#QUILOMBO: a bantu-oralidade do samba

Ilustração de Osmar Filho, arte de Vítor Melo (Carnavalize).

Estreia! O Carnavalize convidou um coletivo que ressalta pautas e bandeiras fundamentais na mídia independente do carnaval. Trazendo o olhar da negritude e empretecendo o pensamento, o Quilombo do Samba é um grupo de pesquisas e estudos sobre o protagonismo negro nas escolas de samba. Se a missão é essa, o Carnavalize será mais uma ferramenta para que o Quilombo atravesse encruzilhadas e se propague por todos os públicos possíveis! Simbora, então, ler e aprender mais sobre temas tão basilares e vitais para a nossa sociedade e para a história das agremiações? #Quilombo!

Por Guilherme Niegro

Diferente de muitas referências que existem sobre os povos africanos que vieram para o Brasil, a nossa história não começa no embarque de africanos escravizados nos navios negreiros para serem espalhados pelos continentes dominados pelos europeus. 

Nós africanos e africanas em diáspora temos uma história ancestral, com ligações que só as cosmogonias africanas conseguem explicar. O samba é uma dessas cosmogonias que se explicam a partir de sua vivência e de sua reexistência do lado de cá do Atlântico.

Sagrada Oralidade I, de Osmar Filho.
Os povos Bantus são formados por diversos
grupos/povos/famílias etnolinguísticas da África central, centro-ocidental,
austral e parte da África oriental. A palavra “bantu”, que os
designa como povos, quer dizer “pessoas” no plural; enquanto Muntu é a
“pessoa no singular”. Para esses povos, somos seres constituídos de corpo,
mente, cultura e principalmente pela PALAVRA. A palavra é o fio condutor da
nossa própria história, o próprio conhecimento, a própria existência:


“As cosmologias negras às quais podemos recorrer, dentro das
nossas reflexões e da densidade da nossa carne, são, simultaneamente, emanações
ancestrais, instantes no presente e devir. Não se trata daquilo que não podemos
manifestar  e realizar, mas, ao
contrário, daquilo que, se não incorporamos hoje, no Brasil, e não colocarmos
ao lado dos saberes nativos das florestas ameríndias, deixar-nos-á,
necessariamente, mergulhar no profundo poço da repetição irrepetida de uma
colonização, mais do que antinegra, ontológica.” (Tiganá Santana).


Os Bantus foram os primeiros povos africanos escravizados
trazidos forçadamente para o Brasil já nas primeiras décadas do século XV, e é
a partir da chegada de Ngolas, Ndongos, Cabindas, Kikongos, Cokwes, Congos,
Benguelas entre outros, que esses grupos chamados Bantu trouxeram nações
inteiras para a Colônia Portuguesa. Juntas a essas nações, todas as suas
estruturas de sociedade, como o Quilombo, aldeamento de escravizados fugitivos
que se tornavam livres.
Dialogando com a Socióloga negra Beatriz do Nascimento, temos
o entendimento que o Quilombo ainda está vivo. “Quilombo pode ser um lugar onde
as pessoas vivem mais livremente, é a nossa ligação com a natureza, Quilombo
são as Escolas de Samba. Quatro ou Cinco negros e negras reunidos, pensando,
refletindo, respirando e resistindo é um Quilombo. Não temos uma Pequena África
enquanto território, cada pessoa negra carrega dentro de si uma África ora
desperta ora adormecida, porém, todos e todas em diáspora somos África por
essência”, afirma a ancestral que foi historiadora dos povos negros em
diáspora.


O samba, por sua vez, constitui-se sobre o pensamento dos
nossos ancestrais, a partir de junções de outros conhecimentos e saberes. Nele
está salvaguardada a vivência em memória da comunidade ou dos Quilombos.

A palavra samba vem do povo Bantu. “Observa -se seu léxico da língua Cokwe e tchokwe, do povo
kioco do que hoje é Angola, registra-se o verbo Samba, com acepção de
Cabriolar, brincar, divertir-se como um cabrito (assim como a Capoeira o Samba
imita algumas movimentações dos animais), 
no Kikongo, o vocábulo de igual feição designa uma espécie de dança em
que um dançarino bate contra o peito do outro. Essas duas formas originam-se da
raiz multilinguística Semba – rejeitar, separar, remetendo ao movimento físico
produzido na umbigada, que é característica principal dos povos Bantus, na
África e trazido para a diáspora” (Nei Lopes).
Comunicação Ancestral, de Osmar Filho.
“Sem matrizes africanas não é possível chegar aos
fundamentos, transformar, traduzir o Brasil. Samba é o verbo orar em Kikongo,
para o povo kioco samba é cabriolar, brincar, se divertir” (Nei Lopes).


É dessas experiências cantadas em forma de samba-enredo pelos
Quilombos contemporâneos, as escolas de samba, de que é feita a comunicação com
o nosso povo, dentro de uma grande celebração que se dá a cada desfile. Há nas
apresentações uma troca de ondas e radiações no ato da enunciação de certas
palavras (com ressonâncias pretéritas dos antepassados e atuais para as
diversas circunstâncias). Há uma “energia” que não é proveniente da
sonorização das palavras ou dos seus significantes, mas que se refere à
existência de cada ser, quando o apito corta o vazio e este vazio passa a ser
ocupado pelo “bum bum paticumbum prugurundum”.
 

Sagrada Oralidade II, de Osmar Filho.

Somos, como africanos diaspóricos, seres orais ao passar o
nosso conhecimento por meio da roda, da junção e da vida em comunidades. Somos
o partido, o jongo, o urbano e o rural. Somos a canção e o enredo do meu samba.


Somos Ancestralidade!!! Somos Quilombo!!! Somos Reexistência!!!

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