(Crédito: arte do logo oficial da escola adaptado para a capa desta matéria) |
“A vitória desse samba é uma prova que escola de samba é uma instituição que, ao mesmo tempo que negocia, resiste. Foi um samba que fugiu ao controle da própria Mangueira porque ele ultrapassou o limite da escola, ganhou as redes sociais, ganhou os fãs de samba-enredo e os fãs de MPB”, comenta.
Simas explana a ideia de que a excelência da obra não passa apenas por sua perspectiva social e política, mas também por sua riqueza como samba de enredo, denominando-o como brilhante. Lembra, também, das questões da torcida:
“Foi uma torcida espontânea. Nesse sentido, ele era um samba tão melhor que acabou se impondo à própria lógica das disputas. Tomara que ele seja uma referência. Nós temos hoje um grande samba, e esse samba é o pulo de virada para o carnaval 2019”, observa.
Perguntado sobre sua influência na temática da escola, Simas comenta que é amigo do Leandro e que dialogam, mas que o enredo e a perspectiva são do carnavalesco, descrito por Simas como um “intelectual do Rio de Janeiro e do Brasil da maior relevância”.
Leandro, à frente da Mangueira nos três últimos carnavais, é o responsável pela criação da sinopse e de toda estética da agremiação. Para o carnavalesco, o enredo tem muito a dizer, também, sobre a conjuntura do país:
“Se houver Brasil depois das eleições do segundo turno, o enredo da Mangueira é um enredo que dialoga com esse cenário. Ele seria o contrário do que chega ao poder”. E acrescenta: “Um país que não conhece sua história, ou ele repetirá a história ou ele não encontrará representatividade nunca na história que é contada. O enredo da Mangueira é um enredo de representatividade, um enredo que quer eleger pessoas, que quer eleger heróis populares, quer dar representatividade a alguma lutas, principalmente a lutas individuais”.
Leandro também exalta que o tom de tristeza não está presente no seu enredo, embora boa parte dos heróis homenageados tenham sido assassinados:
“É um olhar apaixonado para isso, é um protesto com alegria, não é um protesto triste”, diz. O artista conclui falando que o enredo “quer mostrar que a luta vale a pena, quer mostrar um Brasil que vale a pena, um Brasil que se orgulhe do Brasil. E um Brasil que possa lutar, um Brasil que possa resistir. A importância do enredo da Mangueira para esse cenário é mostrar que lutou, independente se a luta tenha dado certo ou não. Mas que houve alguém que tenha lutado”.
Enquanto o discurso de Luiz Antônio Simas é comprometido em exaltar outra faceta do país e enquanto Leandro Vieira criou “História para ninar gente grande”, Deivid Domênico é um dos autores da obra que tanto chamou atenção à verde e rosa. O compositor também observa a importância do posicionamento da Mangueira no olhar histórico:
“Em 1988, a Mangueira já falava sobre a realidade ou a ilusão sobre a escravidão. O Leandro propôs um enredo muito pertinente pro momento do país, que vive um momento muito odioso. E a gente sabia que a gente precisava ter muito cuidado para fazer esse samba porque a gente precisava falar de coisas sérias, de verdades que não foram ditas. Alertar que a História se repete, e que se a gente não tomar cuidado ela se repetirá, mas de uma maneira delicada, fraterna”, revela.
Além disso, acerca da necessidade de disseminar consciência de classes entre a sociedade, Domênico diz que “o samba, como instituição, é resistência, e precisa alertar isso; é a função dos artistas, é a função dos sambistas, é a função do carnavalesco Leandro Vieira, que é, pra mim, o maior inspirador disso tudo que está acontecendo”.
Mais do que a narrativa adotada nos discursos de Simas, mais do que a criação do enredo e do samba por Leandro e Domênico, o maior recado da noite de ontem está na escolha do samba pela Mangueira. Movida por apoio de formiga, de torcedor a torcedor, pelo reconhecimento de identidade por parte dos corpos que estavam ali presentes e dos avatares que disseminaram a mensagem e a qualidade do samba pelas redes sociais – em tempos que avatares propagam fakenews, correntes e boatos para tentar favorecer candidatos e mudar os rumos das eleições. Os corpos e os avatares fizeram a Mangueira escolher o samba que cita nominalmente as figuras que serão exaltadas, o samba de uma parceria não-hegemônica, o samba que pode ser fortemente adaptado à situação em que se colocam o país e o estado do Rio de Janeiro. O povo de lá clama, assim, que os corpos e os avatares escolham o ziringuidum da democracia no segundo turno. Sabem o retrato que quer ver no Brasil e nas urnas.