Todo conto é um canto de sobrevivência, de resistência, uma história de amor. Um conto pode durar uma hora, um dia ou mil e uma noites. Os fios que tecem uma narrativa encantam ao recontar histórias do coração, de reconciliação – lições que levam da vida.Todo mundo tem uma história para contar, essa é a nossa história.
E todos nós aqui, na solidão desértica da nossa amada Zona Oeste, a olhar as estrelas do céu, tão ávidos e sedentos por ver novamente, no firmamento, a nossa mais querida estrela reluzir, brilhante dentre todas as outras do universo.
O calor que banha de suor o nosso corpo e que aquece nossa região, volta e meia, nos traz à mente imagens que hora nos confundem e, em outros momentos, nos fazem delirar numa overdose de desejos. Loucuras de paixão se misturam com lembranças de bons ventos que um dia sopraram e refrescaram a nossa memória, como em um Saara imaginário que varre, ventando sem fim, tal qual uma oração, o refrão de um samba que me inspira assim..
“Nos meus devaneios,
Quero viajar…
Sou a Mocidade,
Sou Independente,
Vou a qualquer lugar…”
Em devaneios, a caravana parte.
Nela, toda a Mocidade, inebriada de fascínio na imaginação que flui, assim como a brisa que alisa o deserto, na noite que faz sonhar, busca no escuro céu uma guia – sua identidade estelar. Esse vento, que varre as dunas, vem então semear as histórias encantadas que, um dia, foram sopradas no tempo. Desprendidas das areias de tantas terras, se espalharam pelo mundo, se misturando por cá; viajaram aos quatro cantos, num vira e mexe, aqui e acolá, perto e longe, pra lá de Marrakesh, por todo o povo de Alah, como se fosse, a Arábia, um só lugar.
Em um passe de mágica, o dia se faz raiar. Ao refletir sua luz no deserto inclemente, o Sol teima em queimar a nossa cara que, porém, em um facho sorridente, deixa a caravana passar e seguir em frente, pois, para a Mocidade, não existe mais quente.
Seguindo a miragem que nos estampa o olhar, eis que surge um reino mágico – exótico e singular – que nos abre suas portas e nos convida a entrar. O que a princípio espanta os olhos sonhadores que o vislumbram, logo os encantam e os deslumbram quando se estende no horizonte o país, tal qual um tapete mágico para a Mocidade desfilar.
Yalla… Assim se descortina uma grande praça, o teatro de ilusões, o circo do povo, onde os halakis – contadores de histórias e herdeiros de Sherazade, ainda nos encantam, aumentando pontos de conhecidos contos que nos hipnotizam como serpentes ao som das flautas de seus encantadores. Os contos roubados se tornam possíveis diante do caleidoscópio que se forma por sua cultura plural e misteriosa, impregnada de tradições e heranças do passado, de povos que por ali pisaram, deixando marcas no seu viver.
Entre palácios, medinas e labirintos de mascates, a herança fenícia da arte de negociar se encontra nos saberes e sabores dos temperos coloridos que exalam, de suas tajines e do refrescante chá de hortelã, aromas de tantas influências de outros reinos que se fundem por cá, que reluzem nos adornos e nas lanternas, nas taças e nas bandejas que imitam o ouro, e nas joias que enfeitam os véus de suas mulheres, cobertas de respeito e mistérios. Tudo isso se entrelaça a uma trama que tece belos tapetes: linhas que refazem caminhos, histórias sem fim, como se, no esfregar da lâmpada dos desejos, a nossa genialidade nos fizesse voar pela mágica de Aladim.
A cada portal das cidades que transpomos é como se fôssemos guardiões da palavra-chave, um abre-te sésamo, abra-te mente, abra-te Marrocos em seu mundo de possibilidades, revelando a riqueza cultural do seu povo, o seu mais valioso tesouro. Tesouro este, feito, não somente de ricos adornos, mas também de preciosos segredos de sua gente, receitas de bem viver e de valores que muitas vezes desprezamos; lições para se aprender: no meio do deserto, um pote de água, mais do que um de ouro, pode valer.
Devemos ser firmes como o camelo e guardar forças para seguir em frente ao atravessar os Saaras da vida. Entender o sol, o mesmo que arde e queima, e ser a fonte de energia que acende o progresso, ser o vento que sopra a tempestade e a força que move o futuro. De suas areias, aparentemente estéreis, faz brotar riquezas das entranhas da terra que enriquecem este reino encantado que desperta em nós a esperteza de Ali Babá ao preservar um tesouro em suas profundezas.
Segue a caravana, em sua mágica aventura, a conduzir nossos sonhos onde o azul do límpido céu, na imensa tenda de seus berberes, encontra com o plácido anil do Atlântico, cada vaga devolve conchas à praia, um colar de contos de areia e mar. Cantos que nos seduzem, encantos de sereias como as tantas aventuras de Simbad ou de outros tantos marujos que ousaram velejar.
E nesse vai e vem, ondas de histórias, segredos guardados no mar, de mil e uma ilhas, terras e mitos que ouvimos contar. Mitos de batalhas e glórias, de perdas inglórias, de cheganças e partidas, como fora El Jadida, um dia Mazagão perdida, pela qual lutou o jovem Rei Sebastião, com espada e sangue sobre as areias e as pedras do cais, que se cobrira de mistério ao desaparecer, nas brumas do infinito oceano, para não ser visto jamais.
Entre tantos contos e encantos, tantas histórias ouvidas nessa odisseia onírica que nos leva em labirintos fantásticos, nos mostra agora os jardins do saber, Rhiads do conhecimento um dia semeado pelas mãos de uma mulher que, por trás das muralhas, estão protegidos pela fé e bênção de Alah. Residem até hoje ensinamentos, descobertas e invenções para a humanidade nas escrituras milenares, dos estudos da Terra aos mistérios dos astros; dos cálculos da matemática à alquimia; sortilégios, segredos escondidos no templo da sabedoria; magos da cura e da cirurgia; palavras que voam dos livros ao mundo e que soam familiares aos nossos ouvidos.
E assim, como as areias da ampulheta que nos alertam sobre o tempo, é chegada a hora do devaneio se dissipar desse sonho e, enfim, despertar em nossa bagagem, na mente, histórias para se lembrar… Tantas imagens, tantas miragens e tantos outros pontos aos contos acrescentar. O exótico se faz agora um velho conhecido – afinidades e semelhanças se abraçam, diversidades e diferenças se respeitam sob a linguagem universal da música na apoteose dessa aventura como um oásis de felicidade.
Viajar é muito mais que encontrar um destino, viajar realmente é reencontrar novos mundos. Fizemos do Saara uma passarela, e no reino do Marrocos, o nosso conto transformou minutos em mil e uma noites de alegria e prosperidade, ao vestirmos a fantasia, tecemos um tapete mágico onde desfilaram os sonhos da Mocidade . Se a nossa música também veio da África, nossas bandeiras, estrelas gêmeas brilharam juntas no coração de nossa gente.
E o calor?
Ah! Esse eu posso garantir que é humano e que, ao som do batuque do samba, não existe mais quente. Se você quiser, é só se unir com a gente que vamos mostrar um reino diferente, bem pra lá de Marrakesh, um lugar com um povo encantado que igual não se tem, que vale mais que um pote de ouro, é o nosso tesouro – nossa gente da Vila Vintém.
Esse papo já tá qualquer coisa… Inshalah!