Dragões da Real: “Dragões canta Asa Branca”


“Prelúdio”
“Nossa escola abre a roda de bamba,
Tocada de música e emoção,
A escola de vida e de samba,
Se rende à mais importante obra,
Que veio lá do sertão.
Nosso sanfoneiro no repente hoje diz,
Que o samba que brota na quadra,
De uma terra de gente feliz,
Que tem fé na sua jornada,
Se faz um lugar de gente arretada!
Invoco a alma sertaneja, de uma gente valorosa,
Que foge da seca, que a tudo aperreia,
Carrega a herança que corre na veia,
Tal qual lamparina que sempre candeia,
Que não teme a peleja e tem alma corajosa.
A saga do nordestino, que deixa a sua terra,
Carrega o sonho menino,
De mudar o seu destino,
Buscando encontrar seu caminho,
Pra um dia voltar de onde viera.
Olho do céu, pois de lá entendo,
Eu voo alto, sou Dragão!
Saúdo o canto de minha nação,
Emparelho-me a ela, contando o vento,
Junto a Asa Branca, o hino do Sertão”.
“Asa Branca” 
“Quando oiei a terra ardendo
Gual a fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu preguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação”
“O calor inebria e entorpece a visão dos homens. A vida trava um duelo cotidiano com o ambiente ressequido e árido. O calor e falta d’água ressecam a terra, mas não a alma do sertanejo. Diante de tamanho sofrimento, ele se dirige ao céu em prece, pedindo forças para superar tantas provações. A oração tem tom de súplica, lamento. O sol inclemente castiga fortemente a vida. É da fé que vem a esperança, pedindo a Deus que chova e alimente de vida o sertão”.
“Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão”
“A terra rachada, ressequida, limita o meio de vida do nordestino. Sem água ele não consegue tirar da terra seu sustento. Não é possível plantar nem criar animais. A natureza severa lhe impõe uma difícil relação de sobrevivência. O cenário é desolador, cercado de morte e desesperança. O homem pouco pode contra a força predominante do sertão. A natureza luta. Toda forma de vida sofre, sem distinção. O homem ver morrer diante dos olhos sua cria”.
“Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse, adeu Rosinha
Guarda contigo meu coração
Entonce eu disse, adeu Rosinha
Guarda contigo meu coração”
“Assim como a Asa Branca, a bravura do nordestino lhe impele a seguir em frente e deixar sua terra natal. É hora de buscar em outras terras a chance de prosperar. Leva consigo o amor por suas raízes, sua terra e família. É hora de migrar, atravessando as estradas desse país continental. Dias sobre os “paus-de-arara”, sacudindo em estradas esburacadas e perigosas, guiados por seu sonho de conseguir uma chance de crescer e prosperar. Mas em seu peito vive aceso o amor por suas origens onde quer que vá. Na bagagem a esperança e sua cultura, levando o nordeste onde quer que vá”.
“Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva caí de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Espero a chuva caí de novo
Pra mim vortar pro meu sertão”
“Onde quer que chegue o nordestino faz daquele chão um pedaço vistoso de seu distante sertão. Ele leva em sua bagagem as lembranças, a alegria de seu povo, seus costumes, danças, crenças, arte e expressão. Mesmo longe, através de sua fé e suas tradições, ele encurta a distância entre os dois mundos. Sua música, culinária, riqueza folclórica, tudo enfim, aquece seu coração. Um dia ele há de voltar à sua terra. Os centros de tradição se transformam em verdadeiras embaixadas da cultura nordestina. Baião, forró, xaxado, arrasta-pé, baião de dois, rapadura, farinha, tapioca, acarajé, vatapá, moqueca de peixe, camarão, buchada de bode , macaxeira, lagosta, fritada de siri, paçoca (de carne), caruru, carne-de-sol, queijo coalho, cuscuz de milho, sarapatel, cerâmica de vitalino, renda de bilro, carrancas, bordados, costura de couro, garrafas de areia, redes, a literatura de cordel, mamulengos, cestaria. Simpatias e garrafadas, ervas de cura. A vida renasce pelas mãos de uma velha parteira”.
“Quando o verde dos teus oio
Se espaiar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
que eu vortarei, viu
meu coração”
“O sonho do nordestino é um dia retornar à sua terra. Seu sonho é alimentado pela esperança de que a chuva abençoe os campos e permita o verde surgir sobre a terra castigada. E nesse dia, repleto de saudade, ele voltará, levando consigo sua história de luta e vitória. Esse laço com suas origens nunca se desfaz. E quando voltar pra sua terra, será hora de reencontrar e celebrar suas raízes. Festas e folguedos; é São João, Santo Antônio, São Pedro, Maracatu, Caboclo de lança, Bumba-meu-boi, Boi-de-fita, Boi-de-mamão, Reisado, Marujada, Frevo, Capoeira e quadrilha! Como é cheio de vida meu sertão! Essa gente guerreira, valente e determinada, forjada no calor incessante do sertão, traz consigo a luz da esperança. Não importam as agruras e dificuldades; o nordestino faz da dor matéria-prima de sua arte. Uma gente movida pela fé e pelo amor a suas raízes e tradições. A força do vaqueiro desbravador encontra os acordes suaves da sanfona e se traduz em poesia. Das mãos calejadas da lida sofrida, brota boneco de
barro, renda e encantamento. Temos muito a aprender com essa gente morenada pelo sol, abençoada por Deus e valente como que só! Mas vamos pôr fim nesta prosa que hoje é dia de festa no terreiro! Nos acordes da Asa Branca, toca o fole sanfoneiro, que a festa não tem hora pra acabar”.

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