa ponte aérea.
– QUINTAES: Para mim, o processo é bastante parecido. Fixo minha casa lá por oito meses, altera-se um pouco o processo familiar. Agora também não cometo mais o mesmo erro que cometi na primeira vez, nos Gaviões, quando não conhecia integralmente o carnaval paulista. Naquela oportunidade, pude descobrir que existem diversos modelos de carnavais pelo Brasil, até em termos de arquitetura em São Paulo. É necessário pensar num carnaval diferente.
Depois de fazermos a ponte aérea, conversamos com um dos destaques da Série A 2017, João Vitor Araújo, que junto com Daniel Targueta, assina o enredo da Unidos de Padre Miguel, escola que vem sendo destaque no Acesso carioca. Ele conta na entrevista como é o trabalho na UPM após a saída da Rocinha e um pouco mais sobre o tema da escola para 2018, “O Eldorado Submerso: Delírio Tupi-Parintintin”, que narra uma das lendas amazônidas, desaguando no Festival de Parintins sob a figura do Pajé (confira a sinopse aqui).
– CARNAVALIZE: primeiramente, queremos saber da pergunta mais óbvia: como foi esse processo de sair da Rocinha para a Unidos de Padre Miguel e quais são as facilidades e dificuldades que você tem encontrado por trás de todo esse processo de criação?
– JVA: Foi tudo bem natural. Eu não tinha contrato com a Rocinha, foi um carnaval por temporada e já existia o interesse da Unidos de Padre Miguel no meu trabalho; até porque eles já imaginavam que o Edson não continuaria na escola e eu aceitei o convite. Me senti muito abraçado, é como se eu estivesse trabalhando ali há anos, é impressionante. Embora seja uma escola grande, é uma responsabilidade enorme manter a qualidade do trabalho que já vinha sendo apresentado nos anos anteriores, mas eles me abraçam, eles me dão força, eles me dão apoio… e a nossa maior dificuldade é essa crise que pega todo mundo. Esse corte de verba ainda não chegou na Série A mas a gente sabe que vai chegar e é mais delicado. No Grupo Especial, ok, está cortando um milhão, as escolas vão ter pelo menos sete. Na Série A, 1% já faz diferença, já faz um rombo danado. Qual é a saída para isso? Trabalhar com materiais alternativos, algo que eu já vinha fazendo nos trabalhos anteriores, o que não significa pobreza. Os nossos protótipos estão prontos, e, se vocês tiverem a oportunidade de ver quando eu publicar, notarão que são materiais extremamente baratos mas que eu fiz com que reluzissem feito ouro. Essa é a nossa saída; fantasias bem mais em conta do que as do ano anterior, mas a qualidade é a mesma.
– CARNAVALIZE: o imaginário do Amazonas e de Parintins passou pouco na Sapucaí. Qual é o seu desafio, também em questões estéticas, de criar um enredo a partir disso?
– JVA: Esse delírio me dá uma liberdade muito maior para fazer, digamos assim, o que eu quiser. Então é uma temática amazônica, baseada numa lenda, e o mais interessante disso tudo é que não é um enredo verde. Esqueçam (risos), não tem verde, não tem ‘salve a floresta’, não tem índio. Melhor, o protagonista dessa história é um pajé, e para não dizer que não tenho índio, tenho um manoa, que era um sentinela que tomava conta da cidade encantada do fundo do rio, e o parantintin no final que é o índio nativo ali da região da ilha tupinambarana, que é Parintins; somente. Tenho duas fantasias apenas em tons de verde, e, mesmo assim, de forma bem tímida, que representam o beija-flor e o vagalume, mas nada ligado à preservação da natureza. Não que isso seja não seja válido, mas não é a minha intenção neste enredo. É bem interessante, uma história bem bacana e bem gostosa.
– CARNAVALIZE: a UPM vem marcada por um trabalho do Edson, com esculturas gigantes. Como vai ser essa negociação de impor a sua linguagem e ao mesmo tempo se sobressair?
– JVA: É bem interessante esse trabalho, claro que eu tive que fazer algumas alterações, até porque tenho que ter a minha personalidade, a minha característica e a escola me abraçou. Quando eu digo em dar continuidade ao que vinha sendo feito, falo em grandiosidade. Mas, em questão de estética, de textura, é uma outra história. Eu estou super ansioso.
Mesmo estando em seu segundo ano no Especial, Severo já assinou grandes escolas no RJ (foto: Flickr/Valéria del Cueto) |
Claro que o Grupo Especial não ficaria de fora, certo? Representando a elite do carnaval carioca, Severo Luzardo, da União da Ilha contou um pouco mais sobre o enredo, acrescendo que não há problemas em lado de concentração, seja Balança ou Correios. Severo tratou também da reciclagem de materiais e contou um pouco mais sobre o enredo da Ilha para 2018, “Brasil Bom de Boca” (confira a sinopse aqui).
– CARNAVALIZE: Gostaríamos que você comentasse um pouco sobre o enredo do ano que vem, do que vai aprontar; o que você pode revelar pra gente? Será apenas culinária? O texto dá a entender que tem mais coisas por trás, certo?
– SEVERO: Vamos falar sobre culinária brasileira. Acho que temos cores e sabores que só têm no Brasil. Vai ser muita irreverência. Vamos falar do que veio de fora, o que os negros e botaram e a partir daí vamos ver como é a mesa do brasileiro, hoje, enquanto sociedade. O que somos, como comemos? Tem a questão do comer com as mãos, do ‘se lambuzar’. É muito leve. É a cara da Ilha. E tem coisas que só tem no Brasil: a caipirinha só tem aqui; o brigadeiro só tem aqui; a coxinha de galinha só tem aqui. No olhar do dia a dia, a gente não se dá conta de tanta diversidade. Quando a gente se afasta é que a gente se dá conta do quanto somos pitorescos, e isso fascina muito. Belém do Pará ganhou o título de paraíso dos sabores, o que é incrível. Vamos passar com um grande banquete, e cada um degusta e come o que quer.
– CARNAVALIZE: você ficou conhecido pela sua capacidade de reciclagem e reaproveitamento dos materiais. Agora que o carnaval enfrenta um momento de crise e um orçamento mais enxuto, como você acha que essa sua capacidade vai se refletir?
– SEVERO: No ano passado não reciclei porque eu não tinha o que reciclar. Cheguei numa Ilha em que os carros tinham sido zerados, então eu tinha que fazer crescer tudo. Mas eu nunca achei feio reciclar, acho que é muito babaca você jogar um carnaval todo fora. Você não pode oferecer um espetáculo velho, porque as pessoas pagam seus ingressos, elas querem um espetáculo novo e aquele momento ali é para elas se divertirem. Agora, aproveitar coisas, reciclar, transformar, tem que ser feito. Não temos dinheiro para jogar fora. Eu acho que essa é, hoje, uma responsabilidade de todas as escolas.
– CARNAVALIZE: a ordem do desfile e o lado de entrada na Avenida importam?
– SEVERO: Eu não me preocupo muito com isso. Meu carnaval já está desenhado e tudo está adaptado, então não tenho preocupação. Meu único cuidado é com a mecânica dos carros, para que nenhum trave mais (risos). Mas é tudo de aplicação, tudo de montagem fácil.