Raízes da Garoa: a origem do carnaval paulistano

 

Chegamos no mês de outubro e iniciamos a nova série do Carnavalize, Raízes da Garoa. Todas as segundas-feiras, iremos destrinchar o carnaval de São Paulo, desde suas origens, até a sonoridade dos seus sambas-enredo e bateria, além de outros segmentos importantes: o visual e a dança. O objetivo desta série é explicar as peculiaridades e diferenças que envolvem a folia paulistana e a sua importância para a cidade. 
A nossa tradicional festa desenvolveu-se de diferentes formas no país. Em São Paulo, sua origem está ligada à manifestação do entrudo, uma brincadeira que existiu desde o século XV em que os foliões atiravam água e outros líquidos entre si. Entretanto, a principal influência foi com a crise da economia cafeeira, período em que as populações migraram do campo para a cidade. Com o êxodo rural, as famílias se deslocaram em busca de trabalho e melhora na qualidade de vida e, com os novos laços comunitários formados, desencadearam o início do carnaval paulistano. Muitas das manifestações de samba surgiram em bairros com forte concentração operária, como Bela Vista e Barra Funda, onde duas das escolas mais tradicionais da cidade foram criadas anos depois e estão localizadas até hoje. Estamos falando da Vai-Vai e da Camisa Verde e Branco, respectivamente. 
Os cordões carnavalescos aconteciam na Avenida São João e Anhangabaú. (Foto: Acervo – SRZD)
O carnaval tinha como manifestação central, inicialmente, os cordões, dentre os quais se destacavam o próprio Vai-Vai e Camisa já citados anteriormente. O primeiro cordão foi criado em 1914 por Dionísio Barbosa e chamava-se Cordão da Barra Funda. Dionísio, por ter morado durante anos no Rio de Janeiro, teve contato com os ranchos carnavalescos de lá e decidiu criar um em São Paulo. Foi em 1934 o primeiro desfile oficializado pela prefeitura dos cordões existentes na época. 
Eram neles que se desenvolviam o samba paulistano, que tinham como principal elemento musical a batucada, responsável pela manutenção do ritmo, que tinha como base a execução de instrumentos de percussão e sopro, com destaque para o bumbo e o choro. O ritmo interpretado pelos cordões era a marcha-sambada, que mesclava elementos de sambas rurais paulistas e da marcha. 
Ademais, por conta dos primeiros líderes de grupos carnavalescos virem do interior do estado, eles, ao frequentarem as festas de caráter religioso-profano das pequenas cidades, como a de Bom Jesus de Pirapora, absorviam seus elementos musicais e coreográficos que seriam manifestados posteriormente na folia paulistana. Com isso, os sambas rurais da festa de Pirapora iriam também influenciar a música dos cordões paulistanos e as escolas de samba.
A escola de samba Lavapés foi a primeira a se firmar no carnaval paulistano. (Foto: EBC – Divulgação)
Os cordões tiveram forte influência nas primeiras escolas que surgiram na terra da garoa, assim como aconteceu no Rio. Em virtude disso, nas primeiras agremiações paulistanas, houve uma mescla de elementos dos cordões com características musicais e coreográficas do carnaval carioca. Apesar de o primeiro desfile das escolas ter acontecido apenas em 1955, no Ibirapuera, as primeiras agremiações surgiram na década de 1930. 
A “Primeira de São Paulo”, é considerada por muitos a pioneira, mas foi a Lavapés, fundada em 1937 por Madrinha Eunice e Chico Pinga a primeira a se firmar no carnaval paulista. Nos anos seguintes, outras escolas tradicionais começaram a surgir, como a Nenê de Vila Matilde – responsável pela popularização do carnaval na década de 1950 e 1960 – e a Unidos do Peruche. Elas mantiveram por muitos anos elementos dos cordões, como o baliza e estandarte. Já no âmbito musical, mesmo com o intuito de se aproximar do samba carioca, a influência dos sambas rurais paulistas era cada vez maior, com a presença do bumbo e de instrumentos de sopro até o fim da década de 1960. 
Os primeiros desfiles das escolas eram realizados no Ibirapuera. Na foto, desfile da Nenê de Vila Matilde em 1960.  (Foto: Arquivo Histórico de São Paulo)
Ainda naquela década, ocorreu aos poucos o surgimento de novas agremiações, como a Unidos do Morro da Vila Maria (atualmente Unidos de Vila Maria) e Unidos do Morro de Casa Verde (atualmente Morro de Casa Verde). Em 1965, os desfiles passaram a ser transmitidos pela rádio e em 1967 o carnaval foi finalmente oficializado pelo prefeito na época José Vicente Faria Lima, um carioca, apreciador de samba e simpatizante das manifestações populares. Com a sua oficialização, os principais cordões da época, Vai-Vai e Camisa Verde e Branco foram extintos. Dava início a um processo de padronização dos desfiles que se mantém até os dias de hoje. 
Em 1968, ocorreu o primeiro desfile reconhecido como “oficial” pelo poder público, na Avenida São João, tendo como campeã a Nenê de Vila Matilde, com o enredo “Vendaval Maravilhoso”. A azul e branca, fundada em 1949 por um grupo de amigos, tendo como “líder” Alberto Alves da Silva, o seu Nenê, foi a pioneira na inclusão de elementos do carnaval carioca em seus desfiles. Alberto tinha familiares na cidade maravilhosa e contato com vários componentes das agremiações, o que o ajudou a se consolidar quando os desfiles foram oficializados, conquistando um tricampeonato logo nos primeiros anos. A importância da azul e branco ainda maior, dada seu pioneirismo das temáticas negras no carnaval brasileiro, como contamos nesse texto. Durante os anos de 1950 e 1960, a escola levou enredos como “Zumbi dos Palmares”, “Xica da Silva” e “Casa Grande e Senzala”. 
Camisa Verde e Branco se apresentando em 1984 na Avenida Tiradentes. (Foto: Sergio Araki – Estadão)
No final da década de 1960, novas escolas também começaram a surgir, como a Mocidade Alegre. A agremiação tornou-se uma referência por muitos anos por seus desfiles técnicos, conquistando três campeonatos seguidos (1971, 1972 e 1973) e surpreendendo sambistas mais antigos. O ano de 1972, além de consagrar o bicampeonato da Morada do Samba, também resultou oficialmente no fim dos cordões carnavalescos, Vai-Vai e Camisa Verde e Branco receberam o convite para participar dos desfiles como escolas de samba. 
Em 1974, o Trevo da Barra Funda conquistou o primeiro título, iniciando o seu tetracampeonato. Em 1978, é a vez de o Vai-Vai chegar ao seu primeiro campeonato. Com o apoio da prefeitura, a festa continuou a crescer e se tornou cada vez maior. Em 1977, os desfiles foram para a Avenida Tiradentes, onde foram construídas arquibancadas para acomodar o público. A década de 1970 também marcou a fundação de uma das escolas que faria história no carnaval paulistano, a Sociedade Rosas de Ouro, que a partir dos anos 1980 se tornou uma potência. 
Um dos grandes momentos do carnaval paulistano foi em 1985, quando a campeã teria a oportunidade de desfilar na Sapucaí no desfile das campeãs. Após um jejum de 14 anos, a Nenê de Vila Matilde conquistou mais um título e, comandados pelo seu Nenê, os componentes da azul e branco invadiram a passarela do samba carioca com mais de 2 mil componentes. 
No ano seguinte, foi fundada a Liga das Escolas de Samba de São Paulo (LIGA-SP) para ajudar na organização e administração dos desfiles, mostrando que o carnaval em São Paulo estava se tornando cada vez mais profissional. A partir de 1991, os desfiles passaram a ser realizados no Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo, mais conhecido como Sambódromo do Anhembi, construído com o intuito de sediar o maior espetáculo da Terra. É onde os cortejos acontecem até os dias de hoje. 
O Sambódromo do Anhembi para o carnaval de 1991. Detalhe para as arquibancadas móveis naquela época. (Foto: Arquivo – Estadão)
O carnaval de São Paulo atualmente possui suas peculiaridades e diferenças e, para entendê-lo, é preciso voltar ao passado e conhecer suas origens. Sob influência da população resultante do êxodo rural causado pela crise do café, a festa paulistana começou a ganhar forma, assim como os sambas que receberam forte inspiração das festas do interior do Estado. 
Tudo isso colaborou para a construção e surgimento das escolas que, ao longo dos anos, foram criando a sua própria identidade e características únicas. Semana que vem, a série Raízes da Garoa voltará para abordar mais profundamente a sonoridade dos sambas-enredo e da bateria do carnaval paulistano. Não deixe de acompanhar nossos outros textos. Venha e #CarnavalizeConosco!
Quer saber mais sobre a história do carnaval paulistano, além da importância da Nenê de Vila Matilde e seus enredos afro-brasileiros? Adquira o livro “Sou da negritude, o fruto e a raiz”, de Emerson Porto Ferreira, publicado pelo Selo Carnavalize. 

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Referências Bibliográficas:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao40/materia06/
https://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/9894/historia-do-carnaval-de-sao-paulo

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